11/03/2015 às 05h00
Por Angela Klink
A empresária do ramo de confecção Carla Volpin foi de Cascavel (PR) a São Paulo no mês passado para tirar o visto para os Estados Unidos. Sua lua de mel em Miami, planejada para abril, está embalada por desejos de compra. Mas eis que num “pit stop” no Morumbi Shopping descobriu que um dos itens da lista - uma bolsa Michael Kors cujo preço, claro, já havia sido pesquisado - estava mais barato aqui e ainda poderia ser parcelado. A moça não pestanejou e a missão internacional de consumo foi esvaziada. Opa! Será que a escalada do dólar estaria beneficiando as operações locais de luxo?
Surpreendidas, outras grifes internacionais de relojoaria e moda, como IWC, JaegerLeCoultre, Pucci e Jimmy Choo, registraram crescimento acima da média em janeiro e fevereiro, comparado aos anos anteriores e, especialmente, frente às vendas de Natal. “Foi totalmente inesperado. Muitos clientes viajaram para o exterior, em férias no fim do ano. Lá, fizeram as comparações. E na volta decidiram comprar no Brasil. Perceberam que nossos relógios, ainda cotados em um dólar menor, ficaram muito mais atraentes”, conta Isabela Ferreira, diretora da butique IWC, no Brasil. O modelo Portuguese Crono IW371445, por exemplo, custava R$ 28,4 mil em Miami na última sexta-feira, já com IOF incluído. Na loja do shopping JK Iguatemi, saía por R$ 27,5 mil em dez parcelas, ou R$ 23,5 mil à vista. E, até o momento, o reajuste previsto pela matriz será só em maio.
Isabela viu o mesmo se repetir com outras marcas. Um grupo de amigas suas de Ribeirão Preto, por exemplo, correu para São Paulo para aproveitar o súbito “descompasso de preço” das bolsas da francesa Goyard. Na maioria dos casos, os estoques estavam cotados em dólares abaixo de R$ 3. Mas, mesmo quem reajustou, não repassou a variação integral. Martin Gutierrez, diretor da divisão de varejo do grupo JHSF, que administra marcas de luxo, registrou o melhor janeiro da grife italiana Pucci. A loja foi inaugurada no Shopping Cidade Jardim em 2010. No ano passado, a marca cresceu 25%. Na média, a divisão, que inclui ainda as grifes Hermès, Jimmy Choo e Valentino, chegou a 18% de crescimento em 2014.
“Esses clientes são muito bem informados, monitoram lançamentos e preços o tempo todo. A reação, portanto, é muito imediata. Muitos deles aproveitaram a vantagem neste momento de comprar aqui, ainda mais parcelando”, diz Gutierrez. Mas ainda que o ano tenha começado bem, pondera, a questão é que a “imprevisibilidade” para os próximos meses afeta o “humor” do público. Sua expectativa de crescimento para este ano, por exemplo, já contando com a nova integrante da divisão do grupo, a Ralph Lauren, está entre 6% e 8%.
“As compras por ostentação vão diminuir. Eu mesma encontrei na fila da Gol um cliente que tem três jatos executivos. Ele não estava ali por precisar economizar, mas porque não pegaria bem usar o jatinho num momento como este, em que todo mundo está reclamando da economia”, conta Isabela. “O primeiro impacto da alta do dólar foi positivo, mas daqui para frente teremos de trabalhar mais com o cliente que já conhece a marca do que novos consumidores.” Ela vai apostar, portanto, em peças mais sofisticadas e mais eventos de relacionamento para vender mais para os mesmos.
Gutierrez, por sua vez, vai atacar nas pontas. Acredita que o foco se dividirá entre os consumidores de entrada que vão deixar de viajar - e os compradores AAA, em geral, mais resguardados das oscilações. “Na prática, isso significa, por exemplo, apostar mais em acessórios atemporais para o consumidor que está chegando às marcas, e produtos mais caros, como vestidos de festas, para o cliente que reconhece valor agregado. E não trabalhar tanto com os itens intermediários, como um vestido de ‘jersey’.”
O francês Dimitri Moussard investiu em marcas “bacanudas”, mas alternativas, quando montou seu guarda-chuva de etiquetas de moda e acessórios, a Acaju do Brasil. Seu público não busca logos, mas design e
inovação. “Com a alta do dólar, contudo, tenho de baixar minhas margens e
negociar com as multimarcas para fazer o mesmo. De uma forma geral, ninguém aguenta mais preços absurdos. Então, não dá mais para aumentar e
pronto.” Na sua avaliação, muitos consumidores vão adiar viagens e sacolas.
E quem decidir comprar luxo no Brasil será como se estivesse “em busca de um refúgio porque encara essas grifes tradicionais como investimento com potencial de revenda.” Neste ano, ele vai focar em acessórios como os óculos Le Specs, que compete na mesma faixa de preço de propostas nacionais, mas “cria desejo por aqui por ser usado por várias celebridades”.
Depois de três anos com operação própria no país, a grife suíça de relógios Jaeger-LeCoultre, que assim como a IWC faz parte do grupo de luxo Richemont, pretende manter a mesma estratégia diante das atuais oscilações do câmbio. “Nosso plano no Brasil é de longo prazo. O esforço continua sendo ter um preço próximo dos Estados Unidos para o consumidor brasileiro”, diz Loic Florentin, diretor da marca para América Latina e Caribe. Depois de um aumento de vendas entre janeiro e fevereiro, diz ele, não há intenção de privilegiar um ou outro público ou mudar o mix de produtos para atingir o “crescimento de dois dígitos”.
“Seria mais fácil vender só para os clientes que mais compram. Estamos num trabalho de reconhecimento de marca. Não posso deixar de atender um consumidor porque decidi não ter o produto em estoque. Teremos o portfólio completo.” Além disso, Florentin acredita que o brasileiro não irá parar de fazer o que mais gosta. “Faz parte do ‘lifestyle’ de vocês viajar e fazer compras.” Por isso, fará mais ações de relacionamento neste ano para tornar a experiência na loja paulistana ainda mais “memorável”. Uma próxima butique, contudo, só daqui a 24 meses.
angelaklinke@uol.com.br
Valor Econômico – SP