Crise sanitária provocou mudanças que envolvem desde o papel das lojas físicas até as práticas de gestão. Saiba como preparar o seu negócio daqui em diante
Por Raquel Bocato
A chegada do novo coronavírus fez as empresas tirarem da gaveta inovações e mudanças que estavam somente no papel. Em busca de sobrevivência, elas transformaram relações, revisitaram seu propósito e incorporaram procedimentos que permanecem mesmo com o fim da crise, no período pós-pandemia.
A seguir, especialistas contam quais são essas mudanças e como elas impactam o varejo.
Físico
1. Loja
O espaço para o consumidor ganha um papel de interação e de diálogo, com ambientes agradáveis que merecem ser adaptados com frequência. “O cliente vai lá porque ele está a fim, não porque precisa comprar algo”, afirma a professora de estratégia e marketing da Fundação Dom Cabral Erica Bamberg. Para o professor de pós-graduação da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) Alexandre Marquesi, a parte de trás da loja dá suporte à operação logística; a da frente torna-se um local de experiência.
2. Dark store
Na gôndola, entram apenas produtos que são direcionadores do desejo de consumo. Outros, que Henrique de Campos Junior, pesquisador do Centro de Excelência em Varejo da FGV (Fundação Getulio Vargas) e professor do departamento de marketing da instituição, chama de “conjunto complementar”, ficam numa espécie de loja oculta e têm sua representação para o cliente na forma de QR Code, por exemplo. Eles são selecionados e recebidos “no checkout, com um pack de outras compras que não são necessariamente as que a pessoa vai colocar no carrinho”.
3. Área
Ainda não há consenso: uns defendem que o espaço físico das lojas vai diminuir; outros apostam que permanecerá do mesmo tamanho, após repaginação. Os pontos de venda podem até aumentar, “mas a metragem precisa ser revertida em resultado”, diz Erica Bamberg. “É preciso pagar as contas. Não dá para ser um espaço só de experiência.”
4. Localidade
Quais são os espaços para o varejo físico, além de ser esse ambiente de experiência? Henrique de Campos Junior responde: “Fazer a última milha de entrega, essa entrega porta a porta, ou ser o local de retirada. Estar perto do consumidor é um trunfo, e o varejista deve usar essa posição como motor de receita”. Na crise, diz, houve um reflorescimento da importância da localidade, especialmente por baratear o delivery.
5. Protocolos sanitários
Máscaras, álcool em gel e distanciamento físico permanecem no horizonte das empresas e da sociedade, sem prazo para serem descartados, uma vez que ainda estão em discussão número de doses da vacina contra covid-19, reforço vacinal anual e novas variantes do vírus. “Se eu fosse um gestor varejista, verificaria a legislação e seguiria da maneira mais restritiva possível”, diz o professor da FGV.
6. Atendimento autônomo
Entrar, pegar o que deseja e sair sem necessidade de passar em um caixa para fazer o pagamento. Movidas por sistemas como reconhecimento facial e inteligência artificial, lojas com essas tecnologias já eram realidade, ainda que pontuais, antes da pandemia de covid-19. Com a crise, elas proliferaram no exterior e no Brasil, com direito a protocolos de segurança, entre eles número máximo permitido de pessoas no local.
Digital
7. Livestream retail
Programas ao vivo que transmitem informações sobre produtos, fazem ofertas e garantem entretenimento. Exibidos em apps, têm um sistema em que o cliente é direcionado ao atendente para concluir a compra. “Essas iniciativas têm utilidade para o consumidor e, provavelmente, com alterações de formato, devem se manter no pós-pandemia”, diz Campos Junior.
8. Mídias sociais
Elas se expandem como meio de comunicação e canal de comercialização. Para o professor da ESPM, o cuidado é não canalizar a venda por meio da rede, “senão vira o amigo chato do WhatsApp que quer vender para você”. É a marca, afirma ele, que precisa ter relacionamento com indivíduos, “saber o que, para quem e como está falando” e ter uma estratégia clara.
9. Apps
Aplicativos continuam em alta, em livestreaming retails, ecossistemas de compras e serviços de entregas. Servem para engajar alunos em cursos e permitir ao cliente ter uma visão de como ficaria com o produto. Mas para que justifiquem o consumo de internet e o de memória no aparelho – e sejam usados –, precisam ser atrativos e oferecer benefícios ao consumidor.
Gestão
10. Preparação
O mundo VUCA (do inglês, acrônimo de volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade) dá o tom do ambiente de negócios. É importante entender o cenário e conhecer tendências, revisitando sempre o propósito da empresa. Assim, será mais fácil responder a demandas ambientais, como as provocadas por uma pandemia, ou a aumento de concorrência, por exemplo.
11. Inteligência de dados
Informações provenientes do mundo online e obtidas no contato presencial devem ser integradas, o que não é um processo barato: “As margens no varejo brasileiro são muito apertadas”, diz o professor da ESPM. Essa massa de dados, por si só, não tem valor. Para que se tornem úteis em estratégias e tomadas de decisão, é necessário que sejam trabalhados em um departamento interno, por uma pessoa ou por uma consultoria.
12. Pagamentos
Opções de pagamento como pix e cartão contactless, com transação validada por aproximação do plástico ao leitor, estabeleceram-se como soluções. Intermediadores e carteiras digitais também ganharam espaço. Vale observar as novidades que devem vir com o lançamento do real digital, previsto para 2022.
13. Omnicanalidade
“O objetivo de omnichannel é complementar a venda, e não fazer a venda em todos os canais”, afirma Alexandre Marquesi. Isso implica, por exemplo, lockers em shoppings (guarda-volumes com as compras feitas à distância), pick-up stores (lojas físicas que atendem a pedidos online), drive-thrus e assistentes virtuais que ofereçam experiência individualizada de atendimento.
14. Jornada do consumidor
Os pontos de contato com o consumidor devem estar em “estado de flow”, afirma Erica Bamberg, num fluxo contínuo, sem rupturas. “Precisam estar no mesmo nível e fazer com que o cliente não perceba que ele está no site na internet, vendo conteúdo no Instagram, acessando ponto de atendimento, falando no WhatsApp, entrando na loja. Tudo com o mesmo propósito”, diz ela.
Equipe
15. Cuidado
A saúde e o bem-estar dos funcionários e das famílias deles importam. Cabe a quem está à frente do negócio ajudar a zelar por eles. “Se ficarem doentes, como lido com essa situação? É preciso montar um plano de contingência”, diz a professora da Fundação Dom Cabral, acrescentando que, muitas vezes, “são as pessoas que eles atendem que não estão bem”.
16. Treinamento
O desafio para a equipe de vendas é chegar ao cliente que está em casa sendo útil. Somada a isso, há a dificuldade inerente à distância: a impossibilidade de ver a reação do consumidor. Ele está triste? Sorriu ao ver uma sugestão? Aulas e workshops podem oferecer ferramentas valiosas, assim como municiar funcionários com conteúdos como informativos e catálogos.
Parcerias
17. Ecossistema
Para ganhar escala e ter musculatura para vender online, empresas independentes e especializadas integram uma comunidade com um agente central, que oferece “um conjunto de serviços do varejo que estão ligados a serviços financeiros, logísticos, de comércio e de tecnologia e mídia”, diz Henrique de Campos Junior. “Foram um grande motor do varejo na pandemia e tendem a ter uma certa consolidação.”
18. Alinhamento
Fazer boas parcerias com empresas que tenham o mesmo propósito ajuda a desfazer nós que possam surgir, como preço de frete elevado e dificuldade na troca de produto. Para Erica Bamberg, a análise dos pontos de contato nas operações e o treinamento permitem que todos estejam alinhados e entregando a melhor experiência ao consumidor.
Fonte: PEGN