Por Fátima Fernandes | Imagine a seguinte situação: você está com pressa e precisa ir ao supermercado para comprar alguns itens básicos da despensa, como leite, manteiga, sabão em pó e detergente.
Na seção de produtos de limpeza, você até acha a marca preferida de sabão em pó na altura dos olhos, mas tem de correr atrás de um atendente para saber onde estão os detergentes.
O leite está bem ao lado da gôndola de bebidas alcoólicas, algo que você não imaginaria, e a manteiga está bem mais próxima do açougue do que dos lácteos.
Mudar este cenário, até corriqueiro no dia a dia de um consumidor, é um dos grandes desafios dos supermercados no Brasil, de acordo com pesquisa feita pela Connect Shopper.
“Muito se fala em trazer experiências para o consumidor, só que nem o básico os lojistas estão conseguindo fazer, como expor bem os produtos”, diz Fatima Merlin, CEO da Connect Shopper.
Em abril e maio, a Connect Shopper ouviu 150 executivos do varejo e da indústria sobre o estágio em que as empresas se encontram no quesito gerenciamento de categorias (GC).
Numa escala de zero a cinco, a nota foi 2,8, em média. “O Brasil ainda está numa etapa primária nessa questão, o que afeta o resultado das operações”, afirma.
Na prática, o gerenciamento de categorias, que surgiu nos anos 80 nos Estados Unidos, é um processo que envolve uma parceria entre indústria e varejo para conhecer e atender o cliente.
Com base nas informações sobre as demandas dos consumidores, as partes definem ações para expor os produtos, seguindo uma lógica para facilitar e agilizar o processo de compra.
Se um cliente vai ao supermercado e não consegue achar o que deseja, ou não vê sentido na exposição dos produtos, provavelmente, vai pensar duas vezes antes de voltar àquela loja.
De acordo com a Connect Shopper, 42% dos executivos de indústrias deram nota de zero a dois para o estágio de gerenciamento de categorias na empresa.
No caso dos representantes do varejo, 27% deram nota de zero a dois. “Se o consumidor precisa estar no centro das atenções, a pesquisa mostra que nem o básico está sendo feito.”
O gerenciamento de categoria não está restrito ao local onde o produto está exposto, envolve também preço, promoção e reposição, seguindo uma inteligência para inspirar a clientela.
“Quantas vezes não se vê por aí ofertas que não fazem sentido em determinadas lojas, além de altas rupturas (falta de produtos nas gôndolas)”, diz.
Aliás, diz Fatima, se a ruptura fosse um varejista, ocuparia o terceiro ou o quarto lugar no ranking do setor supermercadista no Brasil, com uma receita de R$ 24 bilhões.
O estudo também constatou que 40% da indústria não têm sequer uma área de gerenciamento de categoria. No caso do varejo, este percentual chega a 80%.
Quase 56% dos executivos ouvidos na pesquisa admitem que o gerenciamento de categorias poderia ser disseminado no país.
Para isso, a relação entre as partes, principalmente, não deveria envolver a compra e venda de espaços nas gôndolas, prática muito comum no mundo dos supermercados.
“Para a maioria deles, todo esse processo deveria ser feito pela ótica do consumidor, com imparcialidade nas propostas de layout e no mix de produtos”, afirma.
O gerenciamento de categoria, diz ela, torna a loja mais prática, resolutiva, a jornada de compra mais fluida, até porque o cliente não quer perder tempo.
“A relação entre indústria e supermercado fica mais colaborativa, além de reduzir a ruptura, aumentar o tíquete médio, o retorno financeiro e a fidelização de clientes.”
KOCH
Com 58 lojas e um faturamento de R$ 6 bilhões em 2022, o grupo de supermercados Koch, de Santa Catarina, acaba de encerrar um ciclo de discussões para gerenciar categorias.
“Discutimos o que queremos com cada uma delas em relação ao sortimento, percepção de preço, variedade, qualidade, experiência na loja”, diz Felipe Teixeira, executivo de GC do Koch.
Com 28 anos e com experiência em outras empresas, como grupo Cencosud, Lopes e Roldão, Teixeira diz que um dos maiores desafios das redes é tratar o GC como cultura.
“O gerenciamento de categorias tem de ser um processo cultural, não simplesmente um projeto que começa e termina, tem de ser visto como área de geração de resultado.”
O Koch, diz ele, está na fase de estabelecer cronogramas de implementação. Na pesquisa da Connect Shopper, ele deu nota 3 para a empresa, por estar em processo inicial.
“Já passei por quatro redes e me surpreendo como o básico ainda não está feito no GC.”
Para ele, isso acontece porque falta aos varejistas fazer análise de item por item que comercializam. “Um perfil analítico deveria estar bem mais presente nas redes.”
Cada categoria, afirma ele, tem um papel, como atrair tráfego e formar imagem de preço. “Do jeito que está a concorrência, é bom a empresa olhar para o lado e captar as boas práticas.”
Com um cenário cada vez mais plural e formatos de lojas se misturando, de acordo com Teixeira, as redes precisam ter estratégias claras e colocá-las em prática.
O Koch, que emprega cerca de 8 mil pessoas, deve fechar este ano com mais dez novas lojas e elevar o faturamento para algo próximo de R$ 7,2 bilhões.
HIROTA
Familiarizado com o assunto desde o início dos anos 2000, quando trabalhava no grupo Pão de Açúcar, Celso Kayo, gerente do Hirota, dá nota entre 2,5 e 3 para o GC dos supermercados.
“O GC significa expor da melhor forma os produtos nas gôndolas, de maneira que o cliente entenda a lógica. Quando isso acontece, o resultado é melhor para a loja e para o consumidor.”
O Hirota já implantou o gerenciamento da categoria de bebidas, incluindo cervejas, refrigerantes, isotônicos, energéticos e sucos, em parceria com fornecedores.
“As indústrias têm informações de mercado. Se um produto tem bom desempenho em outras redes e não na nossa, por exemplo, é sinal de que temos de melhorar a exposição.”
No grupo dos energéticos, a rede mudou a disposição de marcas nas gôndolas e acrescentou sabores, diz, resultando num aumento de vendas de dois dígitos.
Agora, a rede está implantando o GC no grupo dos produtos orgânicos, diet e light, em parceria com a Jasmine.
“A gestão de categorias é uma coisa viva. Se há mudança de embalagens, fornecedores e produtos, precisa ser refeita. É por isso que muitas empresas acabam abandonando o GC.”
ANÁLISE
Sandro Benelli, consultor com experiência de décadas em supermercados, diz que o GC não avança no país porque existe uma dificuldade das empresas de compartilhar informações.
“O varejista é muito desconfiado e, sem a participação da indústria, fica muito difícil fazer gerenciamento de categorias 100% adequado”, afirma.
Além disso, diz, o varejo alimentar é formado por pequenas e médias empresas e, embora todos saibam que o GC dá resultado positivo, tem um custo.
“A rede tem de ter uma equipe dedicada e, geralmente, para não ter conflito. O time tem de ser diferente do de compras, apesar de o trabalho ser conjunto”, afirma.
Num primeiro momento, diz Benelli, a equipe de GC não vai se guiar pela melhor negociação, exatamente o que, em geral, o comprador busca.
“O comprador vai sempre tentar maximizar a margem individual de uma negociação, e não a de toda a categoria.”
Além disso, diz, quando uma rede está com dificuldade financeira, é exatamente o time de GC que é cortado, primeiramente.
“Infelizmente, a empresa acaba trocando uma visão de GC, de médio e longo prazos, por uma visão de curto prazo, que é a de somente investir na negociação.”
Benelli diz que tem bons motivos para ser fã de GC. Quando era diretor do Casino, em 2007, participou da equipe que fez um teste com a categoria de bomboniere.
“Foi um trabalho que exigiu pessoal de loja, do comercial e um gerente adicional, mas as vendas e a margem de lucro das lojas aumentaram 10%, assim que o GC foi implantado.”
Fonte: Diário do Comércio