20/03/2015 às 05h00
Por Kenji Kawase | Nikkei, de Hong Kong
O “novo normal” na China não significa apenas aceitar um crescimento mais lento. As mudanças estruturais na economia chinesa estão acelerando uma outra nova realidade: o êxodo de dinheiro. A riqueza acumulada na China ao longo de décadas está sendo redirecionada para o exterior e a tendência está ganhando força.
Essa mudança é ilustrada pelo fluxo de investimento imobiliário chinês em 2014. Segundo a Jones Lang LaSalle, empresa de serviços imobiliários nos EUA, os investimentos no mercado imobiliário comercial provenientes da China continental no ano passado somaram US$ 16,5 bilhões, ou seja, um aumento de 46% em relação a 2013. Embora esse número corresponda a apenas 2% do investimento total mundial em imóveis comerciais nesse ano, o crescimento capturou a atenção dos analistas.
Referindo-se ao investimento imobiliário
chinês no exterior, Alistair Meadows, que
chefia a divisão de capital internacional
da JLL para a região Ásia-Pacífico, disse
que “isso não é conjuntural, mas sim uma
mudança estrutural”.
Incorporadoras, companhias de seguros e
indivíduos ricos chineses estão exibindo
um forte apetite por imóveis e terrenos em grandes cidades americanas, europeias e em outros países. “Há um grande ímpeto em atividades [de investimento] no exterior e não acreditamos que cessarão”, disse Meadows.
Prova desse apetite foi a compra, em outubro passado, por US$ 1,95 bilhão, do icônico hotel Waldorf Astoria, em New York, pelo Anbang Insurance Group, com sede em Pequim. Além do ímpeto geral de se internacionalizar, Meadows disse que outro motivo da expansão no exterior é o “esfriamento da
economia chinesa e das atividades das companhias chinesas no mercado doméstico”.
Imóveis não são o único ativo que está sendo abocanhada. Segundo dados da
Dealogic, as aquisições de empresas estrangeiras por companhias chinesas
quase dobraram em 2014, para US$ 70,7 bilhões, em relação a 2009, quando o número caiu pressionado pelo colapso do Lehman Brothers.
O maior negócio fechado pelos chineses no ano passado foi a compra, por US$ 7 bilhões, da mina de cobre peruana Las Bambas, pertencente à Glencore Xstrata, pela consórcio formado por China Minmetals Group, Guoxin International Investment e Citic Group. Apesar de esse montante ter sido muito menor do que os mais de US$ 18 bilhões pagos pela gigante petrolífera estatal CNOOC na aquisição da Nexen, empresa canadense de petróleo e gás, em 2012, o simples número de aquisições de empresas em 2014 foi suficiente para estabelecer um novo recorde.
Will McLane, diretor de corporate banking do Citigroup para a região Ásia-Pacífico, disse: “A tendência [de expansão empresarial no exterior] é bastante evidente”. Ele disse que mais empresas chinesas querem ter presença mundial, e mudanças de política econômica no país estão, mais que nunca, facilitando isso. Como as empresas estão acumulando maiores níveis de riqueza, “maior diversificação está em curso”, acrescentou McLane.
Não são só empresas e milionários que estão levando dinheiro para fora. O
cidadão chinês comum também está viajando e gastando no exterior como nunca.
Cerca de 110 milhões de chineses viajaram ao exterior em 2014, ajudando a elevar em 48% o déficit da conta turismo do país, para US$ 113,6 bilhões.
Esse número supera de longe o total de investimentos em imóveis comerciais
e de aquisições de empresas no exterior.
A saída de todo esse dinheiro preocupa alguns analistas. A China ainda tem
superávit em conta corrente de US$ 213,8 bilhões em 2014 mas sua conta
de capitais e financeira entrou no vermelho, num valor de US$ 91,2 bilhões,
no quarto trimestre de 2014. Isso superou o déficit recorde anterior, registrado no terceiro trimestre de 2012. O déficit no ano inteiro de 2014
subiu para US$ 96 bilhões.
Não é só a dimensão numérica que chama a atenção, mas o impulso por trás
dela: já são três trimestres seguidos de saída líquida de capitais. Dong Tao,
economista-chefe do Credit Suisse em Hong Kong, diz que “consumo” é a palavra de ordem na China na próxima década. “Estamos apenas no início de um boom de consumo chinês.”
Kevin Lai, economista-chefe da Daiwa Capital Markets, em Hong Kong, diz que a tendência está pressionando a moeda chinesa. “Estou muito preocupado devido a como o mercado está posicionado em termos de yuans”, disse. Ele estima que cerca de US$ 1 trilhão foi trazido para a economia chinesa em operações de “carry trade”, em que investidores emprestam dólares, baratos e abundantes nos EUA, e assumem posições compradas em yuan. Mas, com as perspectivas de queda do crescimento chinês e de o Fed (o banco central dos EUA) estar preparandose para elevar os juros, a noção de que a valorização do yuan é uma aposta certeira está rapidamente desmoronando.
O cenário base contemplado por Lai é de que a China conseguirá, de alguma forma, “ir levando”, ajudada por medidas como as continuadas injeções de liquidez pelo BC chinês para facilitar um processo de desalavancagem ordenada. Mas ele também vê um risco mais assustador: a eclosão de uma crise de crédito ou monetária ou ambas. Se isso ocorrer, a China poderia entrar em recessão e o rio de dinheiro que está fluindo para fora do país começaria a secar.
Valor Econômico – SP