Empresas do sistema passaram por intensas transformações ao longo dos últimos dois anos e devem viver momento de consolidação
Por Paulo Gratão
O ano de 2021 já está próximo de se tornar apenas uma planilha nos arquivos das empresas – e uma das mais pesadas. No sistema de franquias, os empreendedores vivenciaram diversas emoções ao longo do ano. Depois de um 2020 que caiu como um meteoro sobre os negócios – aumentando os desafios em alguns segmentos e impulsionando outros –, o ano que termina conseguiu entregar um pouco de tudo, e ninguém saiu ileso.
O setor entrará em 2022 com novos desafios, principalmente no aspecto econômico, mas já mais preparado para enfrentá-los do que estava há pouco mais de vinte meses. De acordo com o presidente da Associação Brasileira de Franchising (ABF), André Friedheim, a relação entre franqueadores e franqueados foi transformada, e cada um “ganhou novas atribuições, dentro de seus limites de atuação.”
Dessa forma, as unidades passam a encarar de forma mais natural o casamento entre varejo físico e digital, e as franqueadoras assumem uma postura mais consultiva, ligada no dia a dia das franquias. Os documentos legais também devem passar por revisões, tornando-se mais claros e acessíveis. “Os contratos de franquia, bem como outros documentos jurídicos, precisam ser entendidos pelas partes para que sejam consultados o tempo todo. E o entendimento faz parte da segurança jurídica”, explica Melitha Novoa Prado, sócia do Novoa Prado Advogados.
Américo José, sócio da Cherto Consultoria, acredita que o digital continuará transformando o setor ao longo do próximo ano, tornando a gestão mais ágil e o suporte mais assertivo. Confira, a seguir, quais são as tendências previstas para o setor em 2022:
1. Consultoria de campo híbrida
O consultor de campo é o profissional responsável por visitar as unidades franqueadas e conferir se todas estão funcionando de acordo com os padrões estipulados pela franqueadora. Além disso, como diz o nome, ele tem um papel consultivo ao ajudar os franqueados a identificar oportunidades de ganhos ou minimização de prejuízos. Com a popularização das videochamadas (ok, elas já estavam por aqui antes da pandemia, mas não se usava tanto), esse processo ficará mais barato para as franqueadoras. As viagens poderão ser reduzidas e o suporte do consultor pode ser até mais frequente do que era antes da pandemia.
2. Treinamentos online
Da mesma forma que a consultoria pode ganhar mais velocidade e constância, os treinamentos e as reciclagens também vão poder chegar às mãos dos funcionários e franqueados com mais agilidade. Isso já aconteceu ao longo de 2020 e 2021, mas os especialistas apostam que a materialização desse formato, enquanto processo, se dará ao longo de 2022.
3. Negócios sustentáveis
O consumidor abriu mais os olhos para as questões sociais e de sustentabilidade ao longo dos últimos anos e exigirá uma postura ativa dos negócios dos quais consome. Para Novoa Prado, em pouco tempo, não fará mais sentido não ter uma política clara de atuação socioambiental, o que abre uma oportunidade para quem trabalha na área.
Friedheim diz que a ABF já criou um comitê específico para o tema ESG (ambiental, governança e social, na sigla em inglês), que tem a missão de inspirar as marcas, mostrando cases reais. Um primeiro relatório deve ser apresentado na metade de 2022.
José, da Cherto, acredita que o tema pode transbordar os negócios tradicionais e dar origem a novas franquias sociais, a exemplo do que se vê com trabalhos como o da Gerando Falcões, de Eduardo Lyra, que utiliza metodologia parecida com a do franchising, amparada em processos.
4. Fusões e aquisições devem continuar
Sem dúvida, 2021 foi um ano importante para as consolidações do setor. Diversos grupos de franquia surgiram e muitas redes foram incorporadas. Teve a compra do China in Box e Gendai pelo grupo Trigo, dono do Spoleto, e a aquisição do grupo Único, dono da Imaginarium, pela Americanas – isso só para citar algumas.
As movimentações deve continuar em 2022, na visão dos especialistas, pois é uma forma de aumentar a escala das empresas e trazer mais profissionalização para a gestão das redes. “A tendência é de união das marcas para buscar um caminho mais sólido para esse mercado que se abre”, explica José.
5. Colaborações devem crescer
A união também acontecerá sem aquisições formais, na visão de Novoa Prado. A especialista diz que será comum ver marcas diferentes trabalhando juntas em campanhas ou até mesmo em pontos de venda. Ela cita como exemplo as dark kitchens, que se tornaram um hub de diferentes marcas no mesmo local. A tendência deve chegar também a lojas tradicionais, com atendimento ao consumidor. “O collab é uma onda que veio para ficar”, afirma.
6. Franqueados estarão mais informados
O perfil dos empreendedores interessados em franquias já vem mudando ao longo dos últimos anos, mas os especialistas acreditam que os novos prospects chegarão ainda mais informados na hora da negociação. Cientes dos desafios enfrentados pelas empresas, eles questionarão mais a capacidade de a franqueadora entregar o que promete. E as redes precisam ter as respostas.
7. Multifranqueados na mira das redes
Assim como o varejo em geral, o setor de franquias passou por encerramento de unidades, mas conseguiu segurar boa parte dos pontos por meio do repasse. O principal alvo dessas transações são os multifranqueados, que se tornaram empreendedores desejados por grande parte das marcas do país.
Multifranqueados costumam ter sua própria estrutura de backoffice para dar suporte às lojas e conseguem negociações melhores com shopping centers, por exemplo. A aposta é que esses empresários continuem abrindo caminhos para o setor ao longo de 2022.
8. Microfranquias seguem em movimento crescente
As redes que demandam um investimento inicial máximo de R$ 105 mil foram uma porta de entrada para novos empreendedores, vindos do desemprego ou de outros setores para o franchising ao longo dos últimos dois anos. Friedheim lembra que as microfranquias sempre se destacam em períodos de crise, e “certamente serão um dos motores de crescimento do setor.”
Os especialistas acreditam que o modelo tende a continuar forte no próximo ano, aumentando a escala de marcas já estabelecidas e ajudando a expandir novos negócios.
9. Estética, saúde e segmentos represados devem experimentar alta
As redes mais impactadas ao longo dos últimos dois anos, como as que atendem nichos de moda, turismo e eventos,devem sentir uma maior movimentação ao longo de 2022, justamente pela demanda represada. O desafio será alcançar o bolso fragilizado do consumidor e manter os preços competitivos com a alta generalizada de preços. Vale ressaltar, também, que muitas dessas empresas acabaram passando por momentos de intensos desafios e agora precisarão se reerguer para voltar com fôlego à corrida.
Além disso, segmentos que ganharam corpo ao longo da pandemia devem entrar em um processo mais estável, mas ainda crescente, como saúde, saudabilidade, farmácia, agro e estética em geral.
10. Startups avançam
A busca por inovação e pela otimização de recursos pode atrair ainda mais startups especializadas no setor. Essas empresas também podem trazer aprendizados de gestão para o sistema de franquias, como o olhar mais profissional para compliance e conceitos de sustentabilidade.
Thaís Kurita, sócia de Novoa Prado, diz que o setor tem muito a aprender com as startups. “É um movimento a ser observado de perto, porque dele pode surgir um novo modo de operar para todo o mercado.”
Fonte: PEGN