Cade aprova com restrições a compra da rede, negócio de R$ 7,5 bi. As 14 lojas representam 3,6% do parque total do Big, com 388 pontos, e 6% da receita da empresa no ano passado
Por Beatriz Olivon e Adriana Mattos
Com o aval à aquisição da varejista Big dado ontem, o Grupo Carrefour está agora liberado para avançar com a sua maior integração de negócios desde que comprou a rede Atacadão, uma década e meia atrás. O Cade, órgão antitruste brasileiro, informou a aprovação da transação com restrições, que incluem a venda de 14 lojas, número antecipado na manhã de ontem pelo Valor.
O mercado já espera, no curto prazo, implementação de mudanças já planejadas pelo comando nos últimos meses. Segundo fontes, parte dessas 14 lojas já está sendo negociada com fundos imobiliários e redes varejistas, inclusive com proposta vinculante (compromisso firme de compra). A aquisição do Big foi anunciada em março de 2021 por R$ 7,5 bilhões, e cria uma operação com R$ 100 bilhões em vendas anuais e 1,1 mil lojas.
Grupo já negocia parte das unidades com fundos imobiliários e redes regionais, segundo fontes do setor
Haverá troca de marcas em parte das unidades, renegociações com a indústria a partir da escala criada com a unificação das compras e provável redução de cargos com a sobreposição de funções – a empresa não confirma a hipótese de cortes. “Comerciais regionais e a matriz podem ter redução de pessoal primeiro”, diz uma fonte.
A geração de sinergias estimada pelo grupo é de até R$ 2 bilhões ao longo dos próximos três anos, acima da projeção de R$ 1,7 bilhão feita em 2021. Quem sairá fortalecido disso será o Atacadão – a rede de atacarejo é o negócio que mais cresce no Carrefour, com 14% de alta em 2021. A transação também reforça a presença do grupo no Sul e no Nordeste, praças onde redes regionais se tornaram rivais de peso.
Pelo definido pela companhia, as lojas de atacado do Big, da bandeira Maxxi, devem ser transformadas em Atacadão, e boa parte dos hipermercados Big também deve migrar para a rede de atacarejo. O clube de compras Sam’s Club, um dos melhores negócios do Big, voltado à classe média, terá o nome mantido e acelerada a expansão.
Das 14 lojas que serão vendidas, segundo exigência do Cade, 11 são hipermercados ou atacarejos e três são supermercados. O número supera ligeiramente a proposta de venda de 11 unidades sugerida pela Superintendência Geral do órgão, como relatou o Valor em janeiro. Ainda é um volume irrisório perto do tamanho da operação.
As 14 lojas representam 3,6% do parque total do Big, com 388 pontos, e 6% da receita em 2021. Conforme o grupo vem informando desde o anúncio da compra, a maior parte das economias previstas virá das sinergias de compras, despesas operacionais e maior produtividade das lojas. Bancos estimam que isso possa adicionar R$ 1 por ação no preço alvo, mas esse ganho não é imediato.
Analistas ainda esperam visibilidade maior sobre o que pode destravar esse ganho antes incorporá-lo ao preço-alvo, como citou a XP em relatório em fevereiro. Desde o anúncio da transação, a ação do Carrefour praticamente não saiu do lugar (ontem caiu 1,2% para R$ 19,59), sem incorporar o “efeito Big”. Pesa contra o cenário de papéis perdendo valor no varejo com a escalada inflacionária e perda de renda.
A atenção do mercado ficará centrada na capacidade do comando do grupo executar a integração. O passo a passo desse processo já está montado, e a ideia é que isso vá sendo divulgado com o avanço das medidas. “Parte desse plano foi desenhado com base em erros e acertos daquilo que foi feito com a compra parcial do Makro [em 2020]”, diz um ex-diretor do Carrefour.
Dois consultores com contratos com a varejista disseram ontem que não esperam uma integração completa em menos de dois anos, incluindo sistemas de tecnologia, ponto sensível nessas migrações e foco de problemas do Big no passado. “As lojas do Makro estavam fechadas, o que torna tudo mais fácil. Nas do Big, a mudança será com todas abertas, para não perder venda. Mas do ponto de vista de unificação das estruturas, vai ser mais fácil”, diz o ex-diretor.
A venda do Big foi autorizada pelo Cade condicionada ao cumprimento de outras restrições, além de venda de 14 lojas. Se necessário, para venda das lojas, pode ser exigido um “trustee de desinvestimento”, além do monitoramento geral que deverá ser implementado. Se as obrigações não forem cumpridas no prazo previsto, o acordo fixa penalidades.
Segundo o parecer da superintendência geral, que analisa os casos antes do Cade, o aspecto mais sensível em relação à concorrência está no autosserviço (como supermercados e hipermercados). De acordo com o relator do processo, conselheiro Luiz Augusto Azevedo de Almeida Hoffmann, situações problemáticas foram identificados em algumas cidades, como lojas muito próximas do Big e do Atacadão enquanto as das concorrentes estavam muito afastadas.
A autarquia informou que o desinvestimento ocorrerá em Gravataí (RS), Itabuna (BA), Juazeiro do Norte (CE), Maceió (AL), Olinda (PE), Paulista (PE), Recife (PE), Santa Maria (RS) e Viamão (RS). Há cidades com mais de uma loja.
De acordo com o relator, o objetivo dessa restrição é reduzir as “elevadas concentrações” e o “alto nexo de causalidade” decorrente da operação nos mercados relevantes tidos como problemáticos. “A alienação dos estabelecimentos a terceiros possibilitará o aumento da pressão competitiva enfrentada pelo Grupo Carrefour no cenário pós-operação, mitigando a redução da concorrência causada pela saída do Grupo Big e reduzindo probabilidade de exercício de poder de mercado”, explicou Hoffmann.
Os grupos se comprometeram a preservar a viabilidade, atratividade e competitividade das lojas que deverão ser vendidas até que o desinvestimento seja concluído. Essa também foi uma condição imposta pelo Cade, assim como a determinação de que as empresas não poderão adquirir novamente os ativos desinvestidos por um período determinado, cujo prazo foi mantido em sigilo.
As empresas também estão obrigadas a notificar quaisquer operações envolvendo supermercados, hipermercados, atacarejos e clubes de compras, ainda que não atinjam os parâmetros de notificação obrigatória de atos de concentração ao Cade.
O movimento de consolidação é algo absolutamente esperado no setor em razão principalmente da crise econômica, segundo Claudio Felisoni, presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo & Mercado de Consumo (Ibevar). “Depois de todo período em que há queda acentuada, no médio prazo há consolidação, que são movimentos de concentração”, afirmou.
Para Felisoni, não basta analisar o percentual de vendas para verificar se há concentração em operações de supermercados, é necessário observar também a natureza da operação, o tipo de produtos comercializados e que a competição no varejo se dá no âmbito local. Ainda segundo o especialista, pode ser que operações do tipo levem a prejuízos para os consumidores se houver monopólio regional, preocupação que, possivelmente, levou o Cade a determinar a venda de algumas unidades.
“Tem sido um procedimento comum no Cade. Ocorreu na operação entre Ponto Frio e Casas Bahia também”, afirmou.
Fonte: Valor Econômico