Até 2020, a área social no Brasil poderá atrair cerca de R$ 50 bilhões em investimentos, aponta estudo realizado pela Deloitte. Tal montante reflete, na visão de um grupo composto por representantes de algumas das maiores empresas do país, o potencial de crescimento do campo das finanças sociais, segmento que utiliza ferramentas de mercado financeiro para captar recursos para negócios que unam retorno social e financeiro. Estima-se que há atualmente cerca de R$ 13 bilhões no país alocados nesse setor, que difere da filantropia porque exige melhoria comprovada em indicadores sociais, além de modelo de negócios sustentável financeiramente.
O estudo da Deloitte mapeou onde estão os recursos que têm potencial para crescer até 2020. “Grande parte desses R$ 13 bilhões são microcrédito. Há, no entanto R$ 440 milhões em fundos de impacto social, que é o que tem maior potencial para crescer”, diz Célia Cruz, diretora-executiva da Força Tarefa Brasileira de Finanças Sociais.
O grupo, formado em 2014, reúne nomes como Antônio Ermírio de Moraes Neto, Maria Alice Setúbal, Pedro Parente, Ary Oswaldo Mattos Filho, Fabio Barbosa e Luiz Lara. Conta também com o apoio consultivo de outras 60 organizações, entre representantes da academia, do terceiro setor e do setor privado e público. O objetivo é estimular a expansão das finanças sociais, a exemplo do que já ocorreu no Reino Unido, EUA e Austrália. A ideia é que, além de doações, a fatia mais rica da população contribua também com parte do dinheiro aplicado em bancos e gestoras.
“É um guarda-chuva que pega tudo o que está no meio do caminho [entre social e financeiro]. Por exemplo: instrumentos de empréstimo com taxas de juros subsidiada para negócios de impacto; investimento em ‘equity’ em empresas de alto potencial de crescimento e retorno financeiro, mas com objetivo social”, diz Leonardo Letelier, da SITAWI, organização que integra a diretoria executiva da Força.
A lógica prevê, por exemplo, que um investidor de alta renda opte por aplicar 1% do montante de seu plano de previdência privada em fundos que financiem o microcrédito. “E nessa decisão ele tem uma rentabilidade, talvez não igual a que teria aplicando em uma petroleira, mas tem”, explica Célia, que afirma que, em outros países, gestoras e bancos de investimento já incorporaram a prática de oferecer fundos de impacto social a seus clientes.
“Há no Brasil investidores, ‘family offices’, fundações, que sim, querem ter impacto social em seus investimentos, além de performance financeira. Não dá para se viver nesse país em que você paga só 4% de imposto sobre a herança e não fazer alguma coisa para melhorar esse Brasil”, diz Célia. “Há muitos fundos de capital que, hoje, são movidos para a performance financeira, ou para a doação. E queremos que seja doação e performance”, diz a executiva, que vê as finanças sociais como alternativa, inclusive, em tempos de ajuste fiscal e crise.
Ela cita o exemplo do “social impact bond”, um das ferramentas das finanças sociais, que serviria em casos como o do Sistema S, que terá corte de 30% no Orçamento. “O governo co-investe com empresas na formação do Senai. O modelo de pagamento é: se esse jovem sai empregado depois de um ano, o governo remunera o Sistema S com um valor maior nos próximos anos”, diz.
Um caso emblemático de fundo de investimento com impacto social é a Vox Capital, fundada e administrada desde 2009 por Antonio Ermirio de Moraes Neto, 29 anos e um dos membros da Força. O fundo investe em empresas com alto potencial de crescimento e geradoras de soluções para problemas reais de saúde, educação e serviços financeiros. O jovem, neto do falecido presidente do Grupo Votorantim, se formou em administração pública na Fundação Getulio Vargas e, aos 22 anos, fundou o que seria primeiro fundo brasileiro de capital para negócios sociais. “Fui percebendo que o potencial de negócios focados em produtos e serviços altamente necessários para as classes C, D e E estava crescendo no mundo”, diz Moraes Neto, que hoje divide a gestão da Vox com outros três sócios.
O executivo conta que foi pesquisar o modelo de negócios na Índia, em 2008, e conheceu vários exemplos de empresas e fundos de investimentos de impacto social, como o Aavishkaar, uma das inspirações para a criação da Vox. “Percebi que lá na Índia já havia essa lógica implementada: ganhar dinheiro e causar impacto é totalmente possível”, diz. “Conheci vários casos de bancos que abriram capital e os investidores tiveram retorno estratosférico”, diz Neto, citando o exemplo do Sequoia Capital, fundo de inovação do Vale do Silício, na Califórnia.
“A visibilidade do microcrédito inspirou empreendedores e investidores a tentarem fazer isso em outras áreas: educação, saúde, geração de emprego”, diz, referindo-se a Muhammad Yunus, de Bangladesh, que ganhou o Nobel da Paz em 2006 por ter criado o banco de microcrédito Grameen.
Hoje, a Vox tem participação acionária em nove investimentos, além de outros dez investimentos chamados de Vox Labs, startups em que a Vox investe entre R$ 50 mil e R$ 300 mil e o empreendedor tem um ano para validar o modelo do negócio e começar a se instalar. “Se ele não tiver a performance que a gente espera, ele devolve o capital. É um empréstimo a juro bem baixo”, diz. Por outro lado, se a empresa atingir a performance esperada, o investimento se converte para uma participação acionária e a Vox amplia os aportes.
Para ser um empreendedor de impacto social, no entanto, a boa intenção não basta. “Ele tem que mensurar resultados e divulgar e ter produtos e serviços que fechem a conta econômica”, diz Célia.
No dia 14 de outubro, o grupo lançará, em seminário em São Paulo, um conjunto de 15 recomendações para o desenvolvimento do campo das finanças sociais no país. O destaque no evento será a presença de Ronald Cohen, principal liderança global no campo dos investimentos de impacto social.
Valor Econômico – SP