O economista holandês Antoine van Agtmael vê a recente turbulência na China como um processo de correção, ao que tudo indica saudável, e não como o começo de uma crise mais grave. Criador do conceito de mercados emergentes, em 1981, Agtmael avalia que a volatilidade nos mercados se deve ao temor de que o país asiático passe por uma crise financeira, algo que ocorreu com todas as grandes economias, mas ainda não com a China. Para ele, porém, o momento de maior gravidade não deverá ocorrer agora. “O risco real de uma crise financeira ocorre numa etapa posterior, quando se passa de uma ‘quase’ economia de mercado – o estágio atual – para uma economia de mercado”, afirma Agtmael, hoje consultor sênior da consultoria Garten Rothkopf.
“O governo pode tentar intervir, mas não tenta mais controlar o mercado acionário e o mercado de câmbio, deixando mais espaço para os participantes de mercado.” Num momento de incertezas no mercado de ações e no de câmbio, muitas pessoas ficam preocupadas quanto ao que se passa na China.
O economista afirma ainda que a desaceleração da China não é um pouso forçado. “O país saiu de um crescimento de 10% a 12% para uma expansão de 6% a 7%. É um ajuste significativo, mas não é o mesmo que um pouso forçado.” O nível anterior era insustentável, observa ele, lembrando os danos que seriam causados ao ambiente se a China continuasse a avançar a taxas superiores a dois dígitos.
Para o Brasil, as incertezas em relação ao país asiático são mais um problema, combinando-se à falta de confiança na liderança política e ao escândalo da Petrobras, afirma o economista. A economia brasileira se beneficiou por vários anos do elevadíssimo crescimento chinês, pelas exportações de commodities, e hoje sofre com a expansão mais fraca do país.
No meio da crise que acomete o Brasil, Agtmael aponta alguns pontos positivos. Para ele, o fato de o escândalo de corrupção da Petrobras ter vindo à tona é favorável, e terá consequências benéficas no longo prazo. Também ajuda o fato de, ao longo de anos de crises e de problemas, o país ter desenvolvido “instrumentos macroeonômicos sofisticados e fortes, contando com pessoas que sabem manejá-los”.
Em março de 2016, um novo livro de Agtmael chegará às livrarias, escrito em parceria com Fred Bakker, chamado “The smartest places on Earth”. Para Agtmael, nos próximos anos estarão em vantagem os países capazes de produzir de modo inteligente, com grande capacidade de inovação, e não quem fabrica mais barato. Nesse cenário, os Estados Unidos voltam a ser muito atraentes, por inovar muito e ter energia barata, ao passo que o ambiente fica menos favorável para a China. A seguir, os principais trechos da entrevista, feita na semana passada.
Valor: Nós tivemos alguns dias de pânico nos mercados acionários da China. O que é mais importante para explicar o tombo dos mercados, a correção da bolha ou o medo do baixo crescimento?
Antoine van Agtmael: Acho que há uma terceira explicação. O medo do crescimento mais baixo é algo com o que as pessoas se acostumaram, e é algo saudável para a China e para o mundo no longo prazo. Se a China continuasse a crescer a 10%, a 12%, imagine os danos ao ambiente. Acho que é muito mais o fato de que a China é a única grande economia que não passou por uma crise financeira. Brasil, EUA, Coreia do Sul, Taiwan, México e Rússia já passaram. Todos os maiores países enfrentaram uma crise financeira, mas a China não. Quando um país se move, como a China se moveu, de uma economia planejada para uma “quase” economia de mercado, ainda com muita direção de cima, há sempre o risco teórico de uma crise. O risco real de uma crise financeira ocorre numa etapa posterior, quando se passa de uma “quase” economia de mercado – o estágio atual – para uma economia de mercado. O governo pode tentar intervir, mas não tenta mais controlar o mercado acionário e o mercado de câmbio, deixando mais espaço para os participantes de mercado. Quando veem incertezas ao mesmo tempo no mercado de câmbio e no mercado acionário, as pessoas ficam preocupadas.
Valor: Haverá uma crise financeira agora?
Agtmael: Eu diria que as possibilidades são mínimas. Quanto à chance de uma crise financeira na China nos próximos dez anos, com impacto no resto do mundo, a probabilidade é alta. Parece um estágio pelo qual as grandes economias de mercado precisam passar. É com isso que as pessoas inteligentes, debaixo da superfície, estão preocupadas.
Valor: O medo de uma crise financeira pode se tornar uma profecia autorrealizável?
Agtmael: Sempre há um risco. [Mas] se você me perguntar se isso é uma correção ou os primeiros sinais de uma crise, a minha avaliação é de que ainda é uma correção, e em muitos modos uma correção saudável, e não uma crise, embora eu não tenha certeza. A alta do mercado acionário havia sido muito rápida. Em relação ao câmbio, há a questão do yuan se tornar uma das principais moedas de reserva. A economia chinesa é muito importante para que isso não ocorra. Quando uma moeda se torna uma moeda de reserva, é necessário haver alguma incerteza. Não pode ser uma rua de mão única. O yuan teve uma trajetória de valorização por muito tempo, basicamente porque estava subvalorizado. As pessoas achavam que o único caminho era para cima. As autoridades chinesas reconhecem que deve haver alguma incerteza no mercado de câmbio. Como também reconhecem que precisam exportar, então eles desvalorizaram um pouco, o que levou muitas pessoas a entrar em pânico.
“Acho que o Brasil está lentamente juntando pedaços que vão ajudar no longo prazo”
Valor: O sr. acha que é o começo de um pouso forçado?
Agtmael: Não. Acho que nós vemos um grande ajuste para um nível mais baixo de crescimento. O país saiu de um crescimento de 10% a 12% para uma expansão de 6% a 7%. É um ajuste significativo, mas não é o mesmo que um pouso forçado. Há alguns riscos teóricos, e eu sublinho o teórico, de uma crise. Um é que a China tomou muito dinheiro emprestado. A dívida é alta, e isso é um risco. O outro é que o investimento na China por muitos anos foi feito numa economia que crescia a 10%. Eles investiram em excesso. Agora eles precisam se ajustar, encontrando um equilíbrio entre o investimento e o consumo.
Valor: A China vai ser bem-sucedida nessa transição para um modelo de crescimento mais puxado pelo consumo?
Agtmael: Acho que no fim das contas eles serão bem-sucedidos. As autoridades chinesas mostram mais habilidade do que a maior parte das pessoas costuma dar crédito. E obviamente eles têm um grande volume de reservas, o que é útil. Mas, quando se faz uma mudança como essa, há incerteza, volatilidade, oposição política.
Valor: A China tem grandes desequilíbrios. Além dos dois que o sr. mencionou, há a bolha no mercado de ações. Qual é o mais preocupante para a economia chinesa?
Agtmael: A dívida é um problema maior do que o mercado de ações. O mercado acionário não é grande em termos de toda a economia e não afeta muito o consumidor. Se eu tivesse que hierarquizar em termos de potenciais riscos para uma crise financeira, eu diria que o maior é a dívida, o segundo é o setor imobiliário e o terceiro, o mercado acionário.
Valor: A China cortou os juros mais uma vez e adotou medidas para facilitar empréstimos. O sr. acha que esses instrumentos vão ajudar a suavizar a transição da economia chinesa?
Agtmael: O fato de eles terem mudado de estratégia, de sustentar o mercado acionário por meio de compras diretas, passando a usar ferramentas macroeconômicas mais clássicas, como a redução dos juros, é uma tendência muito positiva. Intervenções como compras diretas às vezes funcionam por um breve período, mas no longo prazo nunca funcionam.
Valor: Como a turbulência chinesa vai afetar a economia global?
Agtmael: Depende de quanto vai durar. Mercados de ações em muitos lugares ficaram sobrevalorizados. Há sempre um lugar em que [a turbulência] começa e, então, pode se espalhar. Mas eu não estou excessivamente preocupado com isso. A queda nos preços do petróleo desde o pico em maio foi de cerca de 40%, o mesmo da queda do mercado acionário chinês. As pessoas estão em pânico por causa das cotações do petróleo? Não. Elas entraram em pânico por causa do que ocorreu no mercado acionário chinês? Sim. As pessoas ainda estão um pouco preocupadas em relação a investir em mercados emergentes. Em relação ao mercado de petróleo, elas dizem “O mercado é assim”.
Valor: O sr. acha que o Federal Reserve (Fed) vai adiar o aumento de juros por causa da turbulência na China?
Agtmael: Isso é o que Lawrence Summers [ex-secretário do Tesouro americano] diz que eles deveriam fazer. A decisão de aumentar os juros é sempre difícil depois de um longo período como o atual [as taxas estão próximas de zero desde dezembro de 2008], o mais longo do qual eu consigo me lembrar. A inflação ainda está tão baixa que o Fed deverá preferir ser cauteloso. Se essa turbulência continuar por um mês ou mais, há uma chance muito boa de o Fed ser cauteloso – em outras palavras, de não fazer nada.
Valor: Quais as prováveis consequências da turbulência chinesa para o Brasil?
Agtmael: Parte dos motivos que explicam o maior crescimento e o fortalecimento do real [há alguns anos] é que o Brasil exporta muitas commodities, como minério de ferro, para a China. A economia chinesa foi um grande fator de sucesso para o Brasil e, agora, é um grande problema. Afeta o crescimento consideravelmente.
Valor: O Brasil tem apertado a política fiscal e a política monetária. O país está mais preparado para enfrentar a volatilidade nos mercados chineses e nos globais?
Agtmael: O Brasil está um pouco mais preparado, mas a combinação da falta de confiança na liderança política, o grande escândalo de corrupção na Petrobras e a incerteza sobre a China é claramente um problema. Mas o Brasil tem muita experiência na gestão macroeconômica, e acho que isso vai ajudar o país.
Valor: Qual é a sua visão sobre o Brasil?
Agtmael: A minha impressão é que os dias de ouro que o Brasil teve há alguns anos claramente ficaram para trás. No entanto, acho que o país está lentamente juntando pedaços que vão ajudar no longo prazo. Eu sempre vejo o lado bom de uma crise. Todo mundo sabia que havia coisas erradas na Petrobras. A extensão do problema foi uma surpresa, mas não que havia problemas de corrupção. O fato de que isso veio à tona é algo muito útil para o Brasil no longo prazo. Além disso, ao longo dos anos de crises e de problemas, o Brasil desenvolveu instrumentos macroeonômicos sofisticados e fortes, contando com pessoas que sabem manejá-los, o que também é um fator positivo. O fato de que a desigualdade, depois de subir muito, estava em queda, é positivo. E, como resultado da política de aperto, é possível dizer que eles tomaram medidas preventivas, o que também é positivo. Eu provavelmente sou menos pessimista do que vários outros analistas sobre o Brasil.
Valor Econômico – SP