Neurociência mostra que consumo muda de acordo com local e companhias
O marketing é um dos últimos segmentos que ainda não incorporaram a neurociência como parte de seu portfólio. Em economia, por exemplo, há vários programas de neuroeconomia que estudam como o cérebro se comporta para a tomada de decisões e entendimento do comportamento humano. Na área de neuromarketing, porém, existem apenas 4 ou 5 centros de pesquisas nos EUA estudando o assunto, e mais alguns outros no Reino Unido.
Rapidamente, porém, as empresas estão se familiarizando com a neurociência e entendendo como aplicá-la ao marketing. Um cenário que evoluirá rapidamente nos próximos anos, com o entendimento do que o estudo do cérebro pode melhorar o entendimento sobre o comportamento de compras dos consumidores.
Para falar sobre o tema, NOVAREJO conversou com o Dr. Robert Knight, conselheiro científico chefe da Nielsen Neuro e professor de Psicologia & Neurociência do Instituto Helen Wills de Neurociência da Universidade da Califórnia, em Berkeley. Parte da entrevista foi realizada a partir de perguntas de varejistas brasileiros e pode ser lida na edição impressa da revista NOVAREJO, edição 38 (novembro e dezembro/2014).
NOVAREJO – Uma vez que o neuromarketing está relacionado também aos estímulos sensoriais, como a tecnologia pode melhorar a experiência de compra?
Robert Knight Há muitos aspectos a considerar aqui. Por exemplo, está claro que a integração multissensorial é crucial para a máxima eficiência. O pássaro que canta na árvore é uma imagem mais poderosa do que a figura do pássaro ou apenas seu canto. A integração multissensorial mostra que 1+1 = 3 na atividade neural. Esse é um aspecto muitas vezes negligenciado no mundo do marketing.
NOVAREJO – Isso significa que o contexto precisa ser levado em conta e, assim, que é preciso avaliar se os consumidores estão sozinhos ou em grupo ao serem expostos à comunicação, correto?
Robert Knight Tudo tem a ver com o ambiente da venda. Quando você entra em uma loja de vestuário de preço baixo, todas as araras estão repletas de produtos, há muita roupa à mostra. Mas em uma loja de moda de luxo isso não acontece, muito pelo contrário: eles têm muito pouco produto a apresentar. Isso muda completamente a abordagem, de acordo com os diferentes consumidores a serem alcançados. Isso não se refere apenas ao contexto da loja, mas também à interação com o público com o qual você quer interagir no processo de compra.
NV – Essa interação também muda de acordo com o produto à venda. Ao lidar com medicamentos, por exemplo, a empresa quer comunicar saúde, e não doença. Dois valores totalmente diferentes. Como equilibrar esses valores?
Robert Knight Bom, você não pode realmente fazer com que o negativo da doença desapareça. Isso está lá e as pessoas para as quais você vende os medicamentos já aceitaram que têm a doença. Não acredito que seja o caso de escondê-la, porque você não quer realmente fazer isso. Os clientes querem saber o que é a doença e como curá-la e, então, apresentar essas informações é a melhor forma de se conectar com as pessoas.
É preciso levar em conta também que a população está envelhecendo em todo o mundo e que é preciso estar atento a essa mudança, pois impacta o desenvolvimento das ações publicitárias. Você não quer vender medicamentos contra perdas cognitivas para pessoas com mais de 60 anos e testar a comunicação em quem tem 20 anos. É preciso prestar ainda mais atenção aos efeitos da idade ao lidar com o mundo da doença.
NV – O cérebro dos Millennials se comporta de maneira diferente, uma vez que eles tendem a mudar constantemente o foco de sua atenção?
Robert Knight Não existe evidência neurocientífica de que o cérebro dos Millennials se comporta diferentemente no que se refere às funções cerebrais ligadas aos processos de atenção, emoções e memória. É verdade que as mídias sociais e o uso de celulares têm uma forte influência na maneira como os Millennials recebem as informações e tomam decisões. Para focar no que acontece no celular, inevitavelmente perde-se concentração no que está ao redor. A consequência é o aumento de acidentes quando se dirige digitando mensagens no celular, por exemplo.
Uma mudança evolutiva na estrutura do cérebro leva dezenas de milhares de anos. Essa questão dos Millennials tem mais a ver com um comportamento aprendido e é preciso apenas dar uma volta em qualquer universidade para verificar que as pessoas estão coladas a seus dispositivos móveis. A grande questão é esse comportamento vai além do uso do celular?. Se você atravessar a rua enquanto usa o celular, aumentam suas chances de ser atropelado. Mas as pessoas conseguem ser totalmente funcionais se estiverem desligadas dos dispositivos móveis.
NV – Assim como o consumidor quer ter opção, ele não quer que aquela opção gere estresse em seu processo de compra. Como equilibrar isso?
Robert Knight Boa sorte! Achar o ponto de equilíbrio é realmente difícil, mas é possível atenuar o stress. A música correta tem um efeito calmante e, se instalada nas gôndolas, pode ajudar a dirigir o comportamento. Um exemplo disso é que a transmissão de música clássica nos sistemas de som das estações de trem na Alemanha gerou uma dramática queda nos índices de violência.
NV – Como o senso de obter desconto afeta o comportamento de compra?
Robert Knight Essa área do comportamento do consumidor e decisão de compra é realmente interessante. Se você der muito desconto em um produto, as pessoas tendem a pensar que ele não é muito bom. Um produto que valha US$ 100 provavelmente venderá menos a US$ 20 do que a US$ 80, porque os consumidores perceberão o valor, em vez de achar que se trata de um monte de lixo sendo desovado.
E há também a questão da recompensa imediata. Se eu perguntar para 10 pessoas se preferem receber US$ 10 agora ou US$ 11 daqui a dois meses, 90% preferirão o dinheiro já, embora o movimento correto seja esperar pelo bônus de 10%. Isso acontece porque quando ofereço os US$ 10 agora, as áreas emocionais do cérebro entram em ação e dizem quero agora: quero o álcool, a comida, o sexo, as drogas, para já.
Se você conseguir suprimir essa reação e usar o córtex cerebral, a parte mais racional do cérebro, perceberá que terá um ganho ao aguardar algum tempo. A recompensa imediata é o que faz você comprar um doce a mais no check-out do supermercado. Você não precisa dessas 300 calorias extras, mas o lado emocional do seu cérebro está no controle. Se você conseguir suprimir isso, deixará os profissionais de marketing tristes, mas viverá por mais tempo.
Revista No Varejo on-line – SP