17/03/2015 05:00
Por Talita Moreira
A disparada recente do dólar aguçou o interesse de investidores estrangeiros por aquisições no Brasil, apesar de uma coleção de notícias ruins na economia e do ambiente político conturbado. Bancos de investimentos já notam maior movimentação de fundos de private equity e de multinacionais interessados em comprar empresas brasileiras. Desde o fim do ano passado, a moeda americana passou da casa dos R$ 2,60 para R$ 3,24. Se olhado de maneira isolada, o efeito câmbio tornou os ativos quase 25% mais baratos. Simples assim. “O ponto de entrada ficou mais atrativo para todo mundo”, afirma Patricia Moraes, corresponsável pelo banco de investimentos do J.P. Morgan no Brasil. Segundo ela, cresceu o número de investidores procurando a instituição para ajudálos a detectar oportunidades. A retração da economia e o desempenho fraco da bolsa também contribuem para uma revisão dos preços dos ativos. Múltiplos de setores considerados caros, como saúde e consumo, começam a chegar a níveis mais razoáveis, embora ainda não haja pechinchas.
Ao mesmo tempo, há bons ativos colocados à venda no setor de infraestrutura como efeito colateral da Operação Lava-Jato. Banqueiros destacam o programa de desinvestimentos de US$ 13,7 bilhões da Petrobras, aeroportos, rodovias e empresas de saneamento entre os alvos dos estrangeiros. Em outra frente, uma mudança recente na legislação agora permite a compra de hospitais por investidores estrangeiros. Isso não significa que haja uma corrida do ouro. Longe disso. Prevalece o clima de “devagar com o andor”. Para além da matemática fria, há muita incerteza e volatilidade no mercado, o que dificulta a tomada de decisões. “O momento é bom para entrar, mas não é uma decisão fácil”, diz Alessandro Farkuh, diretor responsável por fusões e aquisições no Bradesco BBI. A expectativa é que os fundos de private equity, que investem em participações de empresas, puxem a fila. Vários deles captaram recursos no ano passado. “São investidores mais ágeis e estão com caixa. Vão liderar essa consolidação inicial”, diz um banqueiro que prefere não ser identificado. Com o mercado acionário fechado para captações, também se espera que empresas brasileiras se financiem por meio dos fundos de private equity para, então, comprar concorrentes locais.
“A mudança de patamar do dólar não é o único fator e, sozinha, não muda a percepção sobre os preços de ativos”, diz Alessandro Zema, diretor de banco de investimentos do Morgan Stanley. “Mas companhias que conseguem enxergar além da fumaça começam a achar [o preço] mais interessante.” Algumas transações recentes ilustram essa percepção. Na semana passada, a japonesa Fuji Oil comprou 83% da Harald, fornecedora de chocolate para a indústria alimentícia, por R$ 640 milhões. A companhia foi avaliada em 20 vezes o Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações). O múltiplo é alto, mas compatível com o “potencial de crescimento futuro” apontado pela compradora no anúncio da operação, ressalta uma fonte familiarizada com o negócio. Em fevereiro, fundos geridos pela Tarpon (alguns com investidores estrangeiros) adquiriram por R$ 1,3 bilhão as ações que faltavam para ter o controle da Abril Educação. A companhia foi avaliada por um múltiplo de dez vezes o Ebitda ainda alto, mas já menor que as avaliações de quase 20 vezes vistas no setor em anos anteriores. “Todo mundo sabe que 2015 vai ser um ano difícil. Ninguém pagaria múltiplos como esses sem achar que a volatilidade vai passar”, afirma um banqueiro que prefere não ser identificado. Desde janeiro, foram anunciadas 125 transações no mercado brasileiro, que somam US$ 8,5 bilhões, segundo a empresa britânica Dealogic. Quase metade tem compradores estrangeiros.
A avaliação entre os assessores financeiros é que o volume de fusões e aquisições neste ano será parecido com o de 2014, quando as operações anunciadas totalizaram US$ 56,2 bilhões. Também devem ganhar destaque em 2015 os fechamentos de capital. Com preços baixos na bolsa, a fabricante britânica de tabaco BAT anunciou uma oferta para recomprar ações da controlada Souza Cruz, que pode alcançar R$ 10 bilhões. A expectativa é que outras empresas trilhem esse caminho. Embora os preços baixos favoreçam os compradores, os bancos também notam uma movimentação de grandes companhias brasileiras para vender ativos. Com a economia fraca e o mercado de capitais muito restrito, as empresas têm cogitado se desfazer de negócios menos relevantes para levantar capital ou ganhar eficiência. “Tem muita empresa local olhando para dentro interessada em vender o que não é foco”, afirma Zema, do Morgan Stanley. Eduardo Miras, corresponsável pelo banco de investimento do Morgan, acrescenta que, em momentos como o atual, competidores tendem a buscar sinergias por meio da consolidação.
Companhias de celulose e papel, mineradoras e operadoras de telefonia são apontadas como candidatas a vender ativos ou se consolidar. Em telecomunicações, chegouse a discutir, no ano passado, a compra da TIM pela Oi, pela Vivo e pela Claro. Porém, as conversas esfriaram e não se espera uma retomada imediata, segundo fontes a par do assunto. Segundo Daniel Wainstein, presidente da butique financeira Greenhill, varejistas regionais, grupos de educação e empresas do setor imobiliário interessadas em vender terrenos ou obras específicas também devem gerar negócios. No entanto, exceto casos pontuais, não há vendedores desesperados, diz Antonio Pereira, chefe do banco de investimentos do Goldman Sachs. “Tem companhias desinvestindo, mas não há um cenário de família vende tudo.
Valor Econômico – SP