Por Adriana Mattos | Varejistas e indústrias brasileiras se movimentam para retomar as discussões, junto ao governo, em torno do fim da atual isenção de imposto de importação para remessas internacionais de até US$ 50. Declarações recentes da secretaria-executiva do Ministério da Fazenda, de que não há previsão para se rever a isenção, geraram desconforto entre líderes dos setores, apurou o Valor.
Além disso, informações publicadas na terça-feira (26) pela plataforma chinesa Shein, sobre o ritmo de importações feitas pelo Brasil em setembro, após o início da isenção, chamaram atenção das empresas nacionais e levaram associações a calcular potencial impacto no mercado local. A Shein está autorizada a importar produtos usando o benefício da isenção.
Desde 1º de agosto, plataformas estrangeiras habilitadas no programa do governo chamado Remessa Conforme podem trazer mercadorias do exterior sem cobrar do consumidor os 60% de imposto. Ainda cabe, porém, o pagamento de 17% de ICMS. Para terem a certificação, as plataformas devem seguir um conjunto de regras, como envio de documentação prévia da remessa, antes da nacionalização das mercadorias.
O Valor apurou que nesta semana o Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV), a principal entidade do setor, solicitou reunião com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para retomar a discussão em torno de uma alíquota intermediária, no lugar da atual isenção.
“Concordamos em dar um prazo, a pedido do ministro, para que a questão da habilitação ao Remessa Conforme avançasse, e o acertado foi cumprido. Entendemos que cabia ali o bom senso. Mas há uma promessa do ministro com o setor. E essa é uma agenda prioritária”, diz um CEO de uma cadeia de varejo associada ao IDV.
“Foi enviada uma correspondência ao ministro, e a ideia é uma reunião em poucas semanas. Ninguém quer passar o fim de ano e entrar o ano que vem nesse cenário de tudo liberado [para até US$ 50] que temos hoje”, afirmou outro diretor de uma rede nacional.
Há uma preocupação, especialmente entre alguns líderes do varejo de moda, de que o imposto de importação zerado seja mantido no período de Black Friday e Natal, datas em que as cadeias locais tentarão recuperar parte das vendas perdidas no ano. Segundo dados do IBGE, cinco dos sete meses do ano apresentaram queda na venda de vestuário e calçados.
Em agosto, nas últimas conversas entre ministério e o IDV, o governo acenou com hipótese de uma alíquota de 17% a 20%. Segundo fontes, lideranças da Shein sugeriram, inicialmente, à secretaria-executiva da Fazenda uma taxa em torno de 20%, e a Fazenda passou a considerar esse índice.
A ideia, na época, como o Valor informou, era iniciar a cobrança já em outubro, por meio de portaria, quando as principais plataformas estivessem certificadas, e depois que o governo reunisse uma maior base de dados sobre as importações ao país.
Há uma preocupação maior no setor após sinalização da Fazenda dada na semana passada.
No último dia 20, o secretário-executivo da Fazenda, Dario Durigan, disse num evento que não há previsão de mudança na isenção para as empresas que aderirem ao Remessa Conforme.
“Hoje, a gente tem alíquota zero e não tem, no horizonte próximo, revisão dessa alíquota zero. Só vamos fazer a revisão quando dialogarmos com empresas, varejo e verificarmos que há falta de isonomia tributária. O Ministério da Fazenda quer que haja concorrência”, disse ele. Durigan ainda afirmou que há uma preocupação da Fazenda com a preservação de empregos, mas também atração de novas empresas ao país.
“É difícil acreditar que o Durigan, que acompanha esse assunto, disse isso sem conhecimento do ministro”, disse uma fonte.
O Valor apurou que líderes da industria têxtil enviaram a Durigan, nesta semana, uma carta solicitando maiores esclarecimentos sobre a declaração.
Para completar esse cenário, há um novo fator que repercutiu no ambiente do setor nesta semana.
A Shein informou na terça-feira que, em três dias, de 23 a 25 de setembro, 200 toneladas de mercadorias foram enviadas ao país, por meio da plataforma, sem a cobrança dos 60%. A Shein arca com o ICMS de 17%.
De acordo com uma fonte ligada à indústria de vestuário, 200 toneladas (apenas para remessas de até US$ 50) correspondem a 800 mil peças de vestuário nos três dias. Ao se considerar essa venda diária para o acumulado do mês, isso equivaleria a 8 milhões de peças de roupas mensais. E a cerca de R$ 320 milhões em vendas ao mês (a média de preços no on-line de moda no país está em R$ 40). A Shein não comentou os dados.
Atualmente, Shein e AliExpress podem trazer produtos utilizando do benefício da isenção. Shopee, Mercado Livre e Amazon já solicitaram a adesão ao programa, mas ainda não informaram se obtiveram aval. Procurado, o Ministério da Fazenda não se manifestou até o fechamento desta edição.
Fonte: Valor Econômico