23/12/2014 às 05h00 Por Beatriz Cutait e Aline Cury Zampieri | De São Paulo Passa ano, entra ano, e analistas do mercado financeiro fazem reuniões para estabelecer as premissas macro e microeconômicas para o período seguinte e realizar um dos exercícios de maior risco: projeções para os indicadores. Ainda que leve a fama de ser uma variáveis mais difíceis de prever, a taxa de câmbio não está sozinha, e tem a companhia da bolsa, mais especificamente de seu principal índice, o Ibovespa, cujo desempenho costuma driblar as estimativas. Nos últimos cinco anos, analistas têm demonstrado um otimismo muito além da trajetória que o mercado acionário tem conseguido efetivamente entregar. O Ibovespa vem apresentando desempenho pífio no período, com leve alta em 2010 (1,04%) e avanço de 7,4% em 2012, e queda nos outros anos. Ainda assim, casas de análise sempre esperam valorizações de dois dígitos para o referencial do mercado Seguindo a regra, para 2015, a expectativa permanece de um ano melhor que 2014, mas, desta vez, o tom otimista está um pouco mais moderado. A estimativa média de seis instituições consultadas pelo Valor para o preçoalvo/justo do Ibovespa ao fim do próximo ano corresponde a 58,4 mil pontos, o que implica alta de 17,7% sobre o preço de fechamento de sextafeira. Essa era a menor variação esperada pelo mercado para o desempenho do índice em 2014 até sextafeira, o Ibovespa cedia 3,6%. As projeções para o índice no próximo ano variam de 52 mil a 65,5 mil pontos, valorização entre 4,7% e 32%. Ainda que a bolsa possa parecer “barata” para alguns, analistas têm bastante cautela para as recomendações e, a exemplo deste ano, não há indicações por setores, mas sim seleções de empresas específicas, com boas histórias que garantam ganhos mesmo num ano que será de ajustes da economia. Com a projeção mais baixa para o Ibovespa dentre os entrevistados, o estrategista da Santander Corretora, Leonardo Milane, assina que o investidor precisa ficar bastante atento para montar a carteira de ações de 2015, já que poucos segmentos vão conseguir driblar a adversidade. “Pouquíssimos vão deixar o investidor tranquilo quanto à perspectiva de resultado”, diz. Dentre as empresas que devem apresentar expansão de lucro neste e no próximo ano, Milane cita instituições do setor financeiro, como Itaú Unibanco, Bradesco, BB Seguridade e Porto Seguro, as companhias de alimentos e bebidas BRF e Pão de Açúcar, a de software Linx, as de educação Kroton, Estácio Participações e Ser Educacional, além da fabricante de motores elétricos Weg, por ter uma receita já contratada para 2015 e se beneficiar do dólar mais apreciado. Ao destacar que o Ibovespa está sendo negociado a um múltiplo preço/lucro em torno de 10 vezes para 12 meses, o estrategista não considera a bolsa brasileira barata. Com uma queda adicional, que leve o múltiplo abaixo de 9,5 vezes, a situação seria outra, mas, ainda assim, as oportunidades precisariam ser selecionadas individualmente. “A bolsa estar barata não necessariamente é um bom indício para ‘comprar’ o Ibovespa, porque o mercado é muito contaminado por commodities, e os preços não vão melhorar”, afirma Milane. Na avaliação do estrategista do Citibank, Fernando Siqueira, com o Ibovespa abaixo dos 45 mil pontos, a bolsa deve começar a ficar interessante em termos de múltiplos. A instituição trabalha com preçoalvo de 59 mil pontos para o índice em dezembro de 2015 e a baixa base de comparação, com boa parte dos riscos incorporados nos preços dos ativos, pode levar a uma melhora natural no período. O Citi espera crescimento nominal médio de lucro de 10% em 2015, com o preço baixo das commodities prejudicando a projeção. As empresas exportadoras estão entre as principais teses para o próximo ano, em meio ao cenário de apreciação do dólar em relação ao real. Nessa seara, entram no radar do Citi companhias atreladas a produtos químicos, papel e celulose e carnes. Há ainda um olhar para casos mais defensivos, de companhias menos cíclicas, como de concessões e algumas de consumo e varejo. “No fundo, temos olhado há alguns meses mais o risco que o retorno”, assinala Siqueira. Ao longo deste ano, a trajetória do mercado foi atrapalhada pela disputa eleitoral e a consequente volatilidade, riscos de racionamento, menor crescimento e desafios do lado fiscal, aponta André Parize, chefe da área de pesquisa da Votorantim Corretora. “Temos uma perspectiva para o investimento hoje mais desafiadora não só do lado do governo, como das empresas”, diz, ressaltando o maior custo da dívida e o impacto sobre os resultados. A perspectiva para o próximo ano, afirma Parize, parte de uma dinâmica parecida, com taxas de juros em alta e um baixo ou nenhum crescimento do PIB. “2015 e 2016 serão anos em que o maior valor vai sair do ganho de eficiência, ou seja, com empresas revisitando processos, em ‘turn around’, ou em atividade de fusão e aquisição”, afirma. “Vamos entrar em 2015 apostando em setores que mostraram maior resiliência e melhores resultados em 2014.” Nesse critério, entram papéis de bancos, mas, diante de valuations elevados, a corretora começa a buscar casos diferentes, como Banrisul. Há ainda recomendação favorável para empresas de alimentos como JBS e BRF, e de educação (Estácio e Kroton). Para Parize, está mais difícil selecionar papéis dados os preços esticados de alguns nomes. Ele aguarda o desenrolar de medidas políticoeconômicas no primeiro semestre para começar a fazer a rotação do portfólio. A corretora não revelou o preçoalvo para o Ibovespa ao fim de 2015, assim como o HSBC. O diretor de investimentos do banco, Guilherme Abbud, acredita em potencial de valorização da bolsa, mas ressalta que a economia brasileira passará por um “ajuste muito dolorido” no próximo ano. E essa correção de rota, diz, será muito boa para aportes em renda fixa, mas a Bovespa também vai refletir o movimento e poderá ser beneficiada. Segundo Abbud, não há uma relação instantânea entre crescimento econômico e desempenho do mercado de ações e, muitas vezes, a bolsa se antecipa a ajustes. “Não é incomum anos difíceis para a economia real serem bons para a bolsa. É possível que os próximos dois anos sejam assim”, diz. Com a expectativa de que o Ibovespa feche 2015 no patamar de 58 mil pontos, o J.P. Morgan tem dois temas predominantes nas recomendações, segundo o diretor de pesquisa em América Latina, Pedro Martins Júnior. O primeiro é ter exposição em ações que ganham com crescimento, como Kroton, BRF, Cosan, Itaú Unibanco, Lojas Americanas e Droga Raia. O outro é se posicionar em papéis beneficiados por um dólar mais fortalecido, o que abrange o setor de papel e celulose, bem como empresas com exposição a negócios fora do Brasil, como Weg e Tupy. A lista das dez ações preferidas na América Latina conta com sete brasileiras: Vale, Itaú, Braskem, Tupy, BR Malls, Suzano e Kroton. O grupo das menos favorecidas tem 11 nomes, com oito nacionais: Oi, CSN, Rossi, Abril Educação, Odontoprev, Cemig, Smiles e Natura. Segundo Martins Júnior, os mercados vão avaliar em 2015 se a presidente reeleita Dilma Rousseff será capaz de entregar um necessário ajuste na política econômica e reformas para pavimentar o caminho para um futuro crescimento. De qualquer maneira, o J.P. Morgan acredita que dois anos de baixa expansão não são um gatilho para uma revisão otimista de lucros, o que leva o Brasil a ser mais uma premissa de uma agenda de política construtiva do que uma história de crescimento. Ainda que não veja a bolsa brasileira descontada, o estrategistachefe do Itaú BBA, Carlos Constantini, mencionou, no início do mês, como boa notícia o fato de o ciclo de revisões das previsões de resultados corporativos parecer estar próximo do fim. “Pela primeira vez em três anos, a queda de preços na bolsa foi maior ainda do que a queda de lucro. Ou seja, a bolsa não ficou barata, ela ficou praticamente estagnada, mas também não houve uma valorização. O que estávamos vendo até o ano passado era que a bolsa caía e o múltiplo ficava mais caro, porque os lucros estavam caindo mais rapidamente”, explicou Constantini. Com o número mais alto dentre as casas consultadas, o Itaú BBA vê o preçojusto do Ibovespa em 65,5 mil pontos ao fim de 2015. Constantini ressalva, contudo, que a conta é otimista, por assumir que todas as ações do índice vão atingir o preçoalvo ao mesmo tempo. O Credit Suisse tem preçoalvo de 58 mil pontos para o Ibovespa no fechamento do próximo ano, mas, recentemente, rebaixou a recomendação para as ações brasileiras, de neutra para underweight (abaixo da média do mercado). O estrategista de renda variável para América Latina do banco, Andrew Campbell, diz que muitos de seus investidores são estrangeiros e que a desvalorização do real diminui o potencial de alta da bolsa em dólares. Segundo ele, a conjuntura externa também traz perspectiva de desaceleração de economias importantes para o Brasil, como a China, e os preços das commodities devem se manter depreciados. Campbell observa que as projeções para Brasil contemplam um crescimento de apenas 0,5% da economia no próximo ano, efeitos negativos da alta dos juros, maior depreciação do real e um quadro difícil para criação de valor de empresas, em meio a uma inflação resistente. Além disso, as chances de grandes reformas estruturais são limitadas. O setor preferido de Campbell é o financeiro, o que inclui bancos e ações como BB Seguridade e Cielo. Para ele, apesar da boa performance das ações recentemente, o cenário econômico não deve mudar tão cedo, o que garante a preferência. Outra área com recomendação overweight (acima da média do mercado) é a de consumo discricionário. “É um setor que pode ir mal em uma economia mais fraca, mas tem dentro educação, um segmento no qual estamos bem positivos”, afirmou o estrategista. Ainda dentro de consumo, Campbell destaca empresas de programas de fidelidade, como a Smiles e, em construção, gosta da MRV. No sentido oposto, o Credit Suisse tem recomendação underweight nos setores de óleo e gás e materiais básicos. “É um reflexo do ambiente para commodities no geral. O petróleo está em queda e a perspectiva é que não haja mais aumentos de preços”, diz. Em relação ao minério de ferro, o estrategista comenta que muitos analistas ainda precisam revisar os números para baixo para refletir uma nova realidade, de preços ainda menores, o que pode criar outra pressão para o setor. “Na parte de aço, o mercado doméstico mais fraco também não ajuda. Podese pensar que, enquanto o real se deprecia, abrese espaço para se aumentar os preços no Brasil, mas é difícil isso acontecer quando existe um ambiente de demanda muito fraco.”
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