26/02/2015 às 05h00
Por Tom Fairless e Stephen Fidler | The Wall Street Journal, de Bruxelas
Pressionados pela ascensão das firmas americanas de internet, os formuladores de políticas da Europa estão propondo um plano para ampliar o seu próprio papel: elaborar um novo conjunto de regras para a web.
A União Europeia, que está agora dando os toques finais em seu rígido modelo de privacidade de dados, pretende estabelecer um padrão de fato que as empresas teriam que incorporar para vender produtos no enorme mercado europeu.
A expectativa é que, à medida que regras como o direito de remover links com informações pessoais se popularizem, as empresas europeias ficariam em vantagem na próxima era do comércio na internet.
Há, porém, muitos obstáculos. As empresas de tecnologia dos Estados Unidos estão se opondo a alguns aspectos da proposta por recear que outras regiões não sigam o rigoroso padrão europeu, o que causaria uma divisão na internet. A China, que tem mais usuários de internet que qualquer outro país, foi deixada de fora do lobby da UE para suas regras de privacidade de dados.
Ainda assim, diz Jan Philipp Albrecht, negociador-chefe do Parlamento Europeu para a nova legislação de proteção de dados do bloco, “se você puder obter […] um padrão [global] que de certo modo chegue perto […] do seu próprio, então isso é uma vantagem”.
Ele e outros apontam para o sucesso da UE em exportar seu padrão técnico do Sistema Global para Comunicações Móveis (GSM, na sigla em inglês) na década de 90. Essa tecnologia agora é amplamente usada pelos fabricantes de celulares na Europa, EUA e China. Embora não exista uma organização internacional que possa se submeter a um padrão global, as autoridades europeias esperam que as pessoas escolham plataformas que garantam mais proteção à privacidade.
“Temos uma chance de ser influentes em todo o mundo”, diz Giovanni Buttarelli, que atua como o principal supervisor da proteção de dados na UE. Segundo ele, cada vez mais países, incluindo o Japão, estão “olhando para nós e devem seguir a abordagem europeia”. Os lobistas europeus dizem que as empresas americanas estão criando novos produtos e serviços com as novas regras em mente, para evitar incertezas regulatórias.
As autoridades europeias colocaram o pé na estrada para promover o modelo. Em março, Buttarelli visitará Washington, Nova York e Boston para divulgar a padrão e depois seguirá para o Vale do Silício para explicar as regras propostas às companhias americanas, que segundo ele demostraram grande interesse pelos planos.
Um porta-voz do chefe da Representação Comercial dos EUA, Mike Froman, diz que as discussões com a UE sobre comércio digital “têm sido produtivas. Estamos confiantes que seremos capazes de encontrar formas de aprofundar o respeito pelas proteções à privacidade em ambos os lados do Atlântico…”.
Embora detalhes estejam sendo debatidos em negociações individuais entre os governos e o Parlamento Europeu, as regras podem incluir exigências “enormemente aprimoradas” sobre processamento de dados pessoais, que podem “requerer a reengenharia de muitos processos de coleta de dados, apps [e] sites de consumidores”, diz Emily Jones, advogada especializada em privacidade de dados do escritório britânico Osborne Clarke.
As mudanças exigiriam que as pessoas dessem um consentimento explícito antes que empresas pudessem usar seus dados pessoais, pressionando as firmas de internet a desenvolver formas de proteção de dados desde o início. Os europeus também querem manter a controversa regra sobre “o direito de ser esquecido”, que permite às pessoas
exigirem que links de páginas na internet sejam removidos.
O esforço é parte de um plano mais amplo da UE de criar um único mercado digital que una todos os fragmentados sistemas de proteção de dados online da região, com apenas um único padrão para a privacidade na internet, copyright e direitos dos consumidores. Os detalhes desse plano devem ser anunciados em maio pela Comissão Europeia, o braço executivo da UE, que assumiu em 1º de novembro.
Na terça-feira, Günther Oettinger, o poderoso representante alemão da Comissão Europeia, argumentou que a Europa precisa de salvaguardas mais fortes para conter o Google Inc., o Facebook Inc., a Apple Inc. e outras empresas americanas que oferecem serviços de internet e aplicativos.
“Os americanos estão na frente, eles têm os dados, os modelos de negócios e o poder”, disse ele em um discurso duro em Bruxelas. “Se você usar um iPhone, eles sabem tudo sobre a sua situação de crédito, seus hábitos de consumo”, disse. “Veja o seguro de carro. Eles sabem a última vez que você se envolveu em um acidente.”
A Apple não quis comentar as declarações.
James Waterworth, vicepresidente da Associação da Indústria de Computação e Comunicações, um grupo lobista de empresas americanas de internet como Google e Facebook, diz que ficou “confuso” com as afirmações. Oettinger, diz, é “um pessimista que parece acreditar que um mercado digital único deveria ser usado como arma contra ‘estrangeiros'”.
As empresas americanas de tecnologia, em geral, apoiam a criação de um padrão único para os 28 membros da UE, mas têm feito um forte lobby contra as novas regras. No início deste mês, um grupo consultor reunido pelo Google apoiou a decisão da empresa de aplicar a regra do “direito de ser esquecido” apenas na UE e resistir a pedidos dos reguladores europeus para que ela seja adotada globalmente.
As autoridades esperam replicar o sucesso inicial da Europa no estabelecimento do padrão global para comunicações móveis, o GSM, que ajudou a criar oportunidades para gigantes do setor de telecomunicações do bloco, como a Vodafone Group PLC e a
Nokia Oyj.
“O que aconteceu com as empresas de telecomunicações na década de 90 foi que fomos capazes de ter um padrão comum, o GSM, então, quando os americanos ainda usavam pagers para enviar mensagens, nós já estávamos usando as comunicações móveis da Europa”, disse em janeiro o primeiro-ministro da Finlândia, Alexander Stubb, em entrevista ao The Wall Street Journal. “Os EUA têm padrões e legislações comuns, ao passo que nós temos 28 tipos de de legislação, o que vem nos deixando um pouco atrapalhados “, disse Stubb.
Valor Econômico – SP