Via obtém licença do Banco Central para operar o BanQi, seu banco digital, como uma instituição financeira
Por Luiz Henrique Mendes
“Quanta gente, quanta alegria. A minha felicidade é um crediário nas Casas Bahia”. O refrão chiclete dos Mamonas Assassinas, banda que fez sucesso nos anos 1990, era uma alusão à forma encontrada pela varejista para dar crédito a uma população de baixa renda que também queria eletrodomésticos.
Quase três décadas depois, a dona das Casas Bahia quer aproveitar a capilaridade das lojas físicas e digitais e o conhecimento que adquiriu dos hábitos da Classe C para fazer empréstimo pessoal a um contingente relevante de desbancarizados e negativados, fortalecendo a vertical de serviços financeiros da Via (ex-Via Varejo).
A varejista obteve ontem a licença do BC para que o BanQi — o banco digital da Via — passe a atuar como uma instituição financeira, oferecendo empréstimos na modalidade de Sociedade de Crédito Direto (SCD).
A ambição da varejista é ir bem além do tradicional crediário, um negócio que já é representativo (a carteira de crediário passava de R$ 4,6 bilhões em março, respondendo por um terço das vendas nas lojas físicas da companhia). Nos planos, uma meta de R$ 16 bilhões em crédito pessoal, diz Andre Calabro, executivo chefe de finanças e estratégia do BanQi.1 de 2 BanQi: Via Varejo separou R$ 300 milhões de capital próprio para empréstimos — Foto: Divulgação
BanQi: Via Varejo separou R$ 300 milhões de capital próprio para empréstimos — Foto: Divulgação
“O crediário é muitas vezes a única via de acesso para que uma pessoa da Classe C possa adquirir um produto, mas conhecemos esse cliente e muitas vezes eles também precisam de crédito para outras coisas. Para pagar dívida, investir em educação”, conta Calabro.
A partir desse diagnóstico, a Via construiu a entrada em empréstimo pessoal. Antes mesmo de obter o aval do Banco Central, a varejista já vinha organizando uma fila de espera de interessados.
Aproveitando a base de clientes pré-aprovados no crediário (16 milhões de pessoas) que agora também estão aptos a tomar crédito pessoal no BanQi, a companhia enviou mensagens e já conta com 250 mil interessados no novo produto. O limite médio para concessão é de R$ 2 mil, mas os valores emprestados podem variar de R$ 800 a R$ 15 mil, com até um ano e meio para pagar.
“Começo a liberar agora, mas o cliente já disse quanto e para o que quer o empréstimo”, explica o executivo. Ao declarar o interesse na oferta, o usuário ainda não cadastrado no BanQi abre sua conta digital — atualmente, são mais de 2 milhões de contas.2 de 2 Via também vai promover crédito na clientela do Ponto (antigo Ponto Frio) e para não clientes — Foto: Reprodução
Via também vai promover crédito na clientela do Ponto (antigo Ponto Frio) e para não clientes — Foto: Reprodução
Inicialmente, os empréstimos do BanQi serão financiados com capital próprio da Via. O conselho de administração da companhia já liberou R$ 300 milhões para esse fim em 2021. A expectativa é que o negócio ganha tração a partir do ano que vem.
“Trabalho há 30 anos e vim do mercado financeiro. O ritmo do varejo é alucinante, com uma demanda e receptividade absurda aos novos produtos”, afirma Calabro, que antes de ser contratado pela Via, no ano passado, fez carreira nos bancos PAN, Santander e no Grupo Recovery — firma de recuperação de crédito.
Para chegar à meta de R$ 16 bilhões revelada por Calabro, a companhia naturalmente trabalhará com outras estruturas de funding, como a emissão de FIDCs. Por ser uma Sociedade de Crédito Direto, o BanQi não pode pode se alavancar como um banco tradicional.
A Via confia que, mesmo concedendo empréstimos a um grupo com maior risco de crédito, a inadimplência ficará sob controle. “Quando os clientes têm uma experiência de crédito conosco, a taxa de inadimplência é quatro vezes menor. Pela relação de confiança, ele nos prioriza dentro da vida financeira”, argumenta o executivo. Em março, o nível de perda da carteira de crédito da varejista atingiu o menor patamar em 15 meses, chegando a apenas 2,4%.
Para a varejista, o crédito pessoal é também uma firma de fidelizar o cliente, o que pode se traduzir em maior recorrência de compras nas lojas físicas ou digitais. Os serviços do BanQi também reforçam o novo posicionamento da Via, que tirou o varejo do nome para ampliar o escopo de atuação.
Na bolsa, a Via está avaliada em R$ 23,6 bilhões. Os papéis caíram 8,3% em 2021.
Fonte: Pipeline Valor