Michael Klein volta à linha de frente do varejo nacional dez anos após a fusão de Casas Bahia e Ponto Frio. Ontem, o conselho de administração do Grupo Pão de Açúcar (GPA), controlado pela rede francesa Casino, aprovou a venda de sua fatia de 36,27% na Via Varejo a Klein e um grupo de investidores pelo preço mínimo de R$ 4,75. O GPA, que sai totalmente da Via Varejo, tentava vender esta empresa desde novembro de 2016.
Klein e cerca de dez fundos de mercado têm em torno de R$ 2 bilhões para a operação, diz uma fonte. Desse valor, o empresário entraria com R$ 500 milhões. O negócio é assessorado pela XP Investimentos. Hoje, a família Klein, por meio de três fundos, é o segundo maior acionista da Via Varejo, com 25,43%. Considerando esses R$ 500 milhões, a fatia sobe para 33,56%.
A operação, em sistema de leilão, deve ocorrer amanhã, às 10h30, na B3. Ao levar em conta a quantidade de ações do GPA, a venda será fechada por, pelo menos, R$ 2,23 bilhões. O Casino, cuja holding está sob proteção contra credores, não deve receber esses recursos, que ficariam, então, no caixa do GPA no Brasil.
Do grupo de investidores liderado por Klein, não faz parte a Starboard, empresa que tem 72,5% da varejista Máquina de Vendas. Havia uma negociação para um acordo, mas nos últimos dias, a proposta da Starboard de a Via Varejo incorporar a Máquina de Vendas foi rejeitada por Klein. A Starboard ainda pode participar do leilão de forma independente, diz fonte.
Com a saída do GPA, uma nova diretoria deve ser anunciada na Via Varejo. Roberto Fulcherberguer, vice-presidente comercial da rede de 2003 a 2013, e com quase 30 anos de experiência no varejo, será o presidente, diz uma fonte. Homem de confiança de Klein, Fulcherberguer é conhecido pela boa capacidade de relacionamento com a indústria. Peter Estermann, atual CEO da Via Varejo, deve deixar a empresa.
Outro nome já definido é de Abel Ornelas, ex-diretor do Magazine Luiza, da Pernambucanas e do GPA. Deve ocupar a diretoria de operações. Fulcherberguer e Ornelas trabalharam juntos por três anos na Via Varejo. Klein passará a ser o maior acionista da companhia e deve presidir o conselho de administração, diz uma fonte.
“A informação que temos é que Klein vai retomar aquela aproximação que a Casas Bahia tinha com os fornecedores e que se perdeu na Via Varejo nos últimos anos”, diz o diretor de uma fabricante de televisores. “Era isso que tornava a Casas Bahia imbatível.”
O fornecedor conta que, ultimamente, a empresa recebia projeções de compras da Via Varejo para dois ou três meses. “Não se falava mais em longo prazo. Com a Casas Bahia, o Michael ou o Saul [irmão de Michael] sentavam na mesa com os fabricantes. Estava no sangue deles. Isso acabou”, diz.
Uma pessoa ligada à operação resume o plano de ação discutido por Klein com os fundos, para convencê-los a entrar na empreitada: “tirar a gestão dos franceses”. “A companhia está em uma situação tão frágil que isso já é um bom argumento”, diz um gestor. Os fundos sabem também que Klein tem bons motivos para buscar a melhora da operação: além da exposição direta de seu patrimônio como acionista da Via Varejo, o empresário tem fluxo de recebíveis garantido dos aluguéis de parte das lojas que são sua propriedade.
A Via Varejo tem vivido altos e baixos em sua história recente, com trocas de comando de segundo e terceiro escalões e resultados que ainda não apontam recuperação clara. Em seis anos, teve quatro presidentes. Em 2017, a empresa recuperou terreno, após medidas que deram resultados, mas voltou a crescer menos que o setor em 2018, com perda de mercado para Magazine Luiza e redes regionais.
Decisões como o forte aumento de estoque em 2018, na expectativa de uma retomada de vendas que não veio, e a integração entre os sistemas de vendas nas lojas e gestão de estoque (que acabou gerando falhas na operação) obrigaram o comando a acelerar uma reestruturação já em andamento.
Em 2018, a Via Varejo cresceu 4,3%, com vendas brutas de R$ 30,6 bilhões. O prejuízo atingiu R$ 267 milhões, versus lucro de R$ 168 milhões em 2017. Sua rival direta, o Magazine Luiza, faturou R$ 19,7 bilhões no ano passado, com aumento de 36%. O lucro cresceu 54%, chegando a R$ 597 milhões.
Confirmada a compra na sextafeira, Klein sai recompensado por ter sido paciente. O empresário passou anos ensaiando seu regresso à linha de frente da maior varejista de eletroeletrônicos do país. Travou negociações difíceis com os franceses do Casino. A relação entre os sócios era protocolar e, em algumas questões estratégicas de peso, Klein e Casino discordavam, como no avanço do plano final de integração do site com as lojas.
O conselho da Via Varejo tem nove cadeiras hoje — quatro estão com GPA, três com Klein e duas com conselheiros independentes. Klein era voto vencido em várias discussões e nos últimos anos, após a piora no desempenho da companhia, sentia-se “desanimado” com os resultados, diz fonte.
Agora, sem maiores esforços — pois foi o único interessado em fechar uma oferta pela empresa —, o empresário leva uma varejista três vezes maior do que vendeu. Há dez anos, Klein abriu mão do controle da Casas Bahia para se tornar, ao lado de Abilio Diniz, do GPA, acionista minoritário numa rede maior, depois batizada de Via Varejo.
Daqui para frente, sem os embates com o Casino, o empresário ficará mais livre para seguir a sua própria cartilha de gestão. Um dos principais desafios da nova equipe está nesse processo de retomada de desempenho. O Valor apurou que o foco de atenção será “consertar decisões estratégicas erradas tomadas” — e não criar novos projetos ou grandes planos de ação.
Para o consultor Alberto Serretino, sócio da Varese Retail, a gestão Klein precisa fazer mudanças rapidamente. “Eles não devem fazer nenhum plano mirabolante. Vão voltar para melhorar o básico”, diz. “Devem resgatar a agressividade comercial, para daí propor a retomada. Num primeiro momento, a turma de loja deve ser a que mais deve sentir a chegada do Klein porque isso ele conhece bem.”
Serrentino resume o cenário complexo que a companhia teve que enfrentar: “a Via Varejo passou por diversas trocas de cultura, de liderança interna e de orientação estratégica, desde a época de Abilio Diniz até a saída dos franceses agora. Mesmo com o esforço com as reestruturações, qualquer empresa que passa por isso, na crise que vivemos, sentiria um baque”, afirma.
Será um retorno num momento bem diferente daquele que Klein viveu quando deixou o comando da Casas Bahia. O varejo brasileiro mudou consideravelmente nesses dez anos, em termos de tecnologia e integração de canais de venda. Mas há um entendimento que, mesmo fora do dia a dia, Klein acompanhava as questões estratégicas na função de conselheiro, e estava a par dos avanços da empresa e do mercado. Klein costuma dizer que aquilo que é fundamental a um varejista, em qualquer tempo, ele sabe fazer: acertar na venda e na compra. Laços de família