24-02-2015 14h16
Rio Bravo Investimentos entrevistou Marcio Utsch, CEO da Alpargatas, para tratar das perspectivas da empresa e como esta grande empresa chegou aonde chegou
SÃO PAULO – A Alpargatas (ALPA4) é uma das maiores varejistas de produtos de vestimenta do Brasil – com algumas das marcas mais fortes do mercado, como a Havaianas, Topper.
Pensando nisto, a Rio Bravo Investimentos entrevistou Marcio Utsch, CEO da Alpargatas, para tratar das perspectivas da empresa e como esta grande empresa chegou aonde chegou.
Confira:
Como está organizada a Alpargatas hoje? Quais os segmentos de atuação da empresa?
Hoje, fizemos uma organização que privilegia o crescimento, especialmente, para tornar a Alpargatas, cada vez mais, uma empresa global. Organizamos a empresa no setor de sandálias, primeiro na unidade no negócio de sandálias, onde temos as marcas Havaianas e Dupé. Outra unidade de negócio com as marcas de artigos esportivos, aí são duas nossas nacionais, a Rainha e a Topper, e duas master license, que são as Mizuno e a Timberland. Essas duas licenças, Mizuno e Timberland, permitem a fabricação no Brasil. Importam-se algumas coisas e fabricam-se outras aqui, o marketing e distribuição são todos feitos por aqui. E uma terceira unidade, que agora começa a ganhar força, com o controle da Osklen definitivo a partir do mês de outubro do ano passado. Havia essa negociação sendo feita, mas de fato assinamos e batemos o martelo em outubro do ano passado. Portanto, então, resumindo, são três unidades de negócios. Uma de sandálias, com Havaianas e Dupé, outra de artigos esportivos, com Rainha, Topper, Mizuno e Timberland, e a outra de varejo de moda, com Osklen.
A Alpargatas possui um produto, as sandálias Havaianas, que consegue unir, ao mesmo tempo, sofisticação e atender a demanda do grande público, pensando isso no Brasil e no exterior. Qual tem sido a estratégia para manter esse equilíbrio, que parece ser bastante complicado de alcançar?
Nós fizemos, há algum tempo atrás, por volta de 2004, 2005, uma pesquisa para compreender globalmente qual era exatamente o DNA dessa marca, por que vem dando certo, como nós iríamos utilizar as forças dessa marca para continuar dando certo e tornar a marca Havaianas ainda mais longeva. A Havaianas foi criada em 1962, como você falou, ela vem vendendo produtos de menor valor agregado e com foco muito grande em produtividade e menos foco na marca. A partir de 94,95,96, por aí, começou a mudar a direção da marca para que ela não deixasse de ser aquilo que sempre foi, ou seja, uma marca de alta qualidade e um produto acessível, barato e bem distribuído, mas agregando a esses novos atributos, que são moda, qualidade, um produto de repetibilidade que você compra e quer comprar mais, por que são produtos que você usa para passear, para ir na praia, para se divertir, para viajar, confortável, limpo, lavou, está novo e usa de novo. Então, o que nós fizemos foi conseguir de fato manter essa equação. Daí talvez seja o grande inusitado que essa pesquisa detectou para a gente. Detectou que para tornar a marca Havaianas cada vez mais forte e crescente havia de ser respeitado um princípio muito básico, a combinação improvável. Qual é essa combinação improvável? É improvável que todas as classes sociais gostem do mesmo produto. No mundo inteiro, é difícil você encontrar uma marca que passe em todas as classes sociais, segmentando das diversas formas. Pode ser por educação, por faixa de renda, geográfica… Não importa como você vai fatiar a sociedade, qualquer forma que você fatiar, a Havaianas estará presente. Essa combinação é improvável. Há combinação do trabalho com lazer, pois você usa para trabalhar e passear. Combinação do simples com o sofisticado, pois tem produtos com preço mais alto super sofisticado, preços mais simples. É a combinação da feira com a festa, pois você vai à feira comprar a verdura, mas você vai à festa também. É a combinação da qualidade alta com o preço muito baixo, ou seja, uma super equação de custo benefício muito favorável ao consumidor. É a combinação do luxo com o uso no dia a dia. Ou seja, essas diversas combinações improváveis é que levam de fato a marca para frente. Por isso é muito pouco provável que você encontre um produto óbvio em Havaianas. A nossa ideia é que todos os produtos sejam lançados e todas as imagens da marca sejam feitas assim. Para quem estiver nos ouvindo e mora em São Paulo e for na Rua Oscar Freire, talvez tenha um exemplo bem claro do que estou falando. Na Rua Oscar Freire, nós temos nossa loja principal de Havaianas, que está em um plano subterrâneo. Caminhando na rua, todas as lojas da Rua Oscar Freire todas as lojas estão no nível dos seus olhos ou acima, no segundo andar. A loja da Havaianas você passa e não encontra nada, porque ela está em um buraco. Onde fica a logomarca ou o logotipo das lojas? Fica sempre acima, mas o nosso está no chão. Ou seja, é uma combinação improvável. Você passa e não enxerga nada, tem que descer uma escada, um logotipo que fica em cima você encontrar no chão… E dentro dessa loja, mais improvável ainda, você encontra a verdadeira Babel, com pessoas falando diversas línguas, por que é sucesso no mundo inteiro. É difícil explicar a sua pergunta tendo tão pouco tempo, mas, se um dia quiserem saber, tendo um dia inteiro consigo explicar melhor.
Falando em diversificação e nesse equilíbrio, como é que funciona a criação dos modelos das Sandálias Havaianas?
Isso é uma usina de criatividade, porque nós, há uns três anos atrás, iniciamos um ciclo que a cada nova coleção, que é anual, temos em torno de 100 modelos. Então você inovar 100 modelos em cima de uma forma e função que já são consagradas não é brincadeira. Você tem a forma não consagrada ou a função você pode variar fazendo uma forma diferente ou função, mas nós temos a forma e a função consagradas. A Havaianas tem a forma e a função que tem desde que foi criada em 1962, portanto tem um usina de criatividade. Isso é feito por um grupo que nós temos, que chamamos de Pesquisa, Desenvolvimento e Design, que é responsável por isso. É uma equipe grande e as pessoas pensando e trazendo ideias, a gente aprovando. É todo um funil de inovação, que vem desde a necessidade de lançar os produtos por categoria, por família, por cores, por tamanho de acordo com os mercados que nós atuamos, com as ideias. Mais ou menos, para cada dez ideias a gente aprova um produto. Portanto, se a gente tem 100 produtos na coleção, partimos de mil ideias e lançamos 100.
Fala-se bastante nas Sandálias Havaianas, mas existe outra marca de calçados no grupo, que é a Dupé, que também tem força em outras regiões do país e também no exterior. Qual é a história da Dupé?
A Dupé foi uma aquisição que nós fizemos em 2008. A empresa se chamava CBS, Companhia Brasileira de Sandálias, que nós incorporamos. Hoje já não existe mais a CBS. Ela foi incorporada 100%, botamos embaixo da Alpargatas. É uma marca de entrada. Ela tem uma qualidade tão boa quanto a Havaianas. É borracha também a matéria prima que torna o produto gostoso, confortável, fácil de usar, lavar, secar, de viajar, é barato, é fácil, limpo… Enfim, tem tudo de bom. A Dupé tem essas mesmas características físicas do produto, no entanto o posicionamento de preço é em torno de 20% abaixo de Havaianas, porque é um produto de entrada. O foco, o mercado onde a Dupé mais está presente é no Nordeste e no Norte do Brasil e para 25 países que exportamos a marca Dupé. Há países da América do Sul, como Bolívia, Argentina, Colômbia, países muito forte que compram a Dupé, e também vendemos Dupé em locais até inusitados para a marca, muito bem vendida na Itália, na região da Sicília, na França, no Havaí. Convivem bem Dupé e Havaianas, com pontos de venda diferentes, estratégias diferentes, mas ambas convivem muito bem. A linha Dupé vem crescendo bastante.
Conta para gente sobre as outras marcas que estão sob a Alpargatas, para além dos calçados.
É bem importante pensar que nossa estratégia e enunciado básico é: “Queremos ser uma empresa global de marcas desejadas em calçados, vestuário e acessórios.” Aí que nós vamos atuar. As outras marcas que nós temos, como falei no comecinho, em artigos esportivos, especialmente as quatro marcas, Rainha, Topper, Mizuno e Timberland, são marcas com posicionamento distintos, embora tenha um overlap de produtos. Todas as marcas têm, por exemplo, tênis de corrida. Não tem como não ter. Mas não tem overlap de posicionamento. A Mizuno é posicionada com alta performance, um produto para você correr, ganhar e vencer. É a melhor chuteira de futebol de campo, tudo mundo quer usar. Timberland é uma de outdoor consagrada no mundo inteiro. A Topper tem um foco muito forte no futebol aqui dentro. E a Rainha é uma marca lifestyle. São marcas que tem posicionamentos diferentes e que cumprem funções diferentes, complementando o portfólio da Alpargatas para que estejamos presente em diversos setores ou nas diversas categorias em artigos esportivos. Já outra marca nossa em vestuário, que é a Osklen, que assumimos o controle há algum tempo atrás, é o que chamamos internamente de New Luxury, o luxo novo, um luxo bacana, acessível, embora seja um preço médio mais alto, mas ele é abaixo das marcas de alto luxo. É um luxo acessível, bacana, com produtos de alta qualidade, posicionada muito no surfwear, agora também com calçados muito importantes. Ela tem vestuário masculino, feminino e calçados. Tem um posicionamento muito interessante, muito vencedor. Eu acho que hoje talvez seja a marca de vestuário mais promissora no Brasil, a que mais tem espaço para crescer fora do Brasil, inclusive.
Falando um pouco de gestão, em outras entrevistas você mencionou que não crê em planejamento estratégico feito anualmente. O cenário externo, no entanto, exige muitas vezes algum tipo de readequação e até uma tendência recorrente desses planejamentos feitos anualmente. Como você suporta esse tipo de pressão para que haja esse tipo de transformação?
Uma coisa é o planejamento estratégico, outra coisa é a tática de você atuar e outras coisas são as mudanças do mercado. Planejamento estratégico para mim deveria ter a idade da empresa. Você deveria fundar uma empresa com uma estratégia definida e a empresa deveria sobreviver eternamente com essa estratégia. Então há casos em que você pode olhar no mercado. Natura, por exemplo, nunca deixou de ser uma marca voltada preservando a natureza. O enunciado da Natura nunca mudou, porque ele só faz crescer. AmBev também nunca deixou de mudar o enunciado. É uma marca com meritocracia, com crescimento valorizando as marcas, nunca deixou de crescer. Também nunca mudou a estratégia. A mesma coisa que se passa em empresas que mudam muito a estratégia. A estratégia muda, erra, muda a estratégia, a empresa sobe e desce, sobe e desce, o valor de mercado varia muito, porque a estratégia não é consistente. Não é que eu estou aqui preconizando que se a estratégia estiver errada você deve permanecer no erro, não é isso. A estratégia bem feita, bem preparada, sendo bem divulgada e bem implementada, ela deve ser longeva, deve ter um tempo grande de desenvolvimento para não ser mudada toda hora. Mudar uma estratégia não é fácil. É como você pegar sua mudança toda de um apartamento pequeno e mudar para um grande, ou ao contrário, do grande mudar para o pequeno. Você tem que adequar tudo, porque mudou a estratégia, e agora? Não é só isso. Tem que mudar a cabeça das pessoas, mudar as ferramentas de medição, de trabalho, de acompanhamento da companhia, muda seus concorrentes, seus produtos, sua abordagem de mercado, seu balanço, seu caixa é outro… Quer dizer, as estratégias que as pessoas falam, se for uma estratégia mesmo profunda que leva a empresa para outro destino, em minha opinião deveria demorar muito tempo parando, pensando e definindo para nunca mais mudar. Esse eu acho que é o certo. Nós da Alpargatas já mudamos, porque a gente não fez certo. A estratégia de Havaianas, por exemplo, não é a mesma desde que a marca foi criada, mas eu espero que essa nova estratégia que a gente vem fazendo já há algum tempo, uns 15 anos atrás, que vem dando o resultado que a gente está conversando hoje aqui, espero que permaneça eternamente e que dê certo para sempre. Eu não quero estar mudando toda hora. Essa é minha visão da estratégia. Eu acho que se houve alguma mudança no mercado, como o câmbio e a inflação, tem que ir lá e rever aquele item da sua estratégia, mas não é mudar a estratégia por causa disso. As revisões têm que ser feitas, mas fazer planejamento estratégico todo ano é muito bom para a consultoria que faz isso, mas a empresa que faz joga dinheiro no caixa da consultoria, perde tempo, mobiliza equipe e, no fundo, não faz nada, porque a estratégia fica muito boa, porém na gaveta. O mundo está cheio de ótimas estratégias engavetadas. Aquelas que estão sobre a mesa implementadas não são tantas assim. É só contar quais são as empresas que vencem e são referência de atuação no mundo inteiro.
E os resultados obtidos a partir da implementação da nova fábrica em Montes Claros, estão de acordo com a projeção de vocês para essa operação?
Estão de acordo, porém atrasados. A gente queria ter terminado o ramp up há mais tempo atrás. A nossa ideia é que esse ramp up tivesse sido concluído por volta de maio de 2014, mas já estamos há uns 6,7 meses atrasados. Ele vai levar mais uns 3,4 meses. Já encontramos todas as variáveis que não estavam sob controle, ou que nós fizemos uma perspectiva de atuação e aquilo não foi coerente com a realidade. Então, sabemos tudo o que tem que ser mexido e estamos mexendo. Certamente não mudou a importância dessa fábrica, porque ela vai trazer 100 milhões de pares adicionais para o mercado de Havaianas. E trará esses 100 milhões de pares, porém só terminamos o ramp up um pouco atrasado. Mas o custo será o mesmo planejado e o volume será o mesmo planejado.
Como tem sido enfrentar o desafio de cuidar de uma marca poderosa e globalmente reconhecida em um cenário hostil para a economia brasileira desde meados do ano passado? A gente tem aí as notícias não muito boas em relação ao desempenho da economia brasileira para 2015.
Na verdade, na sua própria pergunta está a resposta. Cuidar de uma marca global. Então, se tem incertezas no Brasil, tem que ter certezas lá fora para que a gente possa dar uma balanceada. Às vezes é o contrário, lá fora está pior e aqui dento está melhor. Então, acho que a empresa, quando é global, tem essa vantagem. Na verdade, a Alpargatas não é uma empresa global, ainda que a Havaianas seja uma marca global, a Alpargatas é uma empresa internacional, falta ser global. Eu penso que você tem que passar por quatro degraus para chegar a uma empresa global. Primeiro, você tem que ser líder no seu mercado interno, conhecer bem o seu país de origem. Depois, é importante ser um grande exportador, conhecer como é que se compete fora do seu país de origem, fora do seu domicílio e entender a dinâmica dos consumidores, dos mercados, dos compradores, dos concorrentes. Depois tem que ser uma empresa internacional, que o que a Alpargatas é hoje. Hoje nós já temos perto de 5 mil empregados fora do Brasil, temos operação própria em 12 países, Argentina, Estados Unidos e mais 10 países da Europa, totalizando 12 países. É verdade que estamos presente em 100 países exportando produtos, mas nesses 12, que estão na União Europeia, Estados Unidos e Argentina, nesses nós temos operação própria, empregados nossos trabalhando lá fora. Hoje nós somos uma empresa internacional. A marca Havaianas é global, está presente no mundo inteiro, mas a Alpargatas para se tornar uma companhia global tem que ter mais ativos relevantes fora do Brasil, mais políticas de marketing, de pessoas, de pricing, de supply chain… Essas políticas todas têm que ser globais e ainda não são. A Alpargatas será global, acredito eu, em mais dois ou três anos, embora tenha uma marca que já tenha presença global, que é o caso de Havaianas. Uma das formas de enfrentar a crise que estamos passando aqui no Brasil é ter sempre marcas muito fortes e bem posicionadas. Isso a gente tem no Alpargatas, especialmente porque investimos em marketing em torno de 10% a 13% da receita todos os anos. Poucas empresas fazem isso. É um investimento que se mostra extremamente valioso e importante para conseguir competir em cenários adversos. A marca é forte e vencedora. No mundo inteiro acontece isso. Quando o país está em crise, quem se destaca? Destacam-se as marcas mais conhecidas, mais relevantes para as pessoas. Aquela que tem uma presença na cabeça. Ela tem um share of mind forte na cabeça das pessoas, e nós hoje temos isso com marcas que são líderes no setor, que atuam seja na Argentina, Topper liderança incontestável, aqui no Brasil na corrida com Mizuno, e Havaianas por aí afora. São marcas muito fortes e essa fortaleza toda é fruto de um investimento claro, consistente e de gente muito competente gerindo essas marcas. Isso traz para gente um vantagem muito grande para competir localmente em qualquer época que nós estejamos, mas especialmente em épocas de crise isso se torna uma vantagem competitiva muito relevante e nós temos essa vantagem.
InfoMoney – SP