Com 22 anos de tuação, Julio Ricardo Mottin Neto, formado em Economia pela PUCRS e especialista em Finanças e Gestão pela Harvard Business School, assumiu a presidência do grupo em janeiro de 2016.
No comando do grupo, ele reforça a criação de “produtos” como Ben, a inteligência artificial por trás de boa parte da comunicação nas redes sociais. Nesta quarta-feira (4), na sede do Grupo RBS, Julio relatou os avanços e os próximos passos da Panvel Labs, grupo que atua na sede da empresa, em Eldorado do Sul, criando ferramentas digitais.
O que vocês têm aprendido em São Paulo e o que tem acontecido nesse mercado?
A nossa entrada em São Paulo foi praticamente orgânica, em função da nossa taxa de crescimento, que são quase 40 lojas por ano. Temos uma presença grande no mercado do Paraná, com 65 lojas, concentradas em Curitiba, e temos 45 lojas em Santa Catarina. No Rio Grande do Sul, são 300 lojas. Só que a farmácia vem mudando muito ao longo do tempo, e essa capilaridade que temos no RS não vamos repetir em outro Estado, porque não compensa mais ter um volume muito grande de lojas.
Como São Paulo fica a 400 km de Curitiba, não é nenhum salto estratosférico. O nosso plano para lá é conservador. Respeitamos as redes que estão lá presentes, é um volume grande de marcas e lojas importantes. Vamos terminar o ano com cinco lojas na capital paulista.
Nosso foco lá foi muito parecido com o que fizemos em Curitiba e deu certo: primeiro entrar na classe alta, que é formadora de opinião. Existe um espaço para ocupar, que é o da entrega em casa, muito mal operado pelo setor local.
Você sempre fala sobre como o consumidor de fora do Rio Grande do Sul costuma valorizar as linhas próprias. É essa experiência que vocês estão tendo?
As linhas próprias da Panvel são um sucesso a parte, muito em função do trabalho de marca. Existe um conjunto de atributos muito grande com a marca Panvel, tanto é que colocamos a marca em tudo. É uma estratégia reconhecida no Brasil inteiro.
Quando uma empresa quer ter presença em redes sociais, precisa ter um assunto com as pessoas. Ninguém vai seguir uma página de Facebook em que o varejista coloque uma fralda por R$ 8,90. Escolhemos falar sobre beleza. Fomos convidados para ir para a Rússia por um laboratório importante, o Acimed, e a esposa do dono é usuária do nosso autobronzeador há 10 anos. Sem conhecer a Panvel, ela já usava os produtos. Somos uma farmácia com um Boticário dentro, é um diferencial importante.
Esse segmento, normalmente, é mais resiliente a crise. Foi assim que se comportou esse setor?
Nós estamos no quinto ano de crise. Vínhamos em um crescimento de 13%, até 16%, e nesse ano estamos beirando os 9%.
O fato é que o consumidor está com menos dinheiro no bolso. Estamos com muita dificuldade de aumentar o ticket (valor consumido) médio nas lojas, pois existe uma busca por produtos mais baratos. O percentual de clientes aumenta 6%, mas o ticket sobe 2%.
Não temos mais o efeito inflacionário. Com a inflação de 10%, 11%, a indústria de higiene e beleza aproveitou o aumento de preços por um bom tempo, e o consumidor absorveu devido à reserva de fundos. Porém, isso não acontece mais hoje. Desodorantes, por exemplo: se não temos o pack de dois por um, ninguém mais compra. Mudou o cenário. Está na hora de sair da crise.
Vocês estão desenvolvendo tecnologia digital dentro da Panvel. Como é isso e para onde isso vai?
A única maneira de desenvolver um diferencial é em casa. Se você chama alguém para comprar o software, a pessoa acaba pegando o teu conhecimento, desenvolve o diferencial e coloca no mercado para vender. Para trabalhar com inovação, precisa ter uma área dentro da estrutura.
Temos uma leitura muito clara do futuro: terá lojas, mas não muitas. São lojas mais inteligentes, onde os consumidores buscam economizar tempo. É o grande problema do mundo hoje: ninguém tem tempo para nada.
Na nossa moldura estratégica, tudo que a Panvel cria tem que passar por três pilares: gerar valor para o consumidor, tratar o consumidor como único e economizar tempo para ele.Eu te diria, tranquilamente, que a Panvel é a farmácia, ou talvez o varejo, mais inteligente do Brasil.
O consumidor pode fazer uma compra através do aplicativo e ir à loja só buscar a mercadoria. Se não tiver o medicamento, temos o PIP (prateleira infinita), sistema no qual o atendente faz a venda e entrega na tua casa em até uma hora. Além do Alô Panvel, que fazemos desde os anos 80, a compra via web também traz retorno. Hoje, essa combinação de iniciativas representa 10% do nosso faturamento. Nos últimos anos, cresce a uma taxa de 25%.
Como foi a montagem do Panvel Labs?
Não foi difícil, porque sempre tivemos a cultura de desenvolver em casa. Nunca compramos soluções prontas, montamos equipe ao longo do tempo. Nosso gerente de TI, o Alexandre, é uma das pessoas mais importantes da empresa. É difícil achar um cara que vá na loja e vibre com o que está funcionando. A equipe de tecnologia da informação é uma usina na empresa.
Temos um projeto fantástico, que vai entrar no ar até o final do ano: o nosso software de PDV. O mundo hoje é mais intuitivo, não existe mais manual. O software, então, vai funcionar em todas as plataformas. Na época de Natal, por exemplo: se a loja tem cinco checkouts, vai ter 10 ou 15, com pessoas usando tablets ou o próprio cliente fazendo a compra com celular.
Chegamos a estudar os tokens de autoatendimento, mas ocupam espaço muito grande na farmácia. Estamos caminhando para os tablets. Desmistificamos a questão do preço: se a pessoa comprou mais barato pelo aplicativo, é um prêmio por ter a Panvel no celular.
Vocês utilizaram a prateleira infinita (sistema de venda no local e entrega em casa) para driblar a crise dos transportes. Após a greve dos caminhoneiros, já normalizou para vocês?
Mais ou menos. O maior problema é que ficamos 10 dias sem receber nada lá de São Paulo, mas eu diria que já está normalizado. As motos pararam de funcionar. Nosso grande diferencial foi o aplicativo, porque o consumidor via onde tinha o produto e ia até a loja certa para buscar. Essa ferramenta foi útil no momento de crise.
No Rio Grande do Sul, vocês estão satisfeitos com o número de lojas? Vocês pensam em interiorizar mais?
Não estamos aumentando a nossa base de lojas em Porto Alegre, e sim realocando. Estamos fechando lojas pequenas, que ficaram antigas.
Andando por Porto Alegre, vemos que as zonas comerciais praticamente deixaram de existir, fora o centro. O comércio de rua deixou de ser importante. Estamos entrando em cidades pequenas, de 20 a 40 mil habitantes.
Como está se comportando o negócio farmácia? O modelo americano de farmácia, que é o modelo supermercado com medicamentos, poderia funcionar no Brasil? Não acontecerá?
Estamos caminhando para um modelo híbrido, diferente do americano. Na Panvel, você vai encontrar comida, salgadinhos funcionais, suco, água, mas não vai encontrar Elma Chips nem Coca-Cola. Os produtos são alinhados à nossa proposta de valor.
Não vamos caminhar para o modelo americano por uma questão de logística, preço e terreno. As cidades brasileiras são todas mal projetadas, cresceram para cima, de forma desordenada. Aqui (em Porto Alegre), levamos uma hora para sair da Zona Sul até a Azenha. Nos EUA, a questão logística é muito boa, tem uma distribuição mais horizontal que vertical. Com a distribuição vertical, o terreno fica muito caro.
O modelo de farmácia brasileira cresceu, mas vai parar por aí. Deve ficar entre 250m² e 300m². Nesse espaço, não dá para fazer um mix tão grande. Existe um movimento de fazer com que a farmácia tenha outros serviços, que é onde entra o Panvel Clinic.
A farmácia sempre foi onde se aplicava vacina. Foi criada uma legislação que permitiu a entrada das farmácias no mercado de vacinação, antes, muito restrito. Em uma clínica, os clientes pagavam R$ 150 por vacinas que a Panvel estava vendendo a R$ 72 agora. Das 70 salas que temos, 11 possuem vacinação, não apenas para gripe, mas também HPV, Hepatite B, pneumonia.
Temos 900 farmacêuticos treinados para conversar com o consumidor sobre intervenções medicamentosas. A farmácia tem o potencial para ser o primeiro elo da cadeia de saúde, em vez do último.
O plano é continuar ampliando esse serviço?
É continuar ampliando. Daqui a pouco, podemos ter médicos na farmácia. Os Estados Unidos já estão neste caminho.
Não vai dar problema com o Cremers?
Acho que não, acho que vai dar emprego para médicos, ajudar a distribuição para o interior, porque muitos deles acabam indo para grandes centros. Temos uma má distribuição que talvez possa ser resolvida pela farmácia.
Como está no mapa de vocês as startups, que também são uma forma de inovar?
A gente ainda não ligou as antenas para isso, mas eu acho que que é uma questão bem importante. O que sempre procuramos é estar junto delas. Assim que surgiu um Rappi, uma empresa colombiana que é uma espécie de “Uber de entrega”, estamos trabalhando com ela. Somos ágeis nesses segmentos.
Em São Paulo, eu tenho uma empresa com 400 lockers. Não preciso abrir 400 lojas para ter todas elas como pontos de venda: vamos entregar nesses lockers. É um ponto de atenção. Temos o Ben, a nossa inteligência artificial do Facebook, que atende a 60% das nossas interações de SAC.
Está consolidada a mudança da sede de Porto Alegre para Eldorado do Sul. Que tipo de avaliação vocês fazem desse movimento?
Foi o movimento mais difícil da nossa vida, transferir a sede com o barco andando. Os dois primeiros anos foram muito difíceis, mas o ambiente corporativo — decoração e arquitetura — é muito importante para a moral da equipe e a satisfação de quem está trabalhando. Nossa sede é importante para retenção das pessoas. Recomendo que as empresas façam isso: a gente vive com pessoas felizes trabalhando para nós.
O que vocês estão vendo de cenário econômico e quando termina a crise?
Vimos a saída do governo Dilma, que foi desastroso e teve aquele desequilíbrio com a Petrobras. Entrou o Temer, que soube colocar boas pessoas e deu uma tranquilidade. Agora, o problema é a corrupção, que chegou ao governo dele também. O ano de 2018 não é de recuperação: o traçado para este ano é complicado, temos três candidatos que não sabemos bem o que é cada um.
Me parece que, talvez, a Marina tenha uma capacidade de governar maior que os outros dois, porque vai ter menos briga. Antes do quadro eleitoral definido, dificilmente vamos ter um cenário de recuperação.
Participo de um grupo de empresários que procura ter uma influência no governo gaúcho. Falamos muito sobre a reforma da Previdência, que não dá mais para pagar os custos desproporcionais para o setor público. Acho que o governo fez uma boa coisa, que é a reforma trabalhista.
Precisamos, de alguma maneira, criar um modelo pró-negócio no Brasil. Eu acho que deveria acabar o Ministério do Trabalho. Tinha que ter o Ministério do Empreendedorismo, porque quem defende o emprego não é o Ministério do Trabalho, são as pessoas que têm coragem de abrir uma empresa, enfrentar as dificuldades e gerar empregos. Eu tive a oportunidade de falar isso para o governador e os candidatos.
Você tem uma frase muito boa que é: “o surfe ajuda a lidar com crises”. Segue surfando? Que lição é essa?
Não tanto quanto eu gostaria. O surfe é interessante. Em primeiro lugar, o mar nunca está igual, diferente do campo de futebol e da quadra de tênis. No mar, você desenvolve uma certa paciência, de conviver com os elementos da natureza e dizer que as coisas são do jeito que são. Essa paciência é uma certa sabedoria.
Outra coisa importante é que o surfe te ensina a não resistir demais, a ser mais fluido, andar junto com as tendências. Sempre que resistimos à onda, ela é muito mais forte. Não podemos criar essa resistência. E, por último, aprendemos a saber a hora de sair, porque tem uma hora em que a onda fecha.
Fonte: Zero Hora