17/02/2015 02h00
Márcio Utsch, o presidente da Alpargatas, que reúne nomes internacionais como Havaianas, Osklen e Timberland, afirma que o Brasil pode, se tiver uma educação focada nas vocações regionais, tornar-se reconhecido por grandes marcas de café, chocolate e cachaça, entre outros produtos. “O governo pode ajudar a criar programas para desenvolver um setor que vai poder fazer ícones”, diz.
Para Utsch, as mudanças nas regras do seguro-desemprego anunciadas recentemente pelo governo são bem-vindas e o que se convencionou chamar de guerra fiscal “deveria se chamar paz social” por ter descentralizado a produção industrial.
Nesta entrevista, o executivo conta ainda como a companhia pretende combater as crises de água e energia. Leia a seguir os principais trechos.
Folha – Quais são os principais entraves da economia brasileira no curto e no longo prazos?
É resolver a equação de três variáveis: crescimento, câmbio e inflação. É preciso fazer o país crescer, encorajar o investidor, equalizar o câmbio. O que se faz para corrigir o câmbio é aumentar o juro. Aí cai o consumo. Enquanto isso não se resolve, o investimento vai ficar baixo. Com as pessoas acreditando que a economia não vai crescer, não investem. Não vai crescer porque tem inflação, e se tem inflação, tem juro. Com juro alto não se investe. Fica [um movimento] circular.
Por que o Brasil não conseguiu combater a inflação?
A gente perdeu a mão porque começou a distribuir renda sem distribuir investimento. Tentou-se corrigir agora com essa questão do seguro-desemprego. A sensação que eu tenho é que durante esses anos todos houve pouco fomento à instalação de grandes indústrias e empreendimentos no Brasil que gerem riqueza e ao mesmo tempo distribuam renda por essa geração de riqueza.
O sr. concorda com a ampliação da carência no seguro-desemprego?
Sim. Basta implementar. Precisa ter uma correção nisso, porque hoje temos uma dificuldade enorme de contratar as pessoas e manter no emprego. Eu não acho que está errado o Bolsa Família e o seguro-desemprego. Eu acho que é correto, mas tinham que se executar os ajustes que foram anunciados.
Há outros ajustes bem-vindos no emprego?
O que o pessoal chama de guerra fiscal deveria se chamar paz social. A indústria era concentrada em São Paulo, um pouco no Rio e em Minas Gerais. O resto não tinha indústria. Com as compensações tributárias nos últimos anos, ela se descentralizou. E houve, consequentemente, uma desconcentração do emprego. Imagina que se faça uma reforma tributária e fiquem todos os impostos iguais. Por que eu faço hoje sandália na Paraíba? Estamos lá por uma questão simples: a questão fiscal. Lá não tem mercado que produz a matéria-prima que eu uso e nem consumidor para o meu produto.
Isso acaba te impondo um custo logístico.
Sim, que é compensado pela diferença da tributação. Vamos imaginar que amanhã não tenha mais a diferença tributária. Vou ter que fechar a fábrica na Paraíba porque vou ter só o custo logístico. É irresponsabilidade achar que se pode unificar as alíquotas. Vão voltar os paus de arara, as pessoas vindo do Centro-Oeste, do norte de Minas. Goiás se industrializou muito, mas tem mercado consumidor? Não. O instrumento que existiu, que aumenta a distribuição de renda pelo emprego, eu acho que hoje vive sob ameaça.
Educação é outro entrave?
O Brasil hoje não tem condição de competir em produtividade mundo afora. Países de economias de tamanho equivalente têm uma educação muito mais desenvolvida que a nossa e têm produtividade. Às vezes, no Brasil, você vê que uma pessoa lê o manual de uma máquina, mas não entende porque não consegue interpretar o texto. A educação melhorou, mais pessoas estão matriculadas nas escolas básicas, é verdade, mas eu acho que tem que perseguir mais qualificação, capacitação, especialização em determinados setores.
Como?
O norte de Minas faz cachaça. Qual a grande marca de cachaça que tem no exterior? Nenhuma. O México desenvolveu a tequila. Se você vai à China e pede uma Jose Cuervo no hotel, o cara tem para vender. O Brasil não desenvolveu uma marca de cachaça assim. Pega o cacau, do sul da Bahia. Onde tem o melhor chocolate do mundo? Na Suíça. Vai no café: quais as melhores marcas? Da Itália. Precisa entender o que as pessoas produzem e onde.
O governo pode ajudar com programas para desenvolver um setor que vai poder criar ícones. Falta essa pegada de fazer coisas que duram. A Coreia desenvolveu a economia de tal modo que você vai comprar um eletrônico hoje e são quase todos coreanos.
O Brasil tem vocação?
O que desenvolve um país é educação e vocação. Na Coreia, a vocação industrial é forte. Eles definiram e educaram o povo. O Brasil tem tradição de commodity, que é vulnerável ao desenvolvimento do mundo. Tem que transformar em valor. Se vou comprar uma Havaianas, ela tem um preço, mas tem também um valor, que é a marca. O Brasil só exporta matéria-prima.
Como a crise hídrica impacta seus negócios?
Para mim, essa falta d’água é uma decepção enorme. É um choque cultural para quem vive no exterior. Eles questionam como fomos tão perdulários. É muito grave para algumas indústrias como a de bebidas. Na nossa, nós já temos água em circuito fechado para produção, com caldeiras que não perdem água. Mas temos gasto de consumo humano pra 15 mil empregados. Estamos instalando sistemas de economia e reúso. Na fábrica de Minas já temos tanques que limpam água que pode ser reusada para descarga.
E a energia?
Estamos com processo quase pronto para nos tornarmos autônomos em geração de energia. São geradores a diesel. Fizemos isso para nos garantir no caso de racionamento. Por volta de março ou abril teremos terminado de fazer as instalações de geração alternativa. É extremamente mais cara do que comprar energia, quatro ou cinco vezes mais caro que comprar energia. Mas pelo menos a fábrica não para. Se corta energia, o nosso custo de produção vai subir.
Como o apagão recente afetou as fábricas da Alpargatas?
Quando para uma fábrica, para religar leva mais ou menos seis horas. Se parar 15 minutos não é tão grande o problema porque a perda de calor é menor. Perdemos matéria-prima em processo, o produto que está em transformação. Aí você começa a rodar de novo só pra limpar as máquinas. É resíduo, tem que queimar. Aí a gente vende para as fábricas de cimento que queimam para virar caloria. Perdemos mão de obra parada, o produto em processo e o tempo de religar.
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