Por Karina Lignelli | A pandemia mudou definitivamente os hábitos do consumidor, ou intensificou movimentos que já vinham acontecendo aos poucos – como a preferência por marcas próprias (ou private label), que de 2020 a 2022 cresceram 17% em participação no país, enquanto as demais categorias avançaram 14,4%.
Com o cenário econômico adverso dos últimos anos, e por serem até 30% mais baratos que os itens de marcas líderes (dado da retailtech Amicci), os produtos que levam o nome de supermercados, lojas, atacarejos e até farmácias no rótulo se tornaram uma das principais escolhas para continuar consumindo.
Essa, e outras transformações no comportamento de consumo foram captadas por pesquisa da NielsenIQ apresentada na última quarta-feira (21), no Latam Retail Show, realizado na Capital paulista.
O estudo identificou que, entre 2020 e 2022, houve redução de 11% na “lealdade” do consumidor às marcas de fabricantes de categorias mais básicas devido à renda pressionada e comprometida com o pagamento de dívidas.
Apesar de alguns números positivos, como a taxa de desocupação no menor nível dos últimos 9 anos (8%) e inflação controlada, 78,5% das famílias estão endividadas, 29% têm contas atrasadas e 32% estão inadimplentes no cartão de crédito.
Outro recorte da pesquisa mostra que 56% dos consumidores dizem ter dinheiro só para consumo básico, moradia e alimentação, e 40% se consideram estáveis nas finanças, mas gastam com parcimônia.
Sendo assim, o consumidor não hesita mais em trocar de canal de venda ou de loja, nem de trocar de marcas em busca de ofertas. De acordo com a pesquisa, 35% dos brasileiros escolhem o produto mais barato independentemente da marca, e 28% compram a que estiver em promoção.
Outros 35% dos entrevistados também preferem comprar em loja de descontos, 41% substituem itens por opções mais em conta e 39% deixam de comprar certos produtos para focar no essencial.
Em síntese, o cenário de consumo é de cautela, e há uma busca cada vez maior do consumidor por ofertas. Por isso, o varejo precisa oferecer mais alternativas para ele continuar a consumir.
“O brasileiro está menos leal às marcas – um cenário ideal para desenvolver marcas próprias”, reforça Domenico Tremaroli, diretor do Retail Services Brasil da NielsenIQ, que apresentou a pesquisa.
MUDANÇA DE PERCEPÇÃO
Iniciado no Brasil na década de 1970, o movimento dos “produtos genéricos” deu origem às marcas próprias, segundo a Abmapro (associação do setor). Porém, eles levavam apenas o nome da categoria, sem marca e, apesar do preço mais baixo, tinham qualidade inferior e pouco valor agregado.
Mas as melhorias de conceito, embalagem e até investimento em qualidade acabaram por ajudar o segmento e a visão do consumidor a mudarem. Inclusive a dos brasileiros, que acompanham a percepção global: pela pesquisa da NielsenIQ, 44% acreditam que a marca própria tem boa relação qualidade-preço, enquanto 40% consideram que elas são alternativas a marcas reconhecidas ou tradicionais.
Outros 35% enxergam qualidade maior ou igual à de fabricantes líderes. “O mundo tem buscado essa equação entre preço e qualidade, e os consumidores têm visualizado isso na marca própria”, explicou Tremaroli, lembrando que, aqui no Brasil, a modalidade cresce acima das demais categorias.
Apesar de as marcas próprias ainda terem maior participação nas grandes cadeias de varejistas, como Carrefour, Cencosud, GPA e Dia, nos quais representam 66% do faturamento no autosserviço, nessas grandes redes a participação das marcas próprias cresceu apenas 1,4% em 2022 ante 2021, segundo a NielsenIQ.
Por outro lado, chama atenção o crescimento da categoria nas redes regionais. Nelas, apesar de as marcas próprias representarem 34% do faturamento, a alta foi de 26,5% em igual período.
A aposta no segmento não é nova, mas a aderência do consumidor tem sido gradual, conforme mostra a rede Coop.
Com mais de 1 milhão de cooperados ativos, a rede é um exemplo de varejista regional das mais longevas a atuar no segmento, com 30 lojas espalhadas no Grande ABC (23) e no Interior paulista, em cidades como Piracicaba, São José dos Campos, Sorocaba e Tatuí, e 73 drogarias.
Completando 26 anos neste mês de setembro, em que promove um “Festival de Marcas Próprias”, a marca Coop envolve cerca de 800 produtos em seu guarda-chuva, que vão de commodities como arroz, feijão e café, até materiais de higiene e alimentos para pets.
Todos os itens são produzidos por 60 empresas selecionadas criteriosamente, para garantir um rígido padrão de qualidade em cada etapa do processo por análises técnicas e sensoriais, afirma a gerente comercial da rede Diana Queirós Santos.
Há ainda a linha Delícias da Coop, com 490 itens como pão francês, panetones, bolos e sobremesas produzidos na Central de Panificação da rede, em Mauá, também no ABC paulista.
Atendendo às exigências do consumidor de marca própria, que quer preço sem abrir mão da qualidade, o sucesso da linha, segundo a gerente comercial, não se sustenta só nos atributos da matéria-prima empregada, oferecida a preços mais baixos em comparação às marcas tradicionais.
“A rastreabilidade do fornecedor, a padronização dos produtos e a credibilidade da rede também estão envolvidos no processo de aceitação”, afirma.
Esse, aliás, é o caminho reforçado pelo especialista da NielsenIQ: apesar da busca por ofertas, o comportamento do consumidor de marca própria não é só procurar preço. “É preciso investir constantemente em qualidade para que a marca própria siga se desenvolvendo”, destaca.
ESPAÇO PARA CRESCER
O levantamento mostra ainda que o crescimento de valor das marcas próprias aumentou 12,2% em três anos e, enquanto 17% dos brasileiros compram itens de marca própria, em nível global o número é 21%.
“A cada US$ 100 dólares gastos no varejo global, US$ 21 vão para as marcas próprias”, disse Tremaroli.
Com início na Europa na década de 1950, a marca própria se consolidou na região a partir da França, e até hoje é uma das que mais aprimorou e consolidou o conceito, sendo que a Suíça é o país que tem maior participação global no segmento (52%), segundo dados de 2022 apurados pela NielsenIQ.
A rede espanhola Mercadona é um dos cases de sucesso quando se fala em marca própria, e dá exemplo para quem pretende embarcar no conceito. Com mais de 1,6 mil lojas, 80% do que a varejista vende é marca própria, que tem políticas de preço bem definidas de “preço baixo todo dia”. Também faz reajustes loja a loja, e negocia exaustivamente com a indústria para conseguir o melhor preço.
Mesmo para eliminar embalagens – como a do creme dental, cuja caixinha vai sempre para o lixo -, a supermercadista negociou com a fabricante, pediu para colocar todas as informações importantes no tubo e, com isso, ganhou no preço sem perder qualidade, disse o especialista da NielsenIQ.
“Cada categoria tem um especialista em qualidade, e há zero investimento em mídia e tabloides.”
E no Brasil? Ainda que a América Latina ocupe o segundo lugar em crescimento de participação nas vendas de marcas próprias nos últimos três anos (29,4%), atrás apenas da África e Oriente Médio (44,5%), o país tem uma fatia de apenas 2% do bolo global distribuídos entre 50 economias.
Além das questões culturais e logísticas, o varejo brasileiro é extremamente pulverizado – diferente do mercado europeu, que possui grande concentração de varejistas, segundo Domenico Tremaroli.
Por isso a participação é baixa. “Mas o brasileiro é muito aberto a novidades, e as private label têm sido a primeira opção de preço. Ainda há muito espaço para crescer”, sinaliza.
Fonte: Diário do Comércio