Se inovar é pensar fora da caixa e romper padrões, poderia se imaginar que as franquias, com seu conceito de unidades padronizadas, estão fora dessa lógica. Mas, essa ideia mostra-se descabida quando se analisa os dados sobre franchising no Brasil: de acordo com a Associação Brasileira de Franchising (ABF), quase 92% das franqueadoras introduziram algum tipo de inovação em seus negócios entre 2014 e 2016. Entre as inovações estão lançamento de novos produtos, novas técnicas de gestão e outras estratégias que mostram que as franquias não só são capazes de sair da caixa, como conseguem usar a padronização ao seu favor para replicar a inovação de maneira ágil.
O presidente da ABF, Altino Cristofoletti Junior, destaca que o conceito da padronização de lojas é, sem dúvida, um desafio principalmente para grandes redes que precisam inovar. Mas ele garante que o conceito pode ser muito mais positivo, tendo em vista que ele permite a implantação das mudanças de forma segura e rápida em todas as unidades. “É justamente essa interligação que existe entre franqueador e franqueado e o fato de eles terem o mesmo objetivo, que permite a franquia ter um grau de inovação muito maior do que se fosse um empresário sozinho”, analisa.
Mas ele ressalta que, justamente por causa do modelo estrutural mais fechado nesse setor, a inovação que é possível no franchising não é a do tipo “disruptiva”, mas a contínua. “No nosso segmento você não verá inovações que mudam toda a lógica do negócio, que é o tipo de inovação que a Uber propõe, por exemplo. Não estamos falando de alterações significativas de abordagem, mas de melhorias constantes de processos, de gestão, de capacitação”, explica.
Em 2017, a ABF divulgou a Pesquisa de Inovação nas Franquias Brasileiras, desenvolvida pela Fundação Dom Cabral (FDC) e pela Confederação Nacional de Serviços (CNS). O levantamento mostrou que 50,7% dos entrevistados concordaram plenamente e 28,7% concordaram parcialmente que a inovação ampliou sua participação no mercado. Já para 43,1% delas, houve plena concordância de que as iniciativas inovadoras aumentaram sua rentabilidade.
Para o presidente da ABF, a crise econômica vivida pelo País pode ter influenciado no engajamento do empresário em ações de inovação. “A necessidade fez com que redes e franqueados ficassem incomodados com o resultado ruim e se colocassem numa posição de trazer coisas melhores, em vez de ficar chorando o leite derramado”, afirma.
Mardelle – Com sede em Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, a franquia especializada em lingerie e pijamas Mardelle é um exemplo de franquia que persegue a inovação. A empresa implantou mudanças não apenas em sua produção, mas também em sua gestão e na formatação de suas lojas. De acordo com o diretor da rede, Marcus Vinícius Ferreira Gonçalves, uma das inovações mais importantes vividas pela empresa foi também um teste de perseverança para a gestão. Em 2013, o diretor decidiu trazer para marca um tecido diferenciado de fibra de bambu, que além de ecologicamente correto, é muito mais confortável e aderente ao corpo.
Gonçalves lembra que a implantação do novo produto custou muito aprendizado e retrabalho. “A fibra de bambu é um tecido de difícil manuseio. Ele precisa ser todo desenrolado e descansar por, pelo menos, 15 dias, senão ele encolhe. Mas, até entendermos todo esse processo perdemos muitas peças e tivemos que tirar algumas que já estavam à venda nas lojas”, conta. O diretor afirma que o prejuízo inicial chegou a R$ 150 mil, mas garante que não se arrependeu em inovar. Hoje, as lingeries de fibra de bambu representam 50% das vendas em lingerie e 30% das vendas totais.
Outra inovação é a adoção de um sistema de gestão em nuvem. O diretor destaca que, hoje, a tecnologia é mais comum, mas há oito anos, a marca foi uma das primeiras a utilizá-la. Segundo ele, o investimento foi de R$ 100 mil e o objetivo era ancorar a expansão da rede a partir de uma metodologia única de gestão. Além disso, ele destaca que a tecnologia permitiu que os franqueados tivessem um controle muito mais próximo dos seus negócios.
Inovação também foi a palavra que motivou Gonçalves a se posicionar no segmento de franquias de lingerie com um modelo diferenciado de loja. O diretor afirma que, desde o lançamento da marca, seu objetivo era construir um formato que fosse bonita e completa, mas, por outro lado, não exigisse um investimento tão alto do franqueado. Para isso, ele firmou uma parceria com o fornecedor de mobiliário em Santa Catarina, que hoje é o responsável por todos os móveis das lojas da Mardelle.
Atualmente, a Mardelle produz 160 mil peças por mês, entre lingerie e pijamas, em uma fábrica que ainda tem 40% de capacidade ociosa. Ao todo, a marca tem 25 franquias em Minas Gerais, São Paulo, Paraíba, Rio Grande do Norte e Bahia. Em 2017 a rede faturou R$ 26 milhões e a expectativa deste ano é alcançar receita de R$ 30 milhões.
FRANQUEADO É PARTE ESSENCIAL NO PROCESSO DE INOVAR
Na busca pela inovação no franchising, o franqueado aparece como um dos principais atores. O presidente da ABF, Altino Cristofoletti Junior, lembra que é o franqueado que “está na ponta” da marca, entendendo o perfil de consumo do cliente e, por isso, ele é tão importante para trazer feedbacks para possíveis mudanças.
“A motivação para o franqueado inovar é o resultado do seu negócio. Ele precisa entregar uma proposta de valor para o cliente e para isso precisa ouvi-lo. O franqueador, por sua vez, tem o papel de pensar na rede inteira e analisar se aquela ideia cabe para todas as unidades”, diz.
Lavanderia – Inovar localmente e ver sua ideia repercutir em outras franquias da rede foi a experiência do empresário André Bernardes de Castro, que é proprietário de duas unidades da lavanderia 5àsec em Belo Horizonte. A rede de lavanderias está presente em 32 países, tem 438 unidades no Brasil e é focada no consumidor final, que leva roupas do dia a dia e roupas de cama para lavar. Pressionado pela crise econômica no ano passado, o empresário de Belo Horizonte passou a procurar novos consumidores e acabou encontrando nos hotéis da cidade uma demanda reprimida.
“Com a crise os clientes sumiram e eu não podia ficar esperando sentado. Comecei a pensar em quais empresas poderiam precisar de serviços de lavanderia. Os hotéis são um grande nicho. Além das peças que precisam ser lavadas, por lá passam muitos hóspedes que também precisam do serviço de modo particular”, destaca.
Ele explica que o início não foi fácil, mas logo foi conquistando os hotéis, que hoje já somam 20 em sua carteira de clientes. Além de todo enxoval dos hotéis, a empresa ainda cuida dos uniformes dos funcionários e de peças dos hóspedes, que solicitam o serviço. O novo perfil de clientes levou as unidades belo-horizontinas a aumentarem em 50% seu faturamento, além de trazer ganho de produtividade, tendo em vista que a equipe ficou com menos tempo ocioso.
A ação bem-sucedida nas unidades franqueadas acabou se tornando um exemplo a ser seguido para outras unidades. O diretor de franquias da 5àsec, Alex Quezada, destaca que esse tipo de iniciativa é incentivada no negócio, assim como a troca de informações e conhecimento de ambos os lados. “A inovação é uma iniciativa simples, mas que foi bem planejada e desenvolvida, proporcionando um aumento na demanda das unidades. Hoje, grande parte dos 457 pontos de operação espalhados pelo Brasil está investindo em ações semelhantes, o que contribui de forma efetiva para o crescimento e fortalecimento da rede em diferentes estados”, diz.
Fonte: DCI