20/11/2015 às 05h00 Por Rodrigo Rocha e Thais Carrança | De São Paulo O dólar foi ao mesmo tempo vilão e herói para as companhias abertas na temporada de balanços do terceiro trimestre. Com uma alta acumulada de 62% em 12 meses 28% nos três meses até setembro , o dólar pesou fortemente sobre a dívida em moeda estrangeira, provocando piora nos resultados financeiros, impedindo que eventuais ganhos operacionais chegassem ao lucro líquido. Em contrapartida, a desvalorização do real impulsionou exportações e receitas no exterior, dando bons resultados às companhias que têm a internacionalização como estratégia. Em outra característica marcante do trimestre, a recessão da economia doméstica restringiu ganhos de setores antes resilientes, como o varejo de alimentos e empresas de shoppings centers. Nesse cenário, e diante da falta de perspectiva de uma retomada do crescimento econômico no curto prazo, empresas anunciaram, com os resultados, uma série de ajustes nas suas operações, que vão desde mudanças pontuais como melhoras logísticas e renegociações com fornecedores até cortes pesados de mão de obra e venda de ativos. Segundo levantamento do Valor Data com 257 empresas não financeiras, o lucro acumulado de R$ 1,42 bilhão registrado no terceiro trimestre do ano passado foi revertido em prejuízo de R$ 9,86 bilhões de julho a setembro de 2015 (ver tabela acima). Mesmo excluindo os resultados de Petrobras, Vale e Eletrobras, a última linha do balanço teve grande piora registrou queda de 65%, para o menor lucro trimestral dos últimos anos, em R$ 4,57 bilhões. O maior peso foi de fato financeiro, com o endividamento líquido subindo 39% na comparação anual, para R$ 1,07 trilhão. O avanço ainda é menor do que a alta do dólar no período, de 62% a moeda americana encerrou setembro cotada a R$ 3,97. Os números também foram ruins para a alavancagem das companhias, medida pela relação entre dívida líquida e o lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda), que subiu de três para quatro vezes entre os terceiros trimestres de 2014 e deste ano. O indicador piorou também em razão do crescimento tímido do Ebitda, de 2,5%, no acumulado de 12 meses. Na comparação com o segundo trimestre, o endividamento líquido subiu 14% e a alavancagem passou de 3,8 para quatro vezes. Mas não foram apenas as dívidas que afetaram os resultados das companhias, uma vez que os problemas já surgem na linha do faturamento, devido à crise econômica. A receita líquida no terceiro trimestre melhorou 7% na comparação anual, para R$ 424,9 bilhões, com ganho abaixo da inflação acumulada em 12 meses até setembro, de 9,49%, medida pelo IPCA. O impacto só não foi maior por conta das medidas de contenção de custos e despesas adotadas pelas companhias. Enquanto o custo de produtos e serviços subiu 4,4%, abaixo da alta na receita e menos da metade da inflação, as despesas operacionais recuaram 2,7%. A diferença entre operacional e financeiro fica mais clara com o ganho de 1,5 ponto percentual na margem bruta, para 26,6%, contra margem líquida, que inclui as despesas financeiras, negativa em 2,7%. “Uma tendência nos resultados do terceiro trimestre é que as companhias não conseguiram converter crescimento de Ebitda em lucro líquido. Por questões de resultado financeiro, o operacional não chegou à última linha, que é o que o acionista quer”, observa o estrategista do banco Santander, Daniel Gewehr. Exemplo disso é a Petrobras, companhia mais endividada do mundo entre as de capital aberto não financeiro, que registrou um prejuízo trimestral de R$ 3,8 bilhões, apesar de ter conseguido ampliar seu Ebitda ajustado em 82%, na comparação anual, a R$ 15,5 bilhões. Uma despesa financeira líquida de R$ 11,4 bilhões pesou sobre o resultado. Outra empresa fortemente impactada pela variação cambial foi a aérea Gol, que multiplicou suas perdas em quase oito vezes, a R$ 2,1 bilhões, com o efeito da marcação a mercado de seus passivos financeiros em dólar. Com 90% das receitas em reais, contra 60% dos custos e 80% da dívida denominados na moeda americana, a companhia é uma das mais expostas a risco cambial. “Esse cenário não deve se repetir em 2016, mas a recuperação que temos observado tem sido mais lenta que o ritmo de piora que houve antes”, afirmou o presidente da Gol, Paulo Kakinoff, em teleconferência com jornalistas. O Credit Suisse avalia que os resultados foram piores que o esperado, mesmo após o banco já ter revisado as expectativas em 20% para baixo. “Verificamos que apenas 36% das empresas conseguiram bater as previsões de lucro líquido de nossa equipe, enquanto uma proporção muito maior (52%) ficou abaixo dos nossos números”, indica relatório escrito pelos analistas Andrew Campbell, Andrei Sabah e Mariana Hernandes. Dessa forma, a instituição acredita em novas revisões negativas nas projeções de resultados para 2015 e 2016, e continuidade da pressão sobre as margens por conta da inflação e da receita “pobre”. Se também foram prejudicadas pelo efeito do real fraco sobre suas dívidas, companhias exportadoras como Fibria, Klabin e Suzano, no setor de papel e celulose, a fabricante de aeronaves Embraer e a WEG, em bens de capital, tiveram forte avanço operacional apoiado nas vendas externas. A Embraer, por exemplo, viu sua receita avançar 62% e o Ebitda subir 83% no terceiro trimestre, apesar de o câmbio e provisões de impostos terem afetado o lucro. No setor de celulose, o otimismo pelo bom momento do câmbio e das exportações se reflete até nas projeções para os próximos trimestres. “Podemos afirmar que o quarto trimestre apresentará crescimento robusto de resultado em relação ao quarto trimestre do ano passado”, comentou Fabio Schvartsman, diretorgeral da Klabin, em teleconferência. Mais um destaque positivo no trimestre foi a Braskem, com lucro bilionário e forte desempenho operacional baseado em câmbio favorável às exportações e altos spreads petroquímicos. Mesmo em autopeças, segmento no qual as companhias estariam fadadas à perda de receitas diante da forte retração na produção de veículos no ano (de 21,1% até outubro), se deu bem quem concentrou esforços no exterior, como Tupy e Mahle Metal Leve, ambas com fortes altas na receita líquida e nos lucros. No varejo, a Raia Drogasil permaneceu firme, elevando inclusive sua previsão de abertura de lojas no ano de 130 a 145 , reforçando o perfil defensivo do setor de saúde, em um cenário de queda na renda disponível das famílias. Por outro lado, segmentos antes considerados “porto seguros”, como o de varejo de alimentos e o de shopping centers, já dão sinais dos efeitos da situação macroeconômica. Com prejuízo e perda de margens de lucro, o Pão de Açúcar teve seu pior resultado trimestral desde a formação do grupo com a estrutura atual, em 2010. Embora parcela importante do desempenho ruim venha da operação de eletrodomésticos Via Varejo, na área alimentar o lucro caiu 76%. No ramo de shoppings, queda de lucros ou ampliação de prejuízos foram a tônica. Com vendas em baixa e piora no endividamento, empresas como Aliansce e BR Malls recorreram à venda de ativos. BR Malls e Iguatemi também adiaram lançamentos, adequando cronogramas à crise.
Valor Econômico – SP