Cerca de um ano após o varejo começar a ser afetado em cheio pela recessão, ainda há um movimento acelerado de fechamento de lojas pelo país – que atingiu patamar de quase 100 mil pontos no ano passado -, segundo informações de grupos de varejo, associações de lojistas e federações de comércio ouvidas pelo Valor nos últimos dias.
As estimativas apontam para um volume de encerramentos no primeiro semestre superior ao verificado no mesmo período de 2015. São dados que acompanham a redução nos gastos do consumidor. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o consumo das famílias recuou 6,3% de janeiro a março, em relação a igual período do ano passado. A variação, divulgada ontem, ficou acima do projetado por analistas de mercado, que esperavam queda de 5,8%.
Análise da FecomercioSP, com base num estudo da Confederação Nacional do Comércio, Bens, Serviços e Turismo (CNC), prevê encolhimento do varejo, que pode levar a um empobrecimento do setor no país. O relatório da CNC estimou 96 mil lojas fechadas (saldo líquido, entre aberturas e encerramentos) em 2015. Se, na melhor das hipóteses, apenas for mantido este ano esse ritmo de encerramentos (acumulando, portanto, quase 200 mil lojas a menos entre 2015 e 2016), o varejo voltará para o volume de pontos de venda que existia em 2008. Naquele ano, havia cerca de 1,4 milhão de empresas de varejo no país, conforme relatório anual do IBGE.
Esse total variava de 1,6 milhão a 1,65 milhão de lojas em 2014, calculam consultores. “Se voltarmos [para o volume de 2008], acabaremos regredindo em quase uma década. Com isso, o movimento de evolução do varejo brasileiro, com criação de novos modelos de lojas, de diferentes tipos de serviços, fica comprometida porque investimentos caem e projetos mudam. Ruas de comércio especializado podem reduzir em tamanho e perdemos diversidade. Então, acho que teremos também um empobrecimento do varejo no país”, diz Fabio Pina, economista da federação.
Associações de lojistas de bairros consultadas verificaram uma migração de lojistas de pontos com maior metragem para lojas no formato de ‘box’, na tentativa de resistir à crise, sem desaparecer definitivamente do mercado. “Uma loja de vestuário que emprega em média, seis pessoas, consegue operar num box com até dois funcionários. Vimos lojas fechando e ‘boxs’ aparecendo em galerias e ruas nos últimos meses”, disse Richard Narchi, conselheiro da Associação de Lojistas do Brás (Alobrás), em São Paulo. “O comerciante vai desovando o estoque e, se a situação não melhorar, aí a etapa seguinte é fechar o ‘box’. Se melhorar, ele volta para a loja depois”.
Levantamento com dados atuais, também preocupantes, envolve o segmento de shoppings. Pesquisa realizada pelo Ibope, mostrou que em fevereiro havia 12,1 mil lojas vagas nos 498 shopping centers em operação no mercado brasileiro, equivalente a 15% da base total de 81 mil pontos. “Antes da crise, que começou a afetar mais o segmento em 2014, essa taxa de vacância estava entre 4,5% a 5%”, disse Luís Augusto Ildefonso, diretor da Alshop, a associação dos lojistas em shoppings.
Em shoppings mais novos, inaugurados a partir de 2013, quase a metade (45%) das lojas instaladas não foram alugadas ou vendidas, e estão vazias. Nos shoppings mais maduros, com pontos que tendem a ser mais disputados, essa taxa está em 9%. Cálculos feitos pelo Valor, com base nos relatórios de resultados das dez varejistas de capital aberto, mostram que, de janeiro a março deste ano, as redes fecharam 78 lojas e abriram 53. No mesmo período de 2015, foram 55 aberturas e apenas 13 fechamentos. O volume de encerramentos deste ano, portanto, foi seis vezes maior.
Ainda para efeito de comparação, os 78 fechamentos de janeiro a março equivalem a quase a metade do total de lojas encerradas ao longo de 2015 nas dez redes, quando o número atingiu 174 pontos.
A dificuldade maior do mercado hoje está em prever como ficará esse processo de encolhimento do setor no segundo semestre. Na primeira metade do ano, há sinais mais claros de um acelerado fechamento de pontos, mas a dúvida é se esse ritmo se mantém ou se acelera.
“Já houve uma ‘limpeza’ da base de lojas, com encerramento dos pontos deficitários, num primeiro momento. Isso, teoricamente, reduziria a pressão sobre novos fechamentos. Mas ainda há um cenário de incertezas políticas muito grande, com efeito direto sobre confiança dos investidores e do consumidor. Então é difícil uma previsão certeira considerando esse ambiente mais tumultuado”, disse Fábio Bentes, economista da CNC.
A expectativa é que, com uma maior oferta de pontos no mercado, abra-se espaço para consolidação maior do setor. Mas há quem acredite que esta deva ser uma consolidação mais lenta. “Há mais pontos fechados, mas eles não estão necessariamente nas melhores áreas”, disse Bentes.
No bairro do Bom Retiro, em São Paulo, com foco no varejo de vestuário e calçados, as primeiras lojas que deixaram de operar após o início da crise ficavam em ruas mais afastadas das áreas com maior tráfego de clientes, diz Nelson Tranquez, presidente da Câmara dos Dirigentes Lojistas do Bom Retiro. Segundo ele, nas cerca de dez ruas que compõe a área de comércio da região, dez lojas estão fechadas, mas apenas uma no chamado ‘centrinho’ do Bom Retiro, formado por quatro ruas de alto movimento. “Há cerca de 50 a 60 imóveis que eram locais de confecção de roupas em ruas do bairro, que foram fechados nos últimos anos. Isso por causa do crescimento na importação no passado. Esses locais continuam fechados e, agora, com a crise, a hipótese de ocupação dessas áreas diminui”.