15/03/2015
JOANA CUNHA
DE SÃO PAULO
Não é só o turista com embarque marcado para Miami que está aborrecido com o choque da escalada do dólar em suas compras. Sacoleiros que na última década faturaram com a demanda da classe média emergente começam a desistir do serviço ou migrar para a venda de itens menos abalados pelo câmbio.
Novata no ramo, A.C., que pediu que não fosse identificada, começou a buscar enxoval de criança no ano passado. Mas já desistiu.
Fez sua última viagem aos EUA em janeiro, quando o dólar rondava R$ 2,66 e ela ainda conseguia trazer quilos e quilos de vestidinhos e pequenos macacões para revender colhendo lucro superior ao dobro do custo, sem pagar tributo de importação.
“Agora ficou impossível. Só estou vendendo mercadoria que tinha de viagens anteriores. Até que o câmbio melhore, não tenho previsão de voltar para repor meu estoque”, diz, lamentando o patamar de R$ 3,48 –preço do dólar turismo na sexta (13).
DO LUXO AO POPULAR
Para L.F., que fazia da importação informal de itens de luxo sua principal fonte de renda, a solução foi migrar para outro perfil de cliente.
“Comecei há 15 anos, como todo o mundo: trazendo hidratante Victoria’s Secret. Mas percebi que produto de luxo tinha mais lucro. Agora voltei para moda popular, como H&M e Forever 21, que fazem promoções. Mas tem que vender bem mais para ter retorno”, diz a sacoleira, que passou a garimpar coleções antigas em outlets e redes como Ross e Marshalls, famosas pelas barganhas nos EUA.
Para entender os cálculos, a Folha acompanhou L.F. em uma visita a um shopping de luxo paulistano, onde ela costuma comparar os preços dos produtos e até oferecer suas importações aos próprios atendentes de marcas internacionais instaladas no país.
As vendedoras têm discurso uníssono: “Com o dólar alto, está valendo a pena comprar aqui”.
E elas têm razão. Lá, além do câmbio nas alturas, o viajante ainda soma as taxas, que variam em cada Estado, e está sujeito a uma cotação mais salgada se pagar no cartão. No Brasil, por outro lado, é permitido parcelar.
O mesmo casaco que a britânica Burberry vende na loja de São Paulo a R$ 5.095,00, por exemplo, sai por quase R$ 7.000 nos EUA no dólar atual.
“Isso ocorre porque hoje eles têm no Brasil estoque de produtos que trouxeram no ano passado com o dólar bem mais baixo”, diz Douglas Carvalho, sócio da Target Advisors, especializado em negócios no setor de moda.
A Kate Spade, também citada por L.F. como “objeto de desejo” da brasileira, já teve alta de 30% nas vendas das lojas físicas no país neste ano.
“E houve redução de clientes brasileiros em nossas lojas em Nova York e na Flórida”, diz Julian Rizo, presidente da grife na América Latina.
“O produto não é mais barato no Brasil. Tem Imposto de Importação, PIS, Cofins, ICMS e IPI. Na caso da Kate Spade, decidimos não transferir completamente a alta do dólar aos nossos preços no Brasil para não impactar nossos clientes e assumimos parte do custo adicional.”
LIMITE PARA O REPASSE
Para Martin Gutierrez, diretor da área de varejo da JHSF, que abrange nomes como Pucci e Ralph Lauren, o momento é de incerteza porque não se sabe aonde o dólar vai chegar. Mas, ainda que haja reajustes, os preços locais não vão superar em 30% os valores cobrados fora para não afastar o consumidor.
Trata-se do desafio do mercado brasileiro, segundo Filipe Tendeiro, diretor da francesa Longchamp. “Isso também ocorre no mercado russo e em outros emergentes.”
Outra categoria que tem sido achada a preços competitivos no Brasil é a de bebidas, devido às promoções lançadas para combater a desaceleração econômica. O Walmart, por exemplo, tem ofertado uísques Johnnie Walker a valores abaixo do free shop.
Turista calcula qual compra ainda vale a pena
Após ver seus planos de consumo arrasados pela oscilação do dólar, o turista Flávio de Faria Prieto, que embarca para Nova York no fim desta semana, resolveu colocar tudo numa planilha.
“Elaborei uma tabela com os bens desejados. Fiz um comparativo dos preços no Brasil e quanto ficaria caso adquirido nos EUA. Pela minha pesquisa, os produtos da Apple ainda têm preços muito atrativos por lá”, diz.
“Mas, em geral, este é o momento de priorizar a bagagem cultural à material.”
Carlos Frederico de Jesus, que acaba de retornar de férias na cidade, diz que comprou apenas o necessário, privilegiando as liquidações.
“Aproveitei ofertas de perfumes, que ainda têm preços muito melhores do que aqui. E roupa eu só trouxe o que encontrei com desconto progressivo na segunda compra, um tipo de promoção que os americanos fazem muito.”
Fabio Vasconcelos, presidente-executivo da Calvin Klein Brasil, que tem 92% da produção nacionalizada, estima que, “com a incerteza da moeda, o consumo local ganhará força”.
O brasileiro já notou que a vantagem de comprar no exterior diminuiu, afirma Flavia Perez, gerente da Kipling, marca de bolsas e mochilas desejada pelos jovens.
Mas ainda há dúvidas, mesmo entre varejistas, sobre os produtos que valem a pena serem comprados lá ou aqui em tempos de oscilação.
A brasileira Ri Happy, rede de brinquedos que tem uma divisão para artigos como carrinhos de bebês, informa que alguns itens ainda estão mais baratos nos EUA, devido à tributação brasileira, mas ressalta a vantagem do parcelamento e os custos da viagem.
Marina Carvalho, diretora-presidente da Ápice (Associação pela Indústria e Comércio Esportivo), afirma que, para os calçados esportivos, a alta do dólar só encarece o produto vendido no Brasil, pois cada par é submetido a uma sobretaxa de antidumping superior a US$ 10.
“O dólar alto prejudica o setor em geral. Mesmo o que é produzido aqui sofre porque os componentes geralmente são importados.”
Folha de S. Paulo – SP