14/12/2015 às 05h00
Por Ryan Tracy | The Wall Street Journal
A ascensão da bitcoin vem levando bancos centrais no mundo todo a estudar a possibilidade de emitir uma moeda virtual garantida pelo próprio governo.
A medida pode cortar custos em todo o sistema de pagamento e dar às autoridades monetárias mais controle sobre a oferta de dinheiro - mas também pode aumentar as preocupações com a segurança e a privacidade.
Até agora, nenhum banco central emitiu versões digitais de moedas físicas. Mas a ideia está ganhando fôlego num momento em que autoridades ao redor do mundo começam a ver a criação de um sistema de pagamento digital como inevitável.
“Temos que vislumbrar um mundo em que as pessoas usarão principalmente o dinheiro eletrônico”, disse Carolyn Wilkins, vice-presidente sênior do Banco do Canadá, o banco central canadense, durante um discurso em 13 de novembro.
“Precisamos nos antecipar a isso e administrar os riscos e benefícios que possam surgir.”
Os bancos centrais ainda não escolheram a tecnologia para emitir seu próprio dinheiro digital. Mas uma “startup” irlandesa, a eCurrency Mint, tem se reunido com bancos centrais para vender uma tecnologia que os capacitaria a fazer tal emissão.
Jonathan Dharmapalan, fundador e diretor-presidente da eCM, diz que a firma discutiu a tecnologia com 30 bancos centrais, testou-a “em vários países” e fez acordos com dois deles para transferir a tecnologia necessária para emitir a moeda. Ele não revelou quais bancos centrais ou quais países, mas diz esperar que eles façam um anúncio em breve.
Ele diz que, ao contrário da bitcoin, sua tecnologia não foi feita para operar como um sistema de pagamento próprio, fora dos já existentes. Em vez disso, ela pode ser transferida como dinheiro entre consumidores, comerciantes, bancos e empresas de pagamento usando os sistemas de transações digitais existentes ou novos. Em outras palavras, isso mudaria a composição da moeda sem mudar os “dutos” pelos quais ela flui.
Nos últimos anos, o Canadá e o Equador experimentaram tecnologias próprias de pagamento digital, algo que também está nas agendas de pesquisa dos bancos centrais no mundo todo. O Banco de Compensações Internacionais, que tem 60 bancos centrais entre seus membros, informou recentemente que as moedas digitais existentes, como a bitcoin, podem reduzir o controle das autoridades sobre o sistema monetário - e “uma opção seria o uso da própria tecnologia para emitir moedas digitais”.
Autoridades do Federal Reserve, o banco central americano, dizem que estão monitorando de perto os avanços, mas não indicaram que cogitam emitir uma moeda digital.
O interesse dos bancos centrais pela moeda digital é uma reação inevitável à rápida mudança rumo a um distanciamento do dinheiro físico. O sistema de pagamento atual é eletrônico, mas o dinheiro é guardado em contas bancárias centralizadas e verificado por redes de pagamento, o que eleva os custos.
A moeda digital, por outro lado, seria quase como um código de computador criptografado “emitido” por um banco central. Ela carregaria toda a informação necessária para validar seu valor e poderia mover-se entre usuários e comerciantes.
Por exemplo, hoje um consumidor pode ter R$ 10 em um cartão de débito ou vale de presente emitido por um banco ou uma loja. Esse valor só pode ser gasto onde o cartão for aceito. Mas se o cartão fosse de moeda digital garantida pelo Banco Central, o usuário poderia, em tese, gastar seu dinheiro em qualquer lugar.
A perspectiva é atraente para os bancos centrais por uma série de razões. No nível prático, eles poderiam reduzir o custo de imprimir dinheiro. Dharmapalan diz que emitir e distribuir uma moeda digital custaria 10% do que custa imprimir e distribuir uma moeda física e permitiria ao governo manter a receita que ele recebe por emitir moeda, conhecida como senhoriagem.
Os bancos centrais também podem ver benefícios na capacidade de monitorar melhor as transações, já que as feitas com dinheiro físico são anônimas e suscetíveis a usos ilícitos.
A Omidyar Network, uma entidade filantrópica de investimento financiada pelo fundador do eBay Inc., Pierre Omidyar, anunciou recentemente que havia investido na eCM. A empresa não divulgou quanto já captou desde que foi criada, em 2011.
Kennedy Komba, que trabalha no banco central da Tanzânia e na Aliança para Inclusão Financeira, uma rede global de formuladores de políticas financeiras, diz que conversou com a eCM e que vê a perspectiva de uma moeda digital garantida pelo banco central como tendo “um grande potencial”.
Na África, onde os pagamentos com celulares cresceram rapidamente, o dinheiro físico controlado pelo governo ainda é crucial, diz Komba. Se um cliente com celular na Tanzânia quiser colocar dinheiro em sua conta, ele geralmente deposita a quantia.
Se o mesmo consumidor quiser fazer um pagamento para outra pessoa que não é cliente da mesma operadora de celular, ele terá que sacar o dinheiro.
Para facilitar todo essa movimentação de dinheiro físico, o banco central, bancos comerciais e empresas de telefonia têm que investir em empregados, cofres e transporte seguro. Uma moeda digital reduziria custos ao tornar as transações mais fáceis de serem executadas. Isso reduziria o custo dos serviços financeiros em geral.
Andrew Haldane, o economista-chefe do Banco da Inglaterra, o banco central inglês, diz que o uso generalizado de dinheiro digital poderia criar novas possibilidades de políticas de juros, num momento em que as ferramentas de política monetária existentes para impulsionar a economia global estão próximas do seu limite.
As autoridades monetárias têm geralmente evitado juros negativos em parte porque os consumidores poderiam sacar seu dinheiro físico dos bancos, caso acreditassem que os juros negativos possam reduzir o valor dos recursos em suas contas. Se não houver dinheiro físico, os correntistas não terão essa opção.
“Talvez o dinheiro do banco central esteja pronto para seu próprio salto tecnológico”, disse Haldane num discurso feito em setembro.
Valor Econômico – SP