12/01/2015 às 05h00
Por Letícia Arcoverde | De São Paulo
Embora registrem taxas de crescimento muitas vezes acima da média brasileira, as regiões Norte e Nordeste ainda não são destino comum para executivos brasileiros que fizeram carreira no eixo Rio-São Paulo. Para preencher as vagas abertas, a solução das empresas tem sido flexibilizar os requisitos e turbinar os pacotes de benefícios. É o que aponta uma nova pesquisa da empresa de recrutamento Michael Page com 900 profissionais de 15 Estados das regiões Norte e Nordeste. O momento aquecido do mercado executivo nas regiões que foi essencial para sustentar o setor de recrutamento em 2014 deve continuar forte neste ano. Os motivos principais são a entrada de novos setores de negócio e o processo de profissionalização de empresas familiares, diz Felipe Mançano, diretor dos escritórios da Michael Page de Recife e Salvador. Segundo o levantamento da consultoria, 71% das empresas localizadas no Norte e no Nordeste enfrentam dificuldade de encontrar executivos qualificados localmente. “Todas as regiões sofrem hoje com a escassez de mão de obra, mas aqui ela é ainda mais forte. Encontrar profissionais tem sido um exercício de criatividade”, diz Mançano. O diretor estima que cerca de 30% das vagas preenchidas pelo escritório usem profissionais com origem em outras regiões, e um número um pouco maior, na faixa dos 40%, seja de executivos que nasceram nesses Estados mas fizeram carreira no eixo Rio-São Paulo. De acordo com a pesquisa, mais da metade (54%) das empresas pretende criar estratégias para buscar e atrair profissionais de outras regiões nos próximos dois anos. Entre as áreas que mais apresentam escassez de mão de obra estão engenharia, comercial, logística e finanças. As que menos sofrem com esse problema são marketing e jurídico. Para atrair profissionais qualificados, já não é mais suficiente apenas oferecer remuneração alta. “Em posições mais seniores é difícil usar o salário como diferencial, pois ele será alto em qualquer lugar”, diz Mançano. São as possibilidades de crescimento, a oferta de benefícios e, em especial, a atenção à questão familiar que mais têm influenciado a decisão dos executivos, segundo o headhunter. O aumento no pacote de benefícios é estratégia de 15% das empresas, bem como o auxílio de consultorias de recrutamento, citado por 28%. A estratégia que acaba sendo usada com mais frequência, contudo, é flexibilizar os requisitos para as vagas e redefinir o perfil do profissional (30%), o que muitas vezes resulta na contratação de mão de obra que já mora na região. “Quando é um trabalho muito técnico, porém, não é possível usar essa alternativa”, diz. A questão pessoal é a principal limitação que leva profissionais a recusar propostas na região, de acordo com a pesquisa da Michael Page. Quase um terço dos respondentes citam impossibilidades pessoais e familiares como razão para não aceitar uma proposta. “É quase um processo de expatriação, pois há a necessidade de acompanhar a adaptação da família”, diz Mançano. Embora a questão familiar seja um fator de recusa frequente, executivos com filhos ganham a preferência das empresas. Segundo Mançano, isso acontece uma vez que eles são menos suscetíveis a outras ofertas de trabalho. “O solteiro é mais desprendido. O que o trouxe para cá poderá fazê-lo voltar”, diz. Além de oferecer benefícios como ajuda de custo com moradia, carro e cursos de atualização, uma solução é deixar claro durante as conversas com o executivo que a organização a ser liderada está em um cenário estável e seguro, sem conflitos na gestão temidos principalmente em casos de profissionalização de empresas familiares. A segunda razão mais citada para recusar propostas, com 24%, é a percepção de que os executivos perdem exposição ao se afastarem dos grandes centros empresariais do eixo Rio-São Paulo. Outros 18% enfatizam razões ligadas à remuneração ou não consideram o valor suficiente, ou não conseguem negociar a quantia ideal. Já 11% sentem que podem se desatualizar nas suas áreas por estarem em regiões fora dos centros, e 8% acham que não terão tantas chances de crescimento profissional nessas regiões. Ao contrário do que possam pensar esses executivos, entretanto, Mançano considera que posições no Norte e no Nordeste costumam oferecer ainda mais possibilidade de crescimento na carreira. “No passado, esse tipo de movimentação era visto como oportunidade de aumentar a remuneração, não como chance de crescer na carreira. Por conta do cenário de crescimento, hoje essa possibilidade existe”, diz. Em sua opinião, essa situação deve continuar independentemente de uma desaceleração da economia ao longo de 2015. “Há demanda estrutural. É preciso contratar mesmo quando o mercado está ruim”, diz. A trajetória do paulista Angelo Bellelis é prova disso. Ele se mudou para Recife em 2008 para assumir a presidência do Estaleiro Atlântico Sul. Há três anos, o executivo planejava voltar para São Paulo quando foi chamado para ser vice-presidente da administradora de condomínios de negócios Cone. Na época, a empresa familiar do grupo Moura Dubeux Engenharia passava por um processo de profissionalização. Atualmente, ele é presidente da empresa Convida, do mesmo grupo, que está construindo uma cidade planejada para até cem mil habitantes na região do Cabo de Santo Agostinho. No quadro de diretores da Convida hoje, além de Bellelis que fez carreira de 24 anos na capital paulista e Osasco há dois paulistas, um mineiro e um paranaense, além de dois pernambucanos. “Na média gerência, temos um misto de pessoas, sendo que a maioria é local. Mas em nível de diretoria é preciso mais experiência, o que limita mais”, diz. Bellelis prevê que, com o tempo, a oferta de profissionais seniores alcance a demanda e acabe com a necessidade de “importar” executivos. Além disso, ele conta que muitos nordestinos que haviam deixado a região para trabalhar em São Paulo estão retornando a Pernambuco para ocupar vagas operacionais. Para atrair executivos de fora, Bellelis considera que os fatores mais importantes são o salário, ajuda de custo e um pacote de benefícios interessante. “Você vai tirar a pessoa da zona de conforto. Alguns estão mais acostumados e têm esse perfil, mas outros não”, diz. Em sua opinião, é ímportante também “encantar o profissional com a região e com a qualidade de vida”. Foi o que aconteceu com ele, que levou a família com dois filhos quando se mudou e hoje não pensa mais em voltar para São Paulo.
Valor Econômico – SP