Por Adriana Mattos | O negócio de atacarejo no país, que já vem sentindo despesas mais elevadas no ano, e maior canibalização entre lojas das próprias empresas, passou a lidar com um novo fator que tem desequilibrado os números: a deflação de alimentos.
Quando as mercadorias ficam mais baratas, as pessoas economizam, mas não compram, necessariamente, mais alimentos. Em cenários de crise, como o atual, a economia gerada é direcionada a outras necessidades ou a pagamentos de dívidas.
Ocorre que, até abril, havia um quadro geral de inflação perdendo o fôlego, e com efeito sobre a receita nominal do atacarejo – segmento que vende para empresas, no atacado, e pessoas físicas, no varejo. Mas a chegada da deflação nas lojas, desde maio, embaralhou mais as estratégias e comprometeu parte do desempenho das redes no segundo trimestre e no início do terceiro trimestre.
Os balanços publicados por Atacadão e Assaí nos últimos dias mostram as vendas “mesmas lojas” (unidades com mais de um ano) em queda de 4,3% e 1,7% no segundo trimestre, respectivamente, por causa da deflação e da base de comparação mais forte em 2022.
No acumulado do primeiro semestre, o Atacadão teve leve alta de 0,2% e o Assaí subiu 2,3%, basicamente por conta de números melhores no começo do ano.
Esse movimento visto hoje nas redes líderes não é isolado. Um tradicional indicador do setor, a pesquisa mensal da Nielsen, obtida pelo Valor, mostra recuos acentuados nas vendas na Grande São Paulo e na Grande Rio de Janeiro, com impacto do preço menor de alimentos nessa conta.
De 2 de janeiro a 7 de julho, a receita “mesmas lojas” nas duas regiões caiu 3% e 3,3% respectivamente. Ao se considerar todo o país, o avanço foi de apenas 1,7%.
Nesse número também há efeito de perda de vendas de grupos regionais que cresceram no ano passado, quando o GPA anunciou o fechamento do Extra. Essa venda do Extra foi distribuída especialmente ao atacarejo.
Como essas lojas do Extra estão sendo reabertas pelo Assaí, que comprou os pontos, os regionais estariam perdendo essa venda e “devolvendo” o ganho, o que afeta o índice “mesmas lojas”.
Nas palavras do CEO de uma atacadista do interior de São Paulo, “se deflação para o varejo é ruim, para o atacarejo faz um estrago bem maior”. Isso por conta da dependência da venda de commodities (como óleo de soja, trigo, arroz, feijão) que representam de 15% a 25% da cesta total vendida.
Esses itens têm registrado retração em preços – entre os meses de maio e junho, o óleo de soja teve queda de quase 8% em São Paulo e o feijão, 9,5%, segundo o Dieese.
Como reação, foi preciso que as cadeias mudassem as suas políticas de estoques (cruciais no modelo de negócio do atacarejo), as negociações de compra junto à indústrias e as ações promocionais.
De acordo com Belmiro Gomes, presidente do Assaí, restaurantes, bares e vendedores autônomos passaram a postergar a compra de mercadorias nas lojas, para fechar a transação com o preço menor possível, pois eles já estão cientes do processo de deflação. Isso tem efeito sobre os estoques.
“O cliente leva o que é necessário, e aguarda para comprar mais depois, para aproveitar novas quedas de preço, só que isso nos obriga a calibrar melhor os estoques também”, afirmou ontem a analistas em teleconferência. “É o oposto da lógica da inflação, quando ele compra mais e armazena porque o preço deve subir”.
Sobre o assunto, o comando do Carrefour, dono do Atacadão, disse, na quarta-feira, que também identificou redução nas compras desses clientes, com impacto no volume vendido, mas há expectativa de que “paulatinamente” isso se normalize no resto do ano, com a deflação perdendo fôlego, afirmou o CEO, Stéphane Maquaire.
Como as redes operam com bilhões em produtos estocados, se o item cai de preço, o estoque perde valor do dia para a noite. Quando isso acontece, contabilmente há um efeito nos resultados, o que obriga as empresas a se mexerem.
As redes passaram a negociar maiores prazos de pagamento com fornecedores para equilibrar essa pressão pontual de estoque – ambos são indicadores que compõem o ciclo financeiro do negócio. No Atacadão, o ganho em prazo foi de três a quatro dias no segundo trimestre, apurou o Valor, sem efeito nocivo a indústrias.
Em parte, isso também é consequência de ganhos de escala após a conversão de lojas do Big, compradas em 2021. Da mesma forma, o Assaí buscou melhores condições com a indústria, em parte também pela maior escala.
Outras ações envolvem as campanhas promocionais nos pontos de venda, que em períodos de deflação, precisam ser repensadas. “Não adianta você fazer oferta de óleo de soja, por exemplo porque ele pode cair mais”, resumiu Gomes nesta quinta-feira a analistas.
“As campanhas continuam, mas elas passam a considerar um outro parâmetro de elasticidade de preço para os produtos porque as referências de valor mudam com a deflação, mesmo que pontualmente”, diz um diretor comercial.
Esse ambiente ainda exige ações das redes por causa do quadro econômico difícil, pela competição mais acirrada no setor e necessidade de proteger margens.
Os números do segundo trimestre de Atacadão e Assaí mostram margem Ebitda, medida após as despesas, afetada pelos maiores gastos com aberturas e conversões de lojas adquiridas. Isso tende a se reduzir no restante do ano.
No Atacadão, que converteu unidades do Big, a margem ebitda caiu um ponto para 5,7%. No Assaí, que vem convertendo antigas lojas do Extra adquiridas, houve recuo de 0,4 ponto, para 7%. Ainda segundo os balanços, após as conversões, o Assaí registrou aumento de 20,3% nas vendas líquidas entre abril e junho. No Atacadão, o aumento foi de 4,6%. Na última linha, Assaí teve recuo de 51% no lucro, para R$ 156 milhões. O Atacadão não informa esse dado.
Fonte: Valor Econômico