O presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, disse que a demanda por crédito novo na economia é “quase inexistente” e elogiou a nota divulgada pelo presidente do BC, Alexandre Tombini, sobre as projeções do FMI para o Brasil. Em Davos, onde se preparava para participar do Fórum Econômico Mundial, Trabuco disse ao Valor que a política monetária “tem exercido seu papel” no combate à inflação. “A inflação ficou fora do patamar, em grande parte, pelo equacionamento dos preços administrados. O nível de atividade econômica e o nível de demanda de crédito estão muito baixos. Às vezes, você pode aumentar a taxa básica de juros para esfriar a economia, mas ela já está fraca.” Questionado, o executivo não quis comentar especificamente sobre a próxima decisão do Copom.
Ao lado do economista Octavio de Barros, chefe do departamento de pesquisas econômicas do Bradesco e a quem Trabuco pediu que acompanhasse a conversa, o executivo alertou que a ideia de usar os bancos públicos como instrumento para reativar a economia é correta, mas ressaltou: sem crédito direcionado e subsidiado. Ele disse ainda que a presidente Dilma Rousseff está com a “consciência expandida” para a necessidade de reformas. Leia os principais trechos da entrevista.
Valor: Há um ano, o senhor dizia em Davos que o Brasil estava em trajetória de resgate da credibilidade, mas houve rebaixamento e recessão. O que deu errado?
Luiz Carlos Trabuco Cappi: Quando estivemos em Davos, no ano passado, era o primeiro ano do segundo mandato e o ministro da Fazenda tinha compromissos extremamente definidos com relação ao ajuste fiscal. Não teríamos PIB, nem inflação para comemorar no fim de 2015. Poderíamos ter comemorado um ajuste fiscal, mas houve muita ambiguidade no ambiente político. Só temos um ponto muito positivo: a correção do balanço de pagamentos. Olhando para 2016, a mensagem em Davos deveria ser de que a saída para a crise é reafirmar o tripé que dá sustentabilidade à economia: os princípios de política monetária, política fiscal e política cambial.
Valor: O que acha da ideia aventada pelo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, de aproveitar o pagamento das “pedaladas” fiscais e usar os bancos públicos na tentativa de reativar a economia?
Trabuco: Eu acho o mais correto, mas desde que o custo do financiamento esteja perto do custo de emissão do Tesouro. Não temos espaço para crédito direcionado com subsídios. Como se reativa a economia? No ano passado, quando estávamos aqui, o Mario Draghi [do BCE] soltou um afrouxamento quantitativo, mas não reavivou a economia. Temos margem fiscal para fazer política anticíclica? Não. O livro-texto recomenda que haja muito juízo. Não cabem ideias preconcebidas, experimentalismos, nada que comprometa mais nossa previsibilidade. O Brasil tem que voltar a ser previsível.
Valor: A demanda por crédito nos bancos privados não deve crescer, em termos reais, neste ano. É por falta de demanda?
Trabuco: Banco existe para dar crédito. Essa é a nossa principal fonte de receita. Posso avaliar pelo Bradesco e também com base em conversas com outras instituições: a demanda é muito baixa, quase inexistente. O maior volume de crédito é de renegociações, reestruturações. Em 2014, o mundo corporativo brasileiro aproveitou uma janela de oportunidade e houve muitos alongamentos. Se pegarmos as carteiras de bonds que vencem em 2016 e em 2017, são números irrisórios. Acelera só em 2018. As taxas eram extremamente favoráveis. O meio corporativo está administrando o impacto da macroeconomia nas suas atividades, isso é inevitável, mas não há demanda de crédito novo. A inadimplência das pessoas físicas não aumentou de forma tão acentuada porque o nível de comprometimento da renda ainda é baixo, quando tiramos os empréstimos de longo prazo, como o imobiliário, mas elas estão mais cautelosas para tomar novos financiamentos.
Valor: Qual é a sua expectativa para o anúncio da Selic hoje?
Trabuco: Não gostaria de opinar, mas observamos que a política monetária tem exercido seu papel no controle da inflação. A inflação ficou fora do patamar, em grande parte, pelo equacionamento dos preços administrados. O nível de atividade e o nível de demanda de crédito, como disse, estão muito baixos. Às vezes, você pode aumentar a taxa básica para esfriar a economia, mas ela já está fraca.
Valor: Foi prudente a comunicação do presidente do BC, Alexandre Tombini, em sua nota?
Trabuco: A declaração dele foi adequada pelo fato de ter informações que nós, aqui no mercado, não temos. Houve fatos importantes. Um deles foi o relatório do FMI, que mostra como o processo recessivo brasileiro vai seguir de dois para três anos, já que em 2014 tivemos um PIB perto de zero.
Valor: Mas isso já se pode ver todas as semanas no boletim Focus…
Trabuco: Talvez o FMI venha a chancelar um pensamento de que o arrocho monetário é sempre adotado para fazer um esfriamento da atividade econômica, mas principalmente pelo canal do crédito.
Octavio de Barros: Desde a palestra do Tombini no dia 10 de dezembro, na Febraban, os cenários global e doméstico se deterioraram enormemente. Mesmo o relatório de inflação deixa claro que o Copom poderia tomar a decisão quando e se julgar oportuno. Tenho, para mim, que a realidade acabou se impondo. Houve degradação forte nos últimos 35 a 40 dias.
Valor: O que tem provocado essa degradação agora?
Trabuco: Me lembrei da poesia “E agora, José?”. E agora, que a China desacelerou e a Europa continua sem crescer? E agora, que o minério de ferro baixou a US$ 40? E agora, que o petróleo caiu de US$ 120 para menos de US$ 30? Pois agora as perguntas estão muito mais evidentes. Não podemos esperar que as locomotivas chinesa, europeia e americana vão movimentar o Brasil. Ou somos a locomotiva de nós mesmos ou perdemos mais uma geração. Precisamos restaurar a confiança porque os investidores ainda estão aí. A liquidez internacional favorece bons projetos. Para aproveitá-la, precisamos voltar à moda.
Valor: Isso é possível ainda no governo Dilma?
Trabuco: Hoje o governo aprendeu, com as várias lições do manejo da macroeconomia e da política, que o que está em jogo é o futuro do país. Não cabem voluntarismos, não cabem experimentações. Neste momento cabe tomar providências, cabe o bom livro-texto, uma boa ortodoxia, fazer as reformas. Nos últimos 30 dias, vimos manifestações do governo a favor das reformas previdenciária e trabalhista. A presidente está com uma consciência expandida para esses problemas.
Valor: Mas o governo tem capacidade de aprovar projetos no Congresso? Aliás, a presidente já escapou do risco de impeachment?
Trabuco: Não tenho condições de avaliar quais são os desdobramentos do processo político. A crise política deve continuar, tem muitas questões a serem resolvidas, mas não pode entorpecer a sociedade. O Brasil tem que ser protagonista da sua história. As pessoas, os empresários, os políticos têm que ser protagonistas – mas voltados para o bem comum. Há uma passagem da Guerra de Canudos em que o coronel Moreira César perdeu a batalha e se viu forçado a passar o comando para o capitão Tamarindo. Vendo-se diante da confusão, ele olhou um pé de fruto e comentou: “É tempo de murici, cada um cuide de si”. Não é tempo de murici no Brasil.
Valor: O senhor faz esse trocadilho, mas a oposição também tem pensado só em si?
Trabuco: Existe uma agenda tópica, que não pode ser rancorosa e nem dominada exclusivamente pela discussão política, mas de convergência. As reformas são indispensáveis. Quem vai usufruir delas não é o atual governo. São os próximos. O Brasil está envelhecendo antes de enriquecer. Já perdemos o bônus demográfico. Ou a reforma previdenciária acontece ou, daqui a alguns anos, teremos um conflito de gerações. As relações políticas estão tão esgarçadas que, resolvendo algumas pendências, talvez seja possível construir essa convergência. Não falo em pacto nacional, nada disso, mas o entendimento em torno de uma agenda. Uma agenda de convergência talvez possa ser a surpresa positiva de 2016.
Valor Econômico – SP