Por Fernanda Guimarães e Monica Scaramuzzo | Com forte pressão de caixa, um grupo de empresas de capital aberto está recorrendo ao bolso de seus controladores para uma injeção de capital para conseguirem um respiro em seus balanços, diante de um período longo de juros altos e de crise em alguns setores, como varejo e saúde. Os desembolsos já somam cerca de R$ 22 bilhões nos últimos 12 meses, segundo levantamento feito pelo Valor.
O maior aporte de recursos, de R$ 12 bilhões, será capitaneado por Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles, na Americanas, colocado como obrigatório pelos credores da companhia para um acordo, após a descoberta da fraude contábil. Na empresa do setor de saúde Dasa, a família Bueno teve de colocar dinheiro em dois momentos, diante da alta alavancagem da companhia. No último aporte, anunciado neste mês, a família vai colocar R$ 1,5 bilhão – dinheiro que vai assegurar que a empresa não quebre os “covenants” de endividamento máximo, em um aumento de capital privado. Em paralelo, a Dasa também venderá ativos.
Outra empresa do setor de saúde, a Oncoclínicas também lançou mão de um aumento de capital de R$ 1,5 bilhão, com R$ 1 bilhão do banco Master, que ainda vai financiar o restante a ser feito pelo fundador da empresa, Bruno Ferrari, recurso que vai ajudar a reduzir a alavancagem da empresa.
Segundo levantamento da FTI Consulting feito ao Valor, desde novembro foram cerca de 30 aumentos de capital, com 80% dos casos voltados para equilíbrio financeiro. Da lista, 10 empresas estavam queimando caixa (Ebitda negativo) e 15 estavam com uma alavancagem acima de 5 vezes. “Muitas empresas aguardaram para tentar fazer captações e a melhora da economia, até que não se pode mais esperar. Quem tem alternativa de fazer um aumento de capital, recorre a esse instrumento”, diz Luciano Lindemann, da FTI. Ele destaca uma maior concentração dessa lista de empresas no setor de varejo, infraestrutura e construção.
O executivo afirma, por outro lado, que as empresas precisam, mesmo com a injeção de capital, olhar as razões que levaram a um aumento de alavancagem – e que essas questões precisam ser endereçadas. “Dificilmente a mera entrada de liquidez e redução de alavancagem resolvem o problema por si só”, comenta.
O contexto econômico também tem contribuído. “Esse movimento faz parte do quadro atual do Brasil, com janelas fechadas para oferta inicial de ações [IPO, na sigla em inglês] e poucos ‘follow-ons’ [oferta subsequente de ações]”, diz Eduardo Terra, conselheiro de empresas de varejo e presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo. “Há casos de empresas com problemas estruturais em que os controladores avaliam que é mais vantagem fazer a capitalização para evitar perder mais à frente, muitas vezes porque já ganharam muito dinheiro com o negócio e veem retorno no médio e longo prazo. Há outros casos, porém, em que preferem jogar a toalha.”
Com o macro ainda incerto, mais empresas devem precisar de mais recursos para ajustar as contas. Daniel Calori, da Íntegra Associados, aponta que o endividamento das empresas segue crescendo e que, com isso, mais grupos vão precisar passar por reestruturações, o que pode incluir aumento de capital por parte do controlador. Ele lembra que, além de garantir a solvência nas empresas, há casos em que os controladores olham o preço depreciado das ações e identificam que há oportunidade de entrada, por acreditarem em valorização futura.
O executivo frisa, por outro lado, que em paralelo ao aumento de capital, as empresas precisam fazer a lição de casa para resolver o problema, ou o dinheiro injetado vai rapidamente escoar do caixa. Muitas vezes, lembra Calori, bancos credores, ao negociar alongamento de prazos, pedem em contrapartida um aumento de capital.
Já aquelas empresas que não têm a figura do controlador ou têm um que não quer aportar mais recursos, diz o executivo da Íntegra, precisarão passar por um processo mais formal de reestruturação, como ocorreu com Casas Bahia, que após acerto com seus principais credores entrou com pedido de reestruturação extrajudicial.
Lindemann, da FTI, afirma que as empresas sem controlador – ou com um que não queira ou possa colocar mais recursos, ou seja, sem a possibilidade de aumento de capital para sanar o problema – acabam buscando outras alternativas, o que no limite pode levar a buscar investidores mais afeitos ao risco, tal como gestoras de “special sits”, mais acostumadas com empresas estressadas financeiramente.
Esse movimento faz parte do quadro atual no país, com janela fechada para IPOs e follow-ons”
— Eduardo Terra
O mercado de capitais adverso também tem demandado uma maior participação dos controladores, até mesmo para garantir o aumento de capital necessário.
No ano passado, por exemplo, a família Pinheiro teve de aportar na operadora de plano de saúde Hapvida em seu “follow-on”, que teve como objetivo ajustar o balanço da operadora de saúde. Na Ambipar, também em um “follow-on”, o controlador, Tércio Borlenghi Junior, também teve de aportar diante de um mercado difícil para ofertas de ações.
Na Lojas Marisa, que passa por reestruturação financeira nos últimos anos, a família Goldfarb também vai fazer uma capitalização de cerca de R$ 550 milhões, segundo fontes. Neste ano, a família Trajano acertou aumento de capital de R$ 1,25 bilhão no Magazine Luiza, dos quais o BTG poderá subscrever R$ 250 milhões.
Em comunicado ao mercado, a Oncoclínicas divulgou meta de alcançar uma alavancagem financeira de 2 vezes o endividamento líquido sobre o Ebtida anualizado do quarto trimestre. Ambipar e Marisa não comentam o assunto.
Em nota, a Hapvida informa que o “último aumento de capital, realizado em abril de 2023, foi feito num contexto de reforço de caixa e otimização da estrutura de capital da companhia. De lá pra cá, a companhia permanece reduzindo sua alavancagem a partir da saudável e robusta geração de caixa operacional. Não há, nesse momento, qualquer operação de aumento de capital em curso”.
De acordo com o Magazine Luiza, o aumento de capital privado realizado em janeiro deste ano é uma manifestação de confiança das famílias controladoras na empresa e em seu modelo de negócio. “A operação teve adesão recorde dos acionistas minoritários: 75%. Os recursos aportados estão sendo usados para acelerar os investimentos em tecnologia da companhia, além de aprimorar sua estrutura de capital.”
A Dasa reiterou que a transação é parte de um conjunto de iniciativas operacionais e estratégicas, com diferentes estágios de maturidade, voltadas à redução da alavancagem, ao estabelecimento de uma sólida posição financeira e à maior capacidade de investimento. O aporte de R$ 1,5 bilhão reforça o compromisso de longo prazo dos acionistas controladores.
Fonte: Valor Econômico