25/06/2015 às 05h00
Por Assis Moreira | De Lisboa
Respaldado por um grupo de investidores, o dono da Azul, David Neeleman, assinou ontem em Lisboa, juntamente com seu sócio português Humberto Pedrosa, a compra de 61% da aérea portuguesa TAP, num evento transmitido ao vivo por alguns canais de TV do país. Ao Valor, Neeleman disse que cidades brasileiras com mais de 1 milhão de habitantes são candidatas a ter voo direto com Portugal. A estratégia de expansão no Brasil, onde a TAP fatura 40% de sua receita, continuará. Conforme Neeleman, serão abertas mais oito a 10 rotas para o Brasil e 10 para os Estados Unidos. Numa primeira etapa, no Brasil serão aumentadas as freqüências diárias em varias cidades. Para os EUA, a nova TAP deverá ter novos destinos como Boston, Washington e Chicago, mas pode incluir Baltimore e outras cidades com muita presença portuguesa. Neeleman e seu sócio português Humberto Pedrosa, que formam o consórcio Gateway, apresentaram plano de investir 600 milhões na combalida TAP entre 2015 e 2017. O montante pode subir a 800 milhões. O consórcio assumiu as dívidas da TAP, estimadas em mais de 1 bilhão. Uma fonte próxima do consórcio informou que Neeleman conseguiu reunir um bom grupo de investidores, incluindo fundos de private equity do exterior e do Brasil, para levar adiante a operação sem maiores sobressaltos, mas não forneceu nomes. Indagado sobre quem financiaria os aportes prometidos, como os 270 milhões a serem investidos já na TAP, Neeleman respondeu que bancos da China, Reino Unido, Alemanha e outros ”estão na bicha (fila em português de Portugal)” para financiar o projeto. Ele insistiu que Azul e TAP são separadas, e quem comprou parte da aérea portuguesa foi ele. ”Temos financiamento e não vamos ter problema nenhum, porque o plano é bem forte e tem apoio de bancos e da Airbus”, afirmou. Neeleman afirmou que “no futuro vai falar sobre o que precisar” com O BNDES. Lembrou que o banco estatal é um grande financiador da aquisição de jatos da Azul, e insistiu que o banco é “apenas fonte de financiamento”, não acionista”. Ou seja, o BNDESPar não seria acionado. Perguntado se o apoio do governo brasileiro foi decisivo para que entrasse na disputa pela TAP, o executivo retrucou: “Bom, ele sempre falou que ia dar apoio”‘. Sobre a composição acionária da Gateway, oficialmente Neeleman detém 49,9% e seu sócio Pedrosa os 51,1% que lhe dão o controle da companhia, para atender as exigências europeias estrangeiro não pode controlar companhia aérea na União Europeia, idêntico ao que ocorre no Brasil. Ontem, tudo foi feito hoje para que o sócio português aparecesse como o controlador, mas foi Neeleman a figura central dos eventos. A cerimônia de assinatura do contrato, no Salão Nobre do Ministério de Finanças, à beira do rio Tejo, de onde partiam as caravelas em busca de conquistas no exterior, começou com a entrada de um cortejo encabeçado por ministros, depois o sócio português e enfim Neeleman. De um lado da sala, se perfilaram convidados cercados por pinturas retratando períodos da história portuguesa. Pedrosa imediatamente tratou de insistir que a TAP ”continuará a ser uma empresa portuguesa”, com hub e centro de decisão em Lisboa. Logo depois, Neeleman reforçou o comentário, enquanto pedia desculpas pelo sotaque de gringo com brasileiro, declarandose ”brasilcano”. ”Podem confiar na gente”, afirmou Neeleman. O ministro da Economia, Antonio Pires de Lima, observou que era um ”dia de esperança para a TAP”. As autoridades portuguesas insistiram que, pelas regras de concorrência da União Europeia, não podiam capitalizar a aérea, e a privatização, e especialmente a escolha do consórcio Gateway, pode viabilizar a sobrevivência da TAP. Mais tarde, Neeleman e Pedrosa deram entrevista. O executivo da Azul dominou a conversa, o que Pedrosa considerou natural por seu sócio vir do setor de aviação enquanto ele próprio vem do transporte rodoviário e ferroviário. Neeleman mostrou um adesivo colado no seu celular com a frase “Azul loves TAP”, com o logo das duas companhias e um coração no meio. Contou que funcionários da Azul passaram a distribuir o adesivo a empregados da TAP. O executivo confirmou já ter acertado a encomenda de 53 aviões da Airbus, sendo 14 Airbus A330 e 39 Airbus A321 e A320. Os primeiros aparelhos começarão a chegar em 2017. Isso inclui a troca já feita pelo consórcio, de 12 aviões A350, maiores, por 14 aeronaves A 330/900 mais econômicos e mais adaptáveis à rotas que a companhia quer explorar. Sobre Embraer, o tom foi bem mais comedido. A expectativa era de que o consórcio comprasse aparelhos da brasileira para a Portugalia, a filial regional da TAP, para voos mais curtos na Europa. A frota da Portugalia é velha, mas o executivo diz que não ha decisão sobre o que fazer com essa divisão. Neeleman lembrou que a Azul é um dos maiores clientes da companhia brasileira. Mas ”o que é bom para o Brasil pode não ser bom para a Europa”. O executivo também não decidiu o que fazer com o setor de manutenção da TAP no Brasil, que tem dado prejuízos. Segundo ele, a situação está melhor e com o real fraco essa divisão tornouse mais competitiva. A expectativa no consórcio é de que a operação de compra da TAP seja aprovada entre agosto e setembro pela Comissão Europeia, num ligeiro atraso por causa das férias na Europa. Em seis meses, a nova equipe quer apresentar novos produtos, incluindo leitos na classe executiva e o ”SkyCouches”, uma espécie de sofá para dormir. Neeleman não cessou de mencionar positivamente os 12 mil empregados da TAP, que deixam de ser funcionários de uma empresa pública e passarão para uma empresa privada. Disse que não vai demitir, mas precisará aumentar a eficiência na companhia. Para ele, com o fim de indefinições e um plano arrojado de eficiência, a TAP poderá voltar a dar lucros já em 2016. Quanto à colocação de ações da empresa portuguesa no mercado, isso pode demorar alguns anos. O futuro de Fernando Pinto, que presidiu a companhia nos últimos 15 anos, parece quase definido. Pinto já disse que quer partir depois de presidir a transição. Foi ele quem buscou Neeleman e abriulhe as contas da TAP para mostrar que podia ser um bom negócio. As relações entre os dois são boas e há um laço de confiança. ”Mas quero sair da TAP. A minha vontade é sair no dia em que considerar que a empresa está no bom caminho, no caminho do crescimento”, disse. Neeleman confirmou que a TAP vai manter parceria com a Gol, concorrente da Azul. E esta pode entrar mais tarde na Star Alliance, da qual a TAP faz parte. Quanto ao risco de o Partido Socialista, se vencer as eleições este ano, tentar reverter a privatização, Neeleman avisou que o interesse do consórcio é ter o controle da TAP e não participação minoritária. Sugeriu aos portugueses decidir de uma vez se são, afinal, a favor ou não da privatização.
Valor Econômico – SP