03/07/2015 20:00
// Por: Hugo Cilo
Minha memória costuma falhar quando tento relembrar todos os ensinamentos que tive nas escolas públicas pelas quais passei, embora tenha ficado mais de vinte anos dentro da sala de aula. Mas nunca esqueço de uma aula em especial, em que o professor escreveu no quadro negro um velho provérbio chinês. Dizia mais ou menos o seguinte: o burro nunca aprende, o inteligente aprende com os próprios erros e o sábio aprende com os erros dos outros. Esse pensamento ressurgiu na última semana, ao observar a tragédia que se aproxima da economia grega e, guardadas as devidas proporções, os ajustes fiscais em curso por aqui.
O Brasil poderia ser amanhã a Grécia de hoje se o atual esforço para equilibrar as contas públicas não fosse uma prioridade do governo da presidente Dilma Rousseff. Não existe, afinal, nada mais bonito de se ver do que um Estado paizão, que garante a todos, sem distinção e com qualidade, saúde, educação e segurança. Mas as ideologias são sempre mais coloridas no discurso do que no mundo real. A Grécia de hoje, depois de desfrutar de mais de três décadas de um invejável bem-estar social, é o retrato do caos. Até mesmo os quase três milhões de funcionários públicos, que representam a metade da população economicamente ativa, tiveram seus salários reduzidos à metade.
Aposentados e pensionistas já não conseguem sequer pagar as contas de água e luz. Comida virou artigo de luxo para muitos. Pelos cálculos do Centro Nacional de Pesquisa Social (CNPS), a prostituição no país disparou 1.500% com o agravamento da crise econômica, potencializada por uma taxa de desemprego que atinge 60% dos jovens. Quase 30% das famílias gregas não conseguem arcar com as necessidades básicas, e cada vez mais pessoas acabam em filas de sopões organizados por igrejas e ONGs. O ambiente recessivo se agravou ainda mais após o não pagamento de uma parcela de 1,6 bilhão ao Fundo Monetário Internacional (FMI), vencida na terça-feira 30.
A decisão do governo de limitar em 60 os saques diários em caixas eletrônicos, temendo uma catastrófica corrida bancária, resultou no fechamento de supermercados, farmácias, postos de combustíveis e até hospitais privados. Existe um temor crescente de que o colapso da economia resulte em quebra-quebra e roubo generalizado de mercadorias. Ou seja, além de não ter dinheiro para comprar, os gregos não têm onde comprar. No domingo 5, os eleitores gregos programaram de ir às urnas para aprovar ou rejeitar a proposta de seus credores. Uma eventual recusa representará a provável saída da Grécia da Zona do Euro, empurrando o país a uma reforma caseira, com a volta do dracma (moeda utilizada pelo país desde o período helenístico), com aumento da inflação e afrouxamento das já frouxas metas fiscais.
O que tudo isso tem a ver com o Brasil? Serve de lição. A falsa sensação de que as finanças do governo não nos dizem respeito e que vale a filosofia gaste como quiser, desde que minha situação esteja boa, mais cedo ou mais tarde vai cobrar a conta no bolso de todos. Os gregos protelaram as reformas ao máximo, entorpecidos pela ilusão de que seus salários eram equivalentes aos dos alemães e aos dos franceses. Por aqui, os ajustes começaram tarde, mas começaram. Dói no bolso, mas acredite: poderia ser muito pior. Pergunte aos gregos.
Revista IstoÉ Dinheiro – SP