29/07/2015 às 05h00
Por Matías M. Molina | Para o Valor, de São Paulo
O jornal “O Globo” completa hoje 90 anos. Quando foi lançado, em 29 de julho de 1925, circulavam no Rio de Janeiro mais de vinte diários& 894; só sobrevivem dois, “O Globo” e o venerável “Jornal do Commercio”. Começou como um vespertino de fortes manchetes e apelo popular para transformarse, lentamente, num sóbrio matutino. É hoje, com a “Folha de S. Paulo” e “O Estado de S. Paulo”, um dos diários de referência do país. Acredita na importância de publicar reportagens longas e matérias analíticas, e concentra sua atenção e circulação na cidade do Rio e adjacências. Mantém, como no começo, firmes posições conservadoras. Hoje, “O Globo” tenta adaptarse à internet. Unificou as redações e deslocou a atenção para a versão online do jornal. Os leitores estão reagindo. De uma circulação de 314 mil exemplares, 193 mil assinaturas (ou 39%) são digitais, em comparação com 23 mil digitais (ou 9,%) há três anos. Segundo o vicepresidente do grupo, João Roberto Marinho, “no futuro todos os jornais serão digitais e ‘O Globo’, que já tem forte presença no mundo digital, está se preparando para esse desafio& 894;” e “está investindo R$ 200 milhões em um novo prédio com instalações mais eficientes que vão trazer grandes economias operacionais e maior eficiência na produção integrada com o digital.” O faturamento do jornal, informa Fred Kachar, diretorgeral da Infoglobo, “está com uma leve queda com relação ao ano passado, como boa parte dos segmentos da economia”. Mas a circulação, segundo ele, registra uma das menores quedas dentre os principais jornais do país. A base de assinantes digitais está crescendo, afirma Kachar. O pacote exclusivamente digital custa R$ 29,90, e a assinatura do jornal impresso, R$ 86,90. A alma de “O Globo”, quem lhe deu forma e dirigiu durante décadas, foi Roberto Marinho, filho do fundador, Irineu Marinho. A partir do jornal, fundou a TV Globo e construiu o maior império de comunicações da América Latina. Mas ele nunca escondeu que sua grande paixão era o “Globo”. Em dezembro de 1979 Roberto Marinho declarou: “Gosto mesmo é de jornal. E sinto falta da vida de jornal. (…) Há tempos, conheci um simpático representante do governo chinês, que me indagou qual o empreendimento mais lucrativo, ‘O Globo’ ou a televisão? Disselhe que a televisão era muito mais lucrativa. A conversa continuou e, mais adiante, ele perguntou que opção eu faria se injunções políticas me obrigassem a ficar com um negócio apenas. Disselhe que ficaria com o jornal e ele sorriu maliciosamente, retrucando: ‘não acredito. Dr. Roberto, o senhor mesmo confessou que a rede de televisão rende muito mais dinheiro…’ Expliqueilhe então, detalhadamente, o que significava o jornal para mim, o que significava para meu pai ao fundálo. E ele acabou convencendose da sinceridade de minha resposta”. “O Globo” foi fundado em 29 de julho de 1925 por Irineu Marinho. Ele lançara “A Noite” em 1911, mas ao perder o controle fundou “O Globo”, que adotou uma linha popular, com matérias de interesse humano. Irineu Marinho morreu 23 dias depois do lançamento. A mãe sugeriu a Roberto que assumisse a direção. Sensatamente, ele recusou. Tinha 20 anos, não se sentia preparado e indicou para o cargo o homem que seu pai colocara como secretário do jornal, Eurycles de Mattos. Quando Eurycles morreu em 1931, Roberto Marinho sentiu estar preparado. Ao receber o conselho de entregar a direção a um cunhado médico, disse: ele “vem para cá, cuidar do jornal& 894; que eu vou para a clínica dele, tratar dos pacientes e dar aulas na Faculdade de Medicina. Assim está bom?” “O Globo” apoiou a Aliança Liberal, que levou Getúlio Vargas ao poder em 1930, mas defendeu a formação de uma assembleia constituinte e a revolta de São Paulo em 1932. Em 1935, fez campanha contra a Aliança Nacional Libertadora, um movimento de esquerda, aplaudiu a Lei de Segurança Nacional e a decretação do estado de guerra. Mas a redação tinha um bom número de comunistas. Com a queda da ditadura, em 1945 apoiou a candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes à presidência da República e a colocação do Partido Comunista na ilegalidade. Nas eleições de 1950 ficou de novo ao lado do brigadeiro e combateu o vencedor, Getúlio Vargas. Nos anos 50, “O Globo” ganhou influência e circulação, apesar da concorrência de jornais sensacionalistas como “A Notícia”, “O Dia” e principalmente da “Última Hora”. Para enfrentar este último, Marinho fez uma aliança com Carlos Lacerda, dono da “Tribuna da Imprensa”, provocando uma CPI e uma escalada da tensão política. O jornal apoiou o golpe de 1964 decisão de que se arrependeria décadas depois , mas protegeu seus jornalistas contra a arbitrariedade das autoridades. Nos anos 60, o jornal era rentável, mas perdera vigor e expressão& 894; parecia cansado, talvez porque as atenções se desviaram para a TV Globo. Marinho estava insatisfeito: “Não conseguimos fazer um jornal sintético. Pelos reflexos que recebo da redação, o ‘brilho’ medese pelo tamanho das matérias.” Reclamava que “O Globo” era diariamente ‘furado’. A retomada se deu com a contratação de Evandro Carlos de Andrade, em 1971. Ele renovou a redação, exigiu dedicação exclusiva, aumentou o número de repórteres e os salários, melhorou a qualidade. Tinha a obsessão pelo estilo e pela frase bem construída: “O mau uso da palavra interfere na qualidade da informação”, dizia. A orientação política ficou mais flexível. Marinho, realista, dizia que “O Globo tem que ser lido por partidários da Revolução e por adversários. Tem leitores que vão votar no MDB (Movimento Democrático Brasileiro, o partido da oposição) e nós não podemos perder esses leitores.” Marinho achava que aos vespertinos faltava a influência e autoridade dos matutinos, antecipou a saída do jornal até circular de manhã e lançou em 1972 uma edição aos domingos, dia em que o “Jornal do Brasil” predominava. Nos anos 80 e 90, “O Globo” teve que enfrentar a competição de “O Dia”, que se transformara num jornal de grande apelo para a classe média e o ultrapassou em circulação. Para combatêlo, lançou o diário “Extra”, que conseguiu enfraquecer o concorrente. Lentamente, “O Globo” transformavase num jornal de referência. Mas ainda sem a sobriedade gráfica dos matutinos. Tinha uma grande variedade de tipos de letra e uma diagramação nervosa. O logotipo caminhava caprichosamente pela primeira página. “Chegou a ser um desafio localizar o logo”, dizia o editor de arte, até que encontrou um lugar fixo, no alto da página. Em 1995 foi feita uma grande reforma gráfica, a primeira desde o lançamento. Em 2012, nova reforma, que manteve as matérias longas e analíticas, e deu maior destaque às fotos. Hoje, como todos os jornais, “O Globo” procura um novo modelo de negócios que até agora vem eludindo a imprensa tradicional.
Valor Econômico – SP