Os fãs de futebol já se acostumaram com o novo nome que, desde o começo do ano, estampa o peito da camisa do Palmeiras. No espaço que já pertenceu à Fiat e à Parmalat está hoje uma das empresas de maior lucro do sistema financeiro brasileiro: a Crefisa. Conhecida nacionalmente pela promessa de emprestar para quem está com nome sujo na praça, a Crefisa tem um lucro líquido tão vultoso que a torna a nona instituição financeira de maior resultado do país, em termos absolutos, à frente, por exemplo, do Citi, do Banrisul e do Banco Votorantim.
A estratégia que leva a esse desempenho, porém, é segredo que a financeira guarda a muito mais que sete chaves.
A Crefisa teve um lucro líquido de R$ 497,7 milhões no primeiro semestre, com crescimento de 51,78% ante igual período do ano passado – sinal de que períodos de crise trazem bons resultados para a estratégia da companhia. É, de longe, a operação mais lucrativa entre as financeiras do país: a segunda colocada, a Midway, da Riachuelo, teve um resultado líquido quase quatro vezes menor, de R$ 132,4 milhões no período.
Considerando seu patrimônio no fim de 2014 e o lucro acumulado naquele ano, o retorno da financeira seria superior a 30% – indicadores similares de Itaú e Bradesco estão na casa dos 20%.
Com 51 anos de existência, a Crefisa é comandada pelo casal José Roberto Lamacchia, fundador e controlador da financeira, e Leila Mejdalani Pereira, que preside a instituição. Além da Crefisa, os dois são donos de outros negócios, incluindo a Faculdade das Américas (FAM), que, não por acaso, também é patrocinadora do Palmeiras.
O perfil de ambos é de discrição quase absoluta. Nenhum representante da empresa concede entrevista e o casal pouco aparece em público, a não ser em eventos do Palmeiras. A Crefisa sequer faz parte da associação que congrega seus pares, a Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), ou de outras agremiações do sistema financeiro.
O curioso modelo de negócios da Crefisa é estudado com atenção pelos concorrentes e não falta quem já tenha cogitado copiá-lo. A promessa de “crédito para negativado” fez com que a companhia acumulasse uma carteira de crédito pessoal de R$ 2 bilhões em junho deste ano, cifra 65% maior que em igual período do ano passado. Como a financeira mesmo gosta de deixar clara em suas propagandas, não faz consignado, o empréstimo com desconto em folha. Seu portfólio é inteiro composto de crédito pessoal sem garantia.
O lastro desses empréstimos vem exclusivamente do patrimônio líquido de R$ 2,56 bilhões da companhia – a financeira não possui nenhum outro tipo de instrumento de captação, como depósitos ou títulos emitidos.
O alto risco de se emprestar para quem está com nome sujo faz com que uma parcela de 28,71% dos empréstimos da financeira esteja há pelo menos 90 dias atrasada. Se o volume de calotes é alto, a taxa de juros que cobra dos clientes também é elevada. Aqui, a financeira ocupa outro primeiro lugar, bem menos lisonjeiro: tem as maiores taxas de juros nas operações de crédito pessoal do mercado, cobrando 19,9% ao mês (782,75% ao ano), em média. Segundo o Banco Central (BC), a taxa média do sistema como um todo está em 6,54% ao mês.
A lógica da operação é parecida com a do rotativo do cartão de crédito: a linha emergencial é, em tese, acessada por clientes de maior risco, que não têm mais outras opções disponíveis. Como a chance de calote é alta, os bancos cobram taxas de juros estratosféricas. E como as taxas de juros são elevadas, a chance de o cliente não pagar aumenta. A rentabilidade da operação está em conseguir equilibrar essas duas variáveis, afirma executivo com experiência no setor e que e já estudou o caso Crefisa.
“A Crefisa não faz consignado, mas seus empréstimos são feitos com débito em conta corrente, o que diminui a chance de inadimplência”, afirma esse especialista, que comanda uma das maiores financeiras do país. O “pulo do gato”, na visão dele, é como fazer com que o cliente não fique trocando de banco sem avisar a financeira, o que inviabilizaria esse desconto direto em conta.
A Crefisa também não empresta para qualquer pessoa com nome sujo. Os comerciais da financeira deixam claro qual é o público-alvo: aposentados e pensionistas, funcionários públicos e quem recebe por cartão magnético. Ou seja, a operação de crédito da financeira pode fazer às vezes de um consignado complementar, mais caro.
Também mantém ampla rede de lojas de rua, estratégia que já foi predominante entre as grandes financeiras, como Losango, Ibi e Fininvest, mas desapareceu com o tempo. A rede de lojas conta com cerca de 800 lojas e vem se expandindo. Só em agosto, foram 14 novos pontos. A financeira emprega cerca de 5 mil funcionários.
Procurada, a Crefisa não concedeu entrevista. Os números da financeira foram apurados conforme dados informados ao BC.
Valor Econômico – SP