23/06/2015 às 05h00
Por Renata Batista | Do Rio
Aos 91 anos, o carioca Carlos Fernando de Carvalho tem planos para os próximos 50 anos. É o tempo que ele acredita que a Barra da Tijuca, bairro que saiu em grande medida de sua imaginação e de seu empreendedorismo, levará para se tornar maduro. Nem a idade nem a perspectiva de longo prazo o afastam dos negócios. Apesar do desaquecimento do mercado, visita todos os fins de semana sábados e domingos seus estandes de vendas e terrenos para novos empreendimentos. Leva junto os diretores da Carvalho Hosken, empresa que criou há 64 anos para tocar obras públicas, mas que acabou migrando para o mercado imobiliário. “Fizemos umas 3 mil obras públicas, participamos da construção de Brasília, mas houve a CPI dos empreiteiros [na década de 60]. Vi que estava complicado. Se não tivesse feito isso [mudado o foco], estaria preso”, conta, pouco crente em uma relação diferente entre empreiteiras e poder público. “Enquanto houver esse ranço político, a situação melhora por um tempo, mas depois volta tudo de novo”, diz o empresário, que é sócio da Odebrecht na Parceria PúblicoPrivada (PPP) Ilha Pura, que funcionará como vila olímpica em 2016. Ele não dá sinal de querer se afastar do dia a dia, mesmo com as dificuldades recentes do mercado imobiliário. Quem perde a ronda de fim de semana, os melhores dias no mercado imobiliário, perde também a pauta de toda a semana do patriarca. “Temos um colegiado, mas na prática quem decide é o presidente”, resume Carlos Felipe Carvalho, o mais novo dos quatro filhos, mas o primeiro na linha de sucessão. Ele diz que ficou feliz em ter sido voto vencido na discussão sobre uma possível abertura de capital. “Teria sido um erro. O mercado não está maduro”, completa. No tour de fim de semana, Carvalho percorre a região conhecida como Baixada de Jacarepaguá, mas que a infraestrutura montada para a Olimpíada aproxima cada vez mais da orla da Barra e do restante da cidade. Na área, que ainda tem mangues, areais e ruas de terra batida, ele investe para abrir grandes vias públicas, com jardins e calçadas, no que ele chama de Centro Metropolitano. Acredita que para ali irão convergir vários serviços, inclusive pela posição geográfica central na geografia da cidade. Carioca, criado no bairro de Jacarepaguá, filho de engenheiro da Rede Ferroviária Federal, aluno de escola pública& 894; engenheiro que abandonou o setor ferroviário ao perceber a opção estratégica do governo pelo transporte rodoviário, ainda na Era Vargas. As apostas de Carvalho são ambiciosas e não é de hoje. O Hosken do nome da empresa foi o primeiro a desistir de acompanhálo. Sócio da construtora na fundação, Jacques Hosken optou por se desligar ainda na década de 50. Preferiu se concentrar em projetos menores, na região Norte, enquanto Carvalho se desdobrava em obras por todo o país. No momento, suas empreitadas são bem ilustradas por um hotel de luxo. Foi construído em um local onde todos o aconselharam a fazer um quatro estrelas executivo, bem próximo do empreendimento que abrigará os atletas olímpicos, para valorizar a região que ele chama de Centro metropolitano. Uma aposta factível para uma empresa que tem patrimônio líquido estimado em R$ 15 bilhões, registrou receita bruta de R$ 392 milhões no ano passado, e cresceu, em média, 10% ao ano nos últimos cinco anos, período em que os investimentos na região por conta da Olimpíada se intensificaram. “Fomos premiados pela proximidade com a região olímpica. Isso nos fez querer tomar o desafio”, diz Felipe. Ele e Carlos Fernando são filhos do segundo casamento com a miss Brasil de 1965, Maria Raquel de Andrade Carvalho. O empresário tem ainda dois outros filhos, do primeiro casamento, que não trabalham na empresa. Na Carvalho Hosken não é negada a dificuldade para vender o empreendimento Ilha Pura, que tem imóveis de alto padrão, de perfil bem diverso das vilas olímpicas construídas em outros países. O discurso oficial na empresa, porém, é que não é mesmo o melhor momento para vender o empreendimento. “Vejo a crise penalizando o Brasil, mas para a Carvalho Hosken não está fazendo diferença porque a minha velocidade tem de ser dosada. Se tem crise, paro e arrumo”, diz o empresário, garantindo que faria o investimento do mesmo jeito, mesmo se tivesse que começar agora. “Está parado [a venda], mas faria da mesma maneira. Meu comprometimento é com o desenvolvimento da área e o melhor momento para vender será quando estiver tudo pronto”. Para Carlos Carvalho, o Rio sairá transformado da Olimpíada, definitivamente convertido em uma cidade de serviços e turismo. Admite que há problemas, porém, que irão persistir. Vistos no mapa, os 4 milhões de metros quadrados que ainda têm a desenvolver (dos 10 milhões que arrematou entre as décadas de 1950 e 1960) estão em um entroncamento dos três ramais de BRTs (Bus Rapid Transit) construídos para os Jogos Olímpicos. Em tese, respondem a um dos principais gargalos da região: o trânsito e a carência de transporte público. Ele prevê, porém, a rápida saturação do sistema e o agravamento do trânsito nas vias internas do bairro. “Para a empresa, [o projeto Olímpico] foi ótimo. Tanto que nos empenhamos muito. Mas quando terminarem os jogos, todo esse sistema estará esgotado. O maior problema é a mobilidade interna. Já é ruim e vai se agravar porque vai trazer mais gente, mais empresas”, acredita. Sobre o desafio de construir um hotel cinco estrelas, longe da praia, em região sem atrativos diante da potencialidade e beleza do Rio, Carvalho está otimista. Nos terrenos que ainda tem no entorno sonha com a instalação de uma galeria de arte, construção de passeios públicos e uma área de lazer que pode converter a unidade primeira administrada pela bandeira Hilton na cidade em um resort urbano. “Fiz o hotel para valorizar a área, mas não sou hoteleiro. Estamos procurando a resposta, fazendo o encontro final do hotel com a cidade, que não tem outro com esse perfil, nem o Copacabana Palace”, explica, enquanto percorre os quartos decorados com mais de 300 peças de arte de seu acervo pessoal. Para o empresário, seu negócio é a Barra da Tijuca, nenhum outro local mais do Rio. Da janela do hotel, de onde ainda é possível ver ruas de terra, ele rebate os críticos ao modelo de desenvolvimento da região, distante do centro, com grande condomínios e fortemente dependente de automóveis. “Eles vão acordar e ver que o sonho deles estava errado. De repente, a cidade se mudou para cá e não viram”, diz. E mesmo que o estoque de áreas da família para desenvolvimento acabe, a Barra ainda será o maior projeto da família. Eles mantém ativos nos vários empreendimentos que já desenvolveram, como os sub bairros Península, Rio 2 e Cidade Jardim, além do Ilha Pura, do hotel, e do shopping Metropolitano, onde detém uma participação de 20%, em sociedade com a Cyrella. “Para nós, Ilha Pura, Parque Olímpico são parte do negócio de desenvolvimento da região. Diversificação é o hotel e o shopping, que começamos agora”, explica Carlos Felipe, que se prepara para finalizar o trabalho que o pai começou.
Valor Econômico – SP