03/06/2015 05:00
Por Vinícius Pinheiro e Talita Moreira
A recente melhora nas condições de mercado e a escassez de ativos com potencial de valorização abriram uma oportunidade para as empresas voltarem a testar a demanda dos investidores com ofertas iniciais de ações (IPO, na sigla em inglês). Com forte demanda, a FPC Par Corretora de Seguros, que vende seguros no balcão da Caixa Econômica Federal, fez ontem a primeira abertura de capital do ano, com uma captação de R$ 602,8 milhões. O preço por papel foi definido em R$ 12,33 na operação, perto do topo da faixa indicativa, que ia de R$ 11,25 a R$ 12,35. A demanda pelas ações da Par Corretora chegou a R$ 5 bilhões. A operação despertou grande interesse especialmente de investidores brasileiros , o que elevou o preço das ações na oferta. A forte demanda acabou deixando de fora a Gávea Investimentos, que havia acenado com um aporte de R$ 140 milhões, mas ontem desistiu porque os papéis saíram acima do valor máximo que pretendia pagar por eles, apurou o Valor. Para este ano, são aguardadas as ofertas da Caixa Seguridade, holding que reunirá dos participações do banco na área, e da resseguradora IRB Brasil RE. A Inbrands, holding que reúne marcas de moda, prepara uma nova tentativa de estrear em bolsa. A abertura de capital também pode ser o caminho para a venda de parte das ações da Petrobras na BR Distribuidora, embora uma decisão nesse sentido ainda não tenha sido formalizada.
O bom resultado da oferta da Par, no entanto, está longe de representar uma tendência de retomada firme desse mercado. Um exemplo foi a desistência da companhia aérea Azul de levar adiante os planos de abertura de capital. No caso da Par, atraíram os investidores a previsibilidade das receitas, a ascensão do setor de seguros e o fato de a corretora ser considerada relativamente pouco suscetível às oscilações da economia. Apesar do fraco desempenho da bolsa e da retração da economia, os investidores seguem interessados em empresas com bom histórico de crescimento e menos afetadas pelo ciclo econômico, segundo Marcelo Millen, diretor de mercado de capitais para ofertas de ações do Credit Suisse. “O mercado está mais seletivo do que nunca, mas não está fechado”, afirma. As cotações de várias ações na bolsa traduzem em números essa demanda. Empresas como Droga Raia, Lojas Renner, Cielo e BRF são negociadas hoje perto de suas máximas históricas e com um múltiplo de até 40 vezes o lucro estimado para este ano. “Companhias com bom modelo de negócio e histórico de resultados são valorizadas pelos investidores”, diz Millen. A primeira sinalização positiva do mercado com as ofertas de ações ocorreu no fim de abril, com a megaemissão de R$ 16 bilhões da Telefônica para financiar a compra da GVT.
Apesar de não se tratar de um IPO e de a maior parte das ações ter ficado com a própria empresa de telefonia, a operação foi considerada um marco por ter sido realizada em um momento de incerteza com relação ao país. Identificar as boas histórias e levá-las ao mercado em um momento de retração da economia é o grande desafio para os bancos que coordenam as ofertas, mas há oportunidades, segundo o diretor de uma instituição estrangeira. Para Cristiano Guimarães, diretor do banco de investimentos do Itaú BBA no Brasil, os investidores ainda estão seletivos por causa do cenário macroeconômico, mas alguns começam a ver potencial de melhora. A presença deles nas ofertas e em alguns papéis na bolsa é sinal disso. Entre as candidatas a abrir o capital estão empresas que receberam investimentos de fundos de participações (private equity), segundo Jean Arakawa, sócio do Mattos Filho Advogados. “Em um momento de maior restrição para os ofertas, ter passado por um investidor financeiro chega ser quase prérequisito”, afirma. Com base nas consultas de empresas e bancos que chegam ao escritório, a expectativa do advogado é de um maior movimento de ofertas no segundo semestre do ano, mas nada muito intenso. “Ter uma tese de investimento bem respaldada diante da situação atual do país não é simples”, diz. Nas últimas aberturas de capital, as gestoras de private equity atuaram não só vendendo participações como também na ponta compradora, na figura de “investidoresâncora”. A garantia de demanda para parte da oferta ajudou a atrair a atenção para operações como a da empresa de programas de fidelidade Smiles e da companhia de saúde animal Ourofino. A oferta da Par Corretora começou a ser estruturada dessa forma e só não foi fechada com um investidorâncora porque a demanda superou o esperado. A Gávea havia se comprometido a entrar na operação desde que o preço das ações ficasse entre R$ 11,25 e R$ 11,60. A participação desse tipo de investidor nas ofertas em geral é vista como positiva, mas não é unânime entre bancos e investidores. Entre as críticas, está o fato de a venda de um grande lote de ações para um único comprador reduzir a liquidez dos papéis na bolsa. “A figura do âncora existe em momentos de maior cautela do mercado e ajuda a dar segurança a outros investidores. Pode haver um impacto na liquidez, mas é temporário”, diz Guimarães, do Itaú BBA. Outro executivo que coordena processos de IPO afirma que, nas condições atuais, vê “mais benefícios que problemas” na presença dos investidoresâncora. (Colaborou Ana Paula Ragazzi, do Rio)
Valor Econômico – SP