23/04/2015 às 05h00
Por Rafael Souto
“Empresas que começam a aumentar demissões agora são as que reclamarão de apagão de talentos daqui a alguns anos”. No segundo semestre do ano passado, fiz essa observação durante uma entrevista para o Valor e, em 27 de agosto, o jornal a veiculou como a Frase do Dia.
A cada dia que passa percebo que ela é mais real. As demissões estão aumentando em todos os níveis. Nas posições executivas, nossos estudos mostram um aumento de 20% nos desligamentos em 2015 no comparativo com o primeiro trimestre do ano passado.
As empresas estão pressionadas pelo fraco desempenho da economia e não conseguem manter seus funcionários. Esse movimento de expansão e retração econômica é cíclico e cada vez mais frequente. Porém, quero ressaltar que precisamos analisar as origens desse processo e seus impactos de forma mais ampla.
Em 2010, com a economia crescendo, as empresas contrataram muitos profissionais em todas as áreas. O índice de desemprego chegou aos menores patamares da história. O mundo observou e apostou no nosso potencial. A revista “The Economist” colocou o Brasil em evidência citando que o gigante havia acordado. Vivemos uma euforia empresarial. Ondas de abertura de capital e atração de pessoas do mundo todo querendo vir para cá. Nosso samba estava indo bem.
Nesse período, a expressão da moda era “apagão de talentos” porque as empresas buscavam pessoas e não encontravam. Precisavam acelerar seus projetos e não tinham profissionais qualificados. As reclamações quanto à mão de obra mesclavam críticas sobre a falta do idioma inglês, formação acadêmica e experiência.
O tema preferido dos encontros de profissionais de recursos humanos era mencionar o número de vagas abertas e não preenchidas pela ausência de candidatos. Lembro-me de reuniões em que os executivos bradavam que a coisa mais importante de sua gestão seria formar novos líderes para sustentar o crescimento e o futuro dos negócios.
Esse ciclo de ouro do mercado durou até 2012 e gerou alguns efeitos colaterais criados pelas próprias empresas e que se mostram insustentáveis hoje, como salários e bônus que cresceram muito mais do que a inflação, estruturas grandes demais e outros desperdícios frutos dos ganhos fáceis daquele período. O Brasil ficou caro antes de ficar rico.
Pressionados pela ausência de lucro nas matrizes na Europa e Estados Unidos, as subsidiárias brasileiras precisaram se comprometer com resultados que não conseguiram alcançar. Nosso otimismo sem entrega nos colocou em desconfiança geral. A partir de 2013, o cenário mudou. Tínhamos um ministro da Fazenda prometendo mais do que podia e muitos CEOs na mesma toada. Construímos um castelo de ilusões no estilo Eike Batista.
Somadas essa dose descalibrada de promessas e resultados com um governo que tomou muitas decisões equivocadas na condução da política econômica e na gestão pública, temos o cenário negro armado.
Em 2013 e 2014, os profissionais mais procurados foram os da área financeira. Diferentemente de 2010 e 2011 não foram executivos com foco em expansão e novos projetos, e sim profissionais para fazer cortes de estrutura.
O xerife do cofre munido do revólver e uma bala de prata para salvar a empresa. A onda do controller veio com força total.
Entendo esse movimento, mas não podemos deixar de mensurar os riscos de cortes na estrutura que irão afetar a gestão e a possibilidade de a empresa retomar seu rumo quando o furacão passar.
Tenho visto inúmeras organizações encerrando seus programas de trainees, que são instrumento de formação de pessoas. A alegação é que com a crise não faz sentido preparar novos líderes.
Os cenários apontam que viveremos mais dois ou três anos difíceis antes da retomada econômica. Fico me perguntando como as empresas irão suprir suas demandas de profissionais quando o mercado voltar a aquecer. As pessoas não ficam sendo preparadas em uma base lunar e depois voltam ao planeta quando a empresa deseja. São as companhias as maiores responsáveis por formar pessoas qualificadas no mercado. Se elas vivem com soluços de gestão, irão certamente sentir a falta de pessoas preparadas em um futuro breve.
Minha certeza é que a soberania do mercado irá novamente triunfar. Assim como aquelas empresas que tiveram serenidade para conduzir seus movimentos na crise de 2008 conseguiram uma recuperação mais rápida, teremos o mesmo nessa crise. Aqueles que desorganizarem seu negócio pelo efeito manada irão reclamar do apagão de talentos de 2017.
Rafael Souto, sócio-fundador e CEO da Produtive Carreira e
Conexões com o Mercado.
Valor Econômico – SP