Em linha com o conceito de “house of brands”, que vêm ganhando corpo no varejo de moda, empresa enxerga uma boa abertura para agrupar uma coleção de marcas
Por Moacir Drska
Em fevereiro de 2021, Paulo Kruglensky foi nomeado CEO da Vivara no lugar de Márcio Kaufman, seu primo e filho de Nelson Kaufman, fundador da empresa. Antes, entre 2007 e 2019, ele já havia comandado outro negócio controlado pela família, a Etna, varejista de móveis e decoração.
Passados exatos dois anos desde que assumiu o posto, a experiência do executivo de lidar com diferentes operações dentro de uma mesma “casa” pode servir como inspiração para os próximos passos da joalheria, avaliada em R$ 5,8 bilhões.
Em linha com o conceito de “house of brands”, que vêm ganhando corpo, em particular, no varejo de moda, a Vivara enxerga uma boa abertura para agrupar uma coleção de marcas sob o seu guarda-chuva.
“A Arezzo tem diversas marcas nos mesmos shoppings. Por que não podemos fazer o mesmo no mercado de joalherias?”, diz Kruglensky, ao NeoFeed. “Temos outras entregas no curto e médio prazo, mas é uma das nossas ambições.”
Segundo o executivo, hoje, o mercado endereçável da Vivara, que também inclui acessórios pessoais, é de aproximadamente R$ 20 bilhões. Levando-se em conta apenas o segmento de joias, a cifra gira em torno de R$ 12 bilhões.
“Quando falamos em joias, tem um mercado para cima, de alta joalheria e voltado à classe A+, de R$ 2 bilhões, no qual a Vivara ainda não trabalha”, afirma. “E para baixo, no cluster da Classe C, um mercado low end de mais de R$ 1,5 bilhão, em que também não temos nenhuma marca.”
Ao destacar essas duas oportunidades, ele ressalta que a estratégia para concretizar esses planos pode passar, no médio e longo prazo, pelo desenvolvimento interno e por aquisições.
A criação de uma “house of brands” não é, porém, um balão de ensaio para um futuro distante. A empresa já virou essa chave com a Life. Lançada em 2011 como uma coleção da Vivara, a marca ganhou vida própria e status de joia da coroa do grupo, especialmente a partir de 2021.
“A Life pode ser maior que a Vivara, tanto em pontos de venda quanto em faturamento”, destaca Kruglensky. “Hoje, ela é a nossa segunda marca e, também, a segunda marca do mercado de joalherias em market share, atrás apenas da Vivara. E já representa mais de 30% do faturamento do grupo.”
No acumulado de janeiro a setembro de 2022, a empresa apurou uma receita bruta de R$ 481,3 milhões, alta de 17,2% sobre igual período, um ano antes. Em outro dado, ele diz que as lojas da Life já faturam, em média, 50% das vendas de uma unidade da Vivara.
Além da fatia significativa na receita, a Life tem cumprido um papel importante para aumentar esse bolo. Com um preço médio de R$ 300, contra R$ 2,2 mil da Vivara, a marca abre caminho para que a empresa acesse um perfil mais amplo de clientes.
“Hoje, 70% dos nossos clientes novos são trazidos pela Life”, diz. “A Life, por ser uma marca nova e não estar presente nos principais shoppings do Brasil, tem um potencial de crescimento mais rápido.”
Partindo dessa lógica, ele não crava um número exato, mas diz que, em 2023, a expansão das lojas será um pouco mais agressiva do que no ano passado. E que a Life responderá por boa parte dessas inaugurações.
Em 2022, do recorde anual de 53 lojas abertas, 39 foram da marca Life. A empresa fechou o ano com 336 unidades, sendo 243 da Vivara e 72 da Life, além de 21 quiosques.
Nesse ano, a expansão seguirá dois critérios, sempre com unidades em shopping centers. A Life focará as capitais e as cidades médias. Sob essa última orientação, municípios como Piracicaba (SP) e Canoas (RS) receberam unidades recentemente.
A Vivara estará mais centrada em cidades do interior, com população acima de 150 mil habitantes. Municípios como Sinop (MT) e Parauapebas (PA) foram adições recentes nesse mapa.
Em sortimento, o maior foco também estará na Life que, desde o fim de 2020, cresceu seu mix em 38,6%, chegando a 1,8 mil itens. Além de coleções, um dos passos será escalar categorias que foram testadas em 2022, como perfumes, relógios e carteiras.
“A Vivara é mais restrita a eventos de celebração. A Life pode estar presente em mais momentos, com maior frequência de compra”, diz Kruglensky. “O importante aqui é a velocidade. A ideia é permear o calendário com cápsulas de lançamentos durante o ano todo.”
Outros dois movimentos estão conectados com esse plano. O primeiro é um centro de P&D que entrará em operação nesse mês, em São Paulo. Com um time de 15 pessoas, entre joalheiros e designers, a ideia dar mais agilidade à criação de produtos.
Para antecipar o crescimento esperado na operação, o segundo é o aporte – não revelado – em uma segunda fábrica em Manaus (AM), que deve entrar em operação no segundo semestre de 2023.
Concorrência fragilizada
O modelo que integra indústria, produto e varejo é um dos pontos ressaltados da Vivara em relatório do Bank of America. “Acreditamos que a força da marca, a integração vertical, a escala e a mudança para um portfólio mais acessível criam uma combinação excepcional de confiança, competitividade, vantagem e crescimento”, destacou o banco, com um preço-alvo de R$ 32 para a ação.
Esse tripé ganha mais fôlego em um momento no qual boa parte da concorrência está fragilizada, como os players de menor porte, afetados pela pandemia. Entre os maiores, a Pandora vem reduzindo sua operação no Brasil.
Já a HStern perdeu espaço desde o fim de 2016, quando seu nome foi ligado a um esquema de sonegação fiscal e lavagem de dinheiro do ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral. No mercado, já apontaram para um interesse da Vivara na compra da operação. Kruglensky não comenta o tema.
“A Vivara é uma espécie de Arezzo das joalherias”, diz Alberto Serrentino, sócio da consultoria Varese. “Hoje, no Brasil, não tem outra empresa que faça sombra para eles em escala, presença e capacidade de investimento.” Ele alerta, porém, para alguns riscos na ambição de criar uma “casa de marcas”.
“O desafio nessa agenda é a perda de foco”, afirma. “No mercado premium do Brasil, não faltam exemplos de players que tentaram extrapolar seus limites e tiveram que fazer ajustes brutais, vide os casos da Restoque e da Inbrands.”
À parte desse contexto, em outubro de 2022, a Vivara chamou atenção ao anunciar um aditivo ao seu acordo de acionistas. A grande mudança foi a redução das ações vinculadas ao acordo de 57,9% para 39,7%, liberando 13,2% para serem vendidos no mercado.
Nessa conta, o principal fator foi a redução da fatia detida pelo ex-CEO Márcio Kaufman, de 20% para 2%, o que suscitou rumores sobre uma relação conturbada com seu pai, Nelson. No processo, parte de suas ações ordinárias será transferida para sua irmã, Marina, e para o patriarca do clã.
Questionado, Kruglensky se limita a dizer que, sob a ótica da gestão, não há nenhum impacto. “Eu me reporto para o board, o João Cox é o presidente do conselho e temos outros quatro conselheiros, três deles independentes”, afirma. “No dia a dia, nada muda.”
O aditivo traz ainda cláusulas de lock-up de dois anos para a venda de ações não vinculadas de Nelson e Márcio. Além de um lock-up geral para as ações vinculadas de Nelson, Marina e Kruglensky durante a vigência do novo acordo, válido por 15 anos.
A eventual venda de ações não vinculadas ficou condicionada a um follow on, caso a oferta exceda R$ 500 milhões; a um block trade ou oferta secundária, caso esteja entre R$ 100 e R$ 500 milhões; ou a não ultrapassar 15% do valor diário negociado, caso seja inferior a R$ 100 milhões.
Em relatório no qual manteve recomendação de compra para a ação, a XP destacou que, apesar do risco negativo no curto prazo para a dinâmica do papel, o acordo “traz diversas condições para uma potencial venda ocorrer” e vai ao encontro do principal “desconforto” dos investidores: a baixa liquidez da ação.
Os papéis da Vivara fecharam o pregão da quinta-feira, 2 de fevereiro, com alta de 1,56%, cotadas a R$ 24,74. Em 2023, as ações acumulam uma valorização de 10,2% e, nos últimos doze meses, uma baixa de 4,65%.
Fonte: Neofeed