Áreas com até 600 pessoas nos principais marketplaces tentam identificar criminosos e aumentar controles digitais
Por Adriana Mattos e Beatriz Olivon
Os “marketplaces” (shoppings virtuais) quase dobraram de tamanho após a pandemia – as vendas dos cinco maiores subiram 80% em 2020 – e passaram a receber das ruas a massa de produtos falsificados que antes invadia, especialmente, locais de comércio popular no país. Isso obrigou as empresas a montar megaestruturas (áreas com até 600 funcionários) para tentar identificar criminosos.
Como se trata de uma operação on-line de venda de itens de terceiros, as varejistas estão sendo mais pressionadas por órgãos públicos e pelo mercado a avançar nos controles de venda de itens ilegais – naquilo que o varejo apelidou de “camelódromo digital”. Os marketplaces movimentaram R$ 123,9 bilhões em vendas em 2020, 81% acima de 2019, diz a SBVC, a sociedade de varejo e consumo. Lideram esse segmento, nesta ordem, Mercado Livre, Magazine Luiza, Americanas, Via e Carrefour.
Ferramentas de averiguação de CNPJs, levantamento de volume transacionado por lojista – para identificar algum sinal de volume maior – são cruzadas com informações como o endereço e o tipo de produto vendido, versus a natureza da atividade. Até de troca de informações com clientes nas plataformas são avaliadas, segundo as companhias ouvidas pelo Valor.
“Um lojista registrado como uma floricultura e que começa a comercializar games ou o Playstation, é sinal um alerta e passamos para uma análise mais minuciosa do caso”, diz Leandro Soares, diretor executivo de “marketplace” do Magazine.
Esse movimento acontece num período de comunicação mais ativa com Procons e, em certos casos, com a força policial e órgãos do Ministério da Justiça. “A pirataria por óbvio se aproveita deste momento de crescimento para também aumentar sua participação no mercado, infelizmente”, afirma o Ministério, em nota enviada ao Valor. Não há, porém, um estudo específico, a respeito desse aumento após 2020, diz o órgão.
Nesta semana a Procuradoria Federal Especializada da Anatel disse que o Mercado Livre e outras empresas do setor devem ser responsabilizadas caso comercialiazem produtos piratas de telefonia.
Estados como o Rio de Janeiro atualizaram a lei de cobrança do ICMS permitindo a responsabilização das plataformas em caso de inadimplência dos vendedores ou venda sem emissão de nota. A ideia da Secretaria de Fazenda do RJ é tentar criar uma concorrência mais justo, e tentar diminuir burocracia e a sonegação fiscal.
O Estado de São Paulo não adotou uma ação específica tributária direcionada aos “marketplaces”. Mas a Secretaria da Fazenda e Planejamento iniciou recentemente a campanha “Empreenda Legal”, para autorregularização de empresas enquadradas como MEI ou Simples Nacional – a maioria dos atuantes no varejo on-line.
Há companhias que já se adequaram ao guia de autorregulamentação das plataformas, publicado em 2020, e outras que não assinaram o documento. O guia foi uma iniciativa da Senacon, a secretaria de defesa do consumidor, com participação do Conselho Nacional de Combate à Pirataria (CNCP). Nele, os “marketplaces” têm que seguir determinadas normas (como avaliação de sua atuação, em questionários enviados pela Senacon). Ainda define os donos de marcas ou produtos como responsáveis pelo anúncio do item falsificado. Em 2021 o conselho criou uma comissão para acompanhar os guias de boas práticas, entre eles o guia para o comércio eletrônico. A comissão irá analisar as adesões e propor aperfeiçoamentos. A previsão é que até o fim do ano haja um relatório final.
Já aderiram ao guia Americanas, Via, Magazine Luiza, Renner, entre outras – Mercado Livre entrou no grupo na semana passada. Foram 50 adesões, segundo o Ministério da Justiça. Não fazem parte do guia, principalmente, redes estrangeiras, que atuam na venda de itens de terceiros (não há venda direta no país), como Aliexpress, OLX e Shopee. Isso porque eles seguem o Marco Civil da Internet, que entende que a retirada de ofertas afeta a liberdade de expressão do titular do anúncio.
Procuradas pelo Valor, Aliexpress e Shopee não responderam aos questionamentos sobre o tema. A OLX informa que adota “ações proativas para identificar e excluir anúncios” que não estão de acordo a legislação. A empresa diz que atua ativamente junto a associações e órgãos do setor para desenvolver ações para melhorar identificar os casos. “Todos os anúncios da plataforma têm um botão para que os usuários que percebam alguma irregularidade possam realizar a denúncia, que é tratada em até duas horas por uma equipe especializada”. Sobre a não participação no guia, a OLX diz que o tema é tratado junto à Câmara Brasileira da Economia Digital, que representou as empresas nessa discussão do documento.
O Magazine Luiza informa que cruza uma série de iniciativas para melhor identificação de vendas de itens piratas, que envolve, por exemplo, a contratação de uma consultoria externa com robôs que vasculham a plataforma e canal de denúncia de atendimento com retirada do anúncios após o recebimento da reclamação ou suspeita do comprador. A rede tem uma parceria com o Sebrae para agilizar a orientação de empresas que querem se formalizar e a conseguir certificação digital.
“Temos alguns pontos inegociáveis que são venda de produtos proibidos, de itens de origem ilícita e que infringem propriedade intelectual. Nós recebemos o aviso de suspeita e retiramos o anúncio e então vamos verificar. Preferimos seguir esse caminho na tentativa de bloquear mais rapidamente eventuais danos ao cliente”, disse Soares. Segundo ele, a empresa monitora, inicialmente, a entrada do lojista na plataforma, para tentar identificar uma eventual irregularidade. “Um CNPJ inativado por exemplo, já é um alerta muito relevante na análise”, diz ele.
Outras varejistas também afirmam que tentar barrar na entrada a venda irregular. “[Temos] um sistema que utiliza algoritmos para a identificação de produtos dos sites que violam as políticas da Americanas. Outra solução é o chamado “apito” [sigla de Assistente de Propriedade Intelectual e Tratativa de Ofensas], único canal dedicado à proteção de propriedade intelectual desenvolvida internamente por uma plataforma de ‘marketplace’ ”, disse em nota a Americanas. A companhia ainda disponibiliza botões na plataforma para clientes fazerem denúncias.
Botões de denúncias são comuns, embora o uso não seja frequente. Por isso, o reforço das equipes internas de análise. No Mercado Livre, há um time de cerca de 600 pessoas de prevenção à fraude, que não cuidam só de pirataria mas fraude em geral.
Fonte: Valor Econômico