Por Roseli Lopes | Depois do boom de vendas de bens de consumo em 2020 e 2021, puxadas pelo aumento dos gastos no lar durante o isolamento social por causa da pandemia, o varejo arrefeceu em 2022 e terminou o ano com crescimento de 1%, o pior resultado desde 2016, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os comerciantes iniciaram 2023 com o desafio de lidar com vendas enfraquecidas em um cenário que conjuga juros elevados, aperto da política monetária e taxa de desemprego ainda alta.
“Entramos em 2023 com uma política monetária bastante restritiva, não apenas no Brasil, mas também em vários países, mostrando que os bancos centrais do mundo querem, deliberadamente, esfriar a economia para trazer a inflação de volta às metas, subindo os juros a patamares impeditivos. É natural prever que 2023 será um ano de menos investimento das famílias em aquisição de imóveis e bens duráveis e, consequentemente, de menor crescimento das vendas do comércio”, diz Braulio Borges, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV-Ibre) e economista da LCA Consultores.
Para o economista, novos cortes da Selic tendem a melhorar a economia mais para o fim do ano, mas principalmente em 2024, beneficiando o varejo. As condições desfavoráveis para a tomada de crédito e os juros elevados estão entre as duas maiores preocupações do setor, diz Alexandre Lucchesi, analista setorial da Lafis Consultoria. “Um cenário mais favorável ao crédito é bem-vindo diante dos últimos dois anos de aperto”, diz.
Uma das medidas recentes do governo que podem ajudar o comércio nos próximos meses é o programa Desenrola Brasil, lançado em 17 de julho em parceria com a Federação Brasileira de Bancos (Febraban). O objetivo é trazer para a economia quem tem dívidas com valor de até R$ 5 mil e renda mensal não superior a R$ 20 mil. “O Desenrola Brasil deverá permitir que milhões de consumidores voltem a ter crédito”, avalia Borges. Nas primeiras três semanas do programa os bancos renegociaram R$ 5,4 bilhões em dívidas.
Além de novos cortes da Selic e do Programa Desenrola, Borges diz que o governo aposta na aprovação no Congresso, nos próximos meses, do novo Marco Legal das Garantias de Empréstimos. A proposta é do governo anterior, mas o atual encampou por entender que se trata de uma boa medida, explica. O novo marco deve facilitar o uso das garantias de crédito, permitindo a redução do custo dos empréstimos. “Isso pode gerar uma revolução no financiamento”, avalia o pesquisador da FGV-Ibre. Segundo ele, os efeitos práticos da medida seriam de imediato sobre o mercado de crédito e, por extensão, sobre o comércio.
Apesar do cenário desafiador, a Lojas Cem, varejista de eletroeletrônicos e móveis da cidade de Salto (SP), mantém um crescimento sustentável devido ao modelo de negócio que já dura 70 anos. “Toda vez que o mercado passa por dificuldades conseguimos nos sobressair, porque sempre usamos recursos próprios. Compramos do fornecedor e pagamos à vista ou no menor prazo possível. E como somos uma empresa conservadora, 100% familiar, investimos 90% do lucro no próprio negócio. Não diversificamos”, conta José Domingos Alves, diretor da rede.
No ano passado, em plena desaceleração do comércio, a companhia registrou um dos melhores resultados de sua história: R$ 6,231 bilhões, que representaram um crescimento de 12,7% sobre 2021. “Em 2023, não está sendo diferente. Devemos fechar o primeiro semestre com um crescimento de 9,5%”, diz o diretor. Até hoje a rede não se rendeu às vendas pelo e-commerce. A empresa segue um rigoroso plano de, a cada dois anos, reformar e abrir novas lojas, que hoje já somam 305. À exceção de quatro, alugadas, todas funcionam em prédios próprios. Em 2022, a Lojas Cem destinou R$ 70 milhões para reformas e aberturas. Para 2023 e 2024 estão previstos perto de R$ 100 milhões para essas duas ações.
Uma particularidade por trás desse desempenho é a maneira antiga de venda a crédito: o uso do carnê da loja para financiar seus clientes. Como o financiamento é feito usando recursos próprios, a empresa ganha competitividade com o custo menor do empréstimo ofertado. “Cobramos juros de no máximo 3,47% ao mês a partir de quatro parcelas, enquanto na concorrência podem chegar a 12%”, diz Alves. A varejista tem lojas físicas em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paraná. “Outra política que adotamos é a de atuar em um raio de até 550 km de nosso centro de distribuição [em Salto], porque com isso conseguimos diminuir muito o custo”, conta o diretor.
Com 74 anos de mercado, a mineira Tambasa, atacadista com sede em Contagem, igualmente 100% familiar e com a terceira geração à frente dos negócios, quer crescer em 2024 com a ampliação de seu portfólio. A distribuidora de produtos não alimentares, materiais de construção, do lar, de proteção e segurança, entre outros, pretende dobrar seu mix, hoje com 25 mil itens à venda. A estratégia também inclui descobrir novos mercados, conta o sócio Alberto Portugal. “Um de nossos objetivos é entrarmos nas farmácias com produtos complementares, que são os de beleza, um dos segmentos nos quais não estamos até o momento”, diz o executivo. “Queremos com isso que nossos representantes possam ir a todos os clientes das cidades que visitam.”
Para aumentar o portfólio, a Tambasa está erguendo um terceiro galpão de armazenamento, de dois andares, com 45 mil metros quadrados e interligado aos outros dois, que somam 100 mil metros quadrados. O investimento no novo depósito é de R$ 185 milhões. “Estamos falando de mais 90 mil metros quadrados de área construída, ou seja, vamos praticamente duplicar a capacidade de armazenagem e de servir da empresa”, afirma Portugal.
A operação no novo galpão deve gerar perto de mil empregos. Na força de vendas, autônoma, serão em média mais dois mil representantes, além de mais motoristas, terceirizados, que fazem as entregas. Hoje, são 2,6 mil funcionários, 3,5 mil representantes comerciais e mil motoristas. A capilaridade é um dos pontos fortes da atacadista: das 5.568 cidades brasileiras, a Tambasa atende 5.300. Tem hoje 183 mil clientes ativos – aqueles que, nos últimos três meses, têm ao menos uma nota fiscal. Mas já chegou a 235 mil no último ano. “Número que nos enche de orgulho”, diz Portugal. “Queremos crescer também no e-commerce, onde atuamos no B2B.” Em 2022, a Tambasa faturou R$ 5,4 bilhões.
Com faturamento de R$ 18,6 bilhões em 2022, a Sertrading, empresa com 23 anos de atuação no comércio exterior, investiu, em junho, R$ 20 milhões em um centro automotivo próprio em um porto no Espírito Santo, o que permitirá à empresa oferecer às clientes montadoras armazenagem e serviço de inspeção pré-entrega. O investimento é parte dos planos da Sertrading de atuar de forma verticalizada junto aos clientes no que diz respeito aos serviços, como o de armazenagem.
“A operação da empresa se apoia em cinco pilares: logística, que é o serviço que prestamos para o cliente na importação; operacional, que trata de todo o trâmite da operação, incluindo a parte de documentos; apoio financeiro ao importador; planejamento tributário; e a parte de tecnologia. Dentro desses cinco pilares queremos crescer na logística com a verticalização, olhando para 2024”, diz Alfredo de Goeye, presidente da Sertrading.
A nova estrutura tem capacidade para movimentar quase 50 mil veículos por ano e também está preparada para atender veículos elétricos, importados da China. Em 2022, dos 65 mil veículos vindos do exterior e recebidos no porto, 30 mil foram trazidos para o Brasil pela Sertrading. A verticalização começou na empresa pelo setor automotivo, mas também poderá ser aplicada em outros segmentos de acordo com a demanda dos clientes.
“Nosso crescimento tem sido sustentável com o gerenciamento de toda a cadeia de produtos importados, seja matéria-prima ou produtos acabados. Começamos 2023 em linha com nosso crescimento nos últimos anos, com faturamento de quase R$ 10 bilhões no primeiro semestre, ante os R$ 22,5 bilhões estimados para o ano, e receita líquida de R$ 6 bilhões”, diz Luciano Sapata, VP e sócio da Sertrading. A expectativa é de aumento do volume importado no segundo semestre, que representa perto de 60% da movimentação da empresa, diz Sapata.
Fonte: Valor Econômico