Por Lucianne Carneiro | Com a pressão da inflação, os consumidores brasileiros mudaram seus hábitos de consumo e a parcela daqueles que visitam mais de oito tipos de canais de compras no mês aumentou. A fatia, que era de 18,9% em 2021, passou para 26,9% em 2022, segundo o estudo “Consumer Insights 2022”, produzido pela consultoria Kantar e antecipado com exclusividade ao Valor.
“Em momento de crise, incerteza econômica, inflação e corrosão do poder de compra, o consumidor tem que fazer o dinheiro render mais, encaixar o orçamento no bolso. Uma das formas é aumentar a chamada ‘omnicanalidade’. Vou em mais canais procurar o melhor acordo, as melhores promoções”, afirma Rafael Kröger Couto, diretor de análises avançadas da Kantar.
Mudança de hábito tem relação com busca por preço, mas momento do mês e conveniência também influenciam
Os dados se referem ao consumo de bens de giro rápido, ou seja, não-duráveis, como alimentos, bebidas e produtos de higiene e limpeza. Entre os canais de compras pesquisados estão hipermercados, supermercados de diversos tamanhos, atacarejos, lojas de departamento e farmácias.
“No comportamento geral do consumo, a gente vê maior fragmentação das compras. É um aumento da frequência de compras, mas uma redução do volume por ocasião. O consumidor vai mais ao ponto de venda, mas leva menos, mesmo que no total esteja levando a mesma quantidade”, diz Couto.
Os consumidores que visitam mais de oito canais de compras são classificados como experientes pela Kantar. Há outros dois grupos, segundo a consultoria: os cautelosos, que visitam até quatro canais de compras; e os dispostos, que visitam de cinco a sete canais. Este último grupo é o maior: representava 55,3% dos consumidores em 2021 e passou a 56,2% em 2022.
Esse aumento de consumidores com maior dinâmica de visita aos canais de compra ocorreu paralelamente à redução na outra ponta: a fatia dos consumidores que frequentam apenas até quatro canais de varejo por mês caiu de 25,1% em 2021 para 16,7% em 2022.
Na rotina da Rede SP Supermercados (associação de redes regionais do interior de São Paulo e do Mato Grosso do Sul, com 200 lojas), a retomada de visitas a mais canais pelos consumidores e o aumento da frequência de compras são percebidos pelo diretor Luiz Roberto Baruzzi.
A tendência de compras concentradas durante a pandemia – pela necessidade de isolamento – ficaram para trás, segundo ele, e há busca maior por preço. “A gente vê um efeito da inflação. O consumidor vai em muitos canais em busca de ofertas e melhores preços. A guerra de preços está mais forte entre as redes”, diz Baruzzi.
Um dos sinais dessa busca por preço é o avanço das marcas próprias dos supermercados, que tendem a ser mais baratas. Na Rede SP, enquanto a expansão geral de faturamento foi de 10% em 2022 (comparando lojas em funcionamento há mais de um ano), as vendas de itens de marcas próprias cresceu 50%.
“Em geral, a gente vê uma migração para produtos mais baratos. O cliente está aberto para marcas próprias, que saem mais em conta para ele. E elas acabam tomando espaço de outras”, afirma.
Neste momento em que a inflação afeta mais as decisões de compra, diz o presidente da Associação dos Supermercados do Estado do Rio de Janeiro, Fábio Queiróz, ganham ainda mais importância as negociações com fornecedores.
“Existe um legado da pandemia que é o varejo e a indústria trabalhando cada vez mais a quatro mãos. Estou vendo os supermercados estreitando as parcerias com seus fornecedores. Isso tem sido cada vez mais importante”, aponta o executivo.
Para o empresário Sérgio Duarte, presidente da Associação de Indústrias do Estado do Rio (Rio Indústria) e da marca Chinezinho, de cereais e farináceos, molhos, chás e temperos, a migração de consumidores para múltiplos canais de compra reflete uma combinação de fatores.
“Tem o efeito da inflação, da perda de renda que obriga o consumidor a fazer as contas e procurar mais opções. Mas tem também quem busca conveniência, seja nas lojas pequenas perto de casa ou no e-commerce, além de um avanço da indústria para atender direto ao consumidor, como é o caso da JBS com as lojas da Swift. É um somatório de coisas”, afirma Duarte.
A pesquisa da Kantar traz um detalhamento sobre a frequência aos estabelecimentos por classe social: quem tem maior poder aquisitivo, busca mais canais. Em todas as classes sociais, no entanto, houve aumento desse tipo de consumo entre 2021 e 2022.
Entre os consumidores da classe A/B, a parcela dos que visitam mais de oito canais de compra em um mês passou de 26,2% em 2021 para 36,7% em 2022. Na classe C, essa participação subiu de 18,7% para 26,7%, respectivamente. Na classe D/E, a parcela, que era de 12,2% em 2021, foi para 16,9% em 2022.
O diretor da Kantar explica que a população da classe AB tem mais condições de buscar esses diferentes canais e que, apesar de ter mais poder aquisitivo, também quer economizar.
A diversidade de canais tem a ver ainda com o fluxo de recursos ao longo do mês. No início, diz Couto, as pessoas se dispõem a investir tempo e energia para ir a um atacarejo, por exemplo, em busca de quantidades maiores. Ao longo das semanas, nas compras menores, podem dar preferência a locais mais perto de casa.
Segundo a consultoria, a parcela de domicílios que faz compras em atacarejos passou de 61% em 2020 para 80% em 2022.
“O crescimento dos atacarejos começou com a crise em 2015 e ganhou um impulso maior na pandemia. Antes estavam mais distantes dos centros urbanos, agora já tem lojas mais perto dos bairros, com mais produtos, mais caixas, estão se remodelando”, diz Couto.
O modelo é o que mais ganha espaço sobre os supermercados, diz Baruzzi, da Rede SP. “É importante apostar cada vez mais nos diferenciais, como marcas próprias, frutas e legumes e atendimento.”
Fonte: Valor Econômico