Quase 20 anos após trazer ao país a cadeia de material de construção Leroy Merlin, o grupo francês Adeo, da família Mulliez, vai abrir duas novas redes no Brasil de uma só vez. A cadeia de atacado da construção Obramax e a rede de decoração e itens para casa Zôdio devem inaugurar suas primeiras unidades entre dezembro e janeiro. Com 14 cadeias de varejo na Europa e Ásia, o grupo é o terceiro maior do setor no mundo – vendeu EUR 19 bilhões no ano passado.
O maior investimento inicial é na Obramax, cuja primeira loja, em fase de construção na zona leste de São Paulo, custará R$ 110 milhões (cerca de R$ 70 milhões apenas o terreno) e deve ser inaugurada entre fim de 2017 e início de 2018, disse o francês Michael Reins, diretor-geral da Obramax e ex-diretor financeiro da Leroy Merlin. O plano é abrir dez unidades da Obramax em cinco anos num investimento total de quase R$ 1 bilhão, antecipou ontem o Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor.
Paralelamente, está também em construção a unidade da Zôdio, no mesmo terreno da Leroy Merlin na Marginal do Tietê, zona norte de São Paulo, dentro de uma estratégia de utilizar o tráfego gerado pela rede de material de construção. Ficará numa região de competição acirrada, que os executivos chamam de “Faixa de Gaza” pelo alto tráfego e agressividade promocional das várias redes do setor. Quem comanda a operação da Zôdio no país é Gauthier Lenglart, ex-diretor financeiro da cadeia na França.
O Valor apurou que o trabalho com a Zôdio foi acelerado para abertura antes do Natal – a unidade deve ser inaugurada em 5 de dezembro. A marca concorre com Etna e Tok&Stok. O mercado já vinha acompanhando a movimentação da Adeo nos últimos meses por conta da contratação de funcionários de redes rivais. A Obramax tirou executivos da BR Home Center, da Etna e do Walmart. A Zôdio contratou na Decathlon e Telha Norte, entre outras.
A familia Mulliez controla 85% do grupo Adeo. Os 15% restantes pertencem a funcionários que também são acionistas. O grupo apurou alta de 11% nas vendas em 2016 e cresce em média 7% ao ano. Em termos globais, só é menor que as americanas Home Depot e Lowe’s. O investimento aqui será o primeiro da Adeo fora da Europa para os dois negócios, atacado de construção e varejo de decoração.
O grupo entra em dois mercados com diferentes níveis de concorrência: com a Zôdio vai enfrentar no segmento de decoração uma rivalidade mais forte. Há algumas grandes marcas nacionais nessa área, melhor estruturadas, e que apesar de enfrentarem fase de vendas fracas, têm a presença de fundos e investidores de peso, como Carlyle, dono da Tok&Stok. Tanto esta rede quanto a Etna sentiram a crise no consumo e perderam vendas – em 2016, a venda da Tok&Stok caiu 3,5%.
É o oposto do que se vê no atacado da construção com a Obramax. Apesar de ser um mercado também afetado pela crise, a rede enfrentará baixa concorrência nacional, já que não há um grande competidor neste setor – a maioria dos grupos tem atuação local, com uma unidade apenas. Em São Paulo, entre as principais empresas estão Cofema, Megaleste e Construja. Entre as grandes cadeias, apenas a Telha Norte, do grupo Saint Gobain, tem operação de atacado, com a Pro Telha Norte, com duas unidades na capital paulista.
Questionado sobre o prazo de retorno do capital aplicado, que se amplia por conta da recessão, Reins diz que o grupo tomou a decisão de trazer a Obramax ao país em 2014, em plena crise política, tendo como referência os retornos já gerados pela Leroy.
“Precisamos lembrar que quando a Leroy entrou aqui não eram anos fáceis [o PIB não cresceu em 1998] e os resultados vieram. É um período mais difícil para o varejo brasileiro, mas há uma crença de que é algo passageiro. E eles [família] não têm a pressão dos investidores, porque a operação é de capital fechado. Não têm que dar satisfação a ninguém”, diz Reins.
Para a Obramax, o plano envolve uma segunda abertura na Praia Grande (SP) no fim de 2018. Em teoria, diz o executivo, o negócio de atacado “não é para ter centenas de lojas”. O foco está em áreas mais urbanas, com acesso fácil para pequenos comerciantes, profissionais autonômos e consumidores. Rivais como a Casa do Lojista e Eletroleste já têm lojas em terrenos bem localizados em São Paulo.
“O problema é que no Brasil esses terrenos ainda estão muito caros, então vamos buscar soluções. Podemos ter lojas centrais, mas menores”, diz. Ainda haverá venda on-line e por telefone a partir do fim do ano. As unidades deverão ter menor variedade de produtos em comparação com a Leroy. Líder no varejo de construção no país, a cadeia tem até 80 mil itens por loja. A Obramax deve ter 17 mil.
A empresa não menciona projeções para vendas nos primeiros anos e diz apenas que estima mil transações por dia (mas não fala em tíquete médio esperado).
Questionado se a Obramax pode “canibalizar” a operação da Leroy, concorrendo e tirando parte de seu mercado, Reins entende que são públicos diferentes, apesar de admitir alguma concorrência. “Tem um risco, mas pelas nossas pesquisas, a Leroy atende mais o público feminino, de classes A e B, é voltada para pessoas físicas. A Obramax tem perfil mais masculino, de profissionais do setor, apesar de as pessoas poderem comprar livremente, e de classes B e C”.
Na Europa, o grupo usa no atacado a marca Bricoman, mas para o Brasil decidiram criar um nome específico. Na unidade em construção na Mooca, será possível levar todos os itens no momento da compra ou decidir pela entrega em 24 horas – uma opção que ele acredita que responderá por 40% a 50% da receita (na Europa é 10%). Não haverá compra conjunta da indústria entre as redes Obramax e Leroy. “Passou pela cabeça, mas decidimos não fazer isso. Temos políticas comerciais diferentes, não temos a bonificação do varejo, nem fazemos propaganda como o varejo. É outra operação”, afirma ele.
Fonte: Valor Econômico