26/03/2015 às 05h00
Por Marcelo Giufrida
Nos últimos meses o real desvalorizou-se cerca de 30% em relação ao dólar, e há uma certa insegurança de quem não acompanha o mercado diariamente quanto ao exagero ou não das novas cotações.
Há várias teorias que tentam explicar o comportamento das moedas de países que operam num regime de câmbio flutuante: modelos de paridade internacional (um dos modelos mais conhecidos é o PPP, sigla em inglês para “paridade do poder de compra”); modelos de balanço de pagamentos, que focam no equilíbrio de longo prazo das transações de um dado país com o exterior; e os modelos que tratam o câmbio como ativo, buscando identificar os fatores que influenciam os agentes econômicos em reter em seus portfólios ativos denominados em uma dada moeda.
Lamentavelmente, nenhuma dessas teorias deu conta de explicar de forma satisfatória as flutuações das moedas. Há um consenso na direção que o mercado de câmbio, por sua abrangência, sofre a influência de inúmeros fatores, atuando simultaneamente, e que o peso relativo dos fatores muda ao longo do tempo. Estes elementos podem ser agrupados em fatores econômicos, como juros, inflação, crescimento, fiscal; fatores políticos, como repressão financeira e abertura econômica; e a psicologia de mercado, englobando aversão a risco e “momentum”, por exemplo.
Numa visão mais purista, num mercado de flutuação livre, a taxa de câmbio estaria em boa parte do tempo refletindo todas as variáveis e, portanto, a cotação do momento seria seu preço justo.
No entanto, poucos países de fato adotam o câmbio 100% flutuante, havendo em maior ou menor grau intervenções das autoridades monetárias nas cotações, via compra e venda ou usando mudanças regulatórias. Além disso,
a política monetária, especialmente os episódios de “Quantitative Easing”, tem como efeito colateral um profundo impacto nas moedas. No caso brasileiro, há algum tempo deixamos de ter uma taxa flutuante pura, pois nosso Banco Central atua quase todos os dias no mercado, alterando também frequentemente as regras bancárias relativas ao mercado cambial.
Assim, por conta dessas intervenções, há a possibilidade de que nossa moeda se afaste bastante de um teórico ponto de equilíbrio, e experimente movimentos de “overshooting” e “undershooting” [saltos para cima e para baixo]. Daí a pertinência de, utilizando as premissas acima, avaliar a taxa real versus dólar nessas diferentes perspectivas.
Do ponto de vista da PPP, o X da questão é identificar o ponto de referência básico. Um bom candidato seria o início do ano 2000, após a introdução do câmbio flutuante e do regime de metas de inflação. Nesse contexto, a cotação
do dólar mais justa estaria em torno de R$ 3,37.
O PPP é útil, mas seria bom lembrarmos de não enfocar demais a relação real versus dólar, pois hoje uma parte substancial do comércio brasileiro é com
Europa e Ásia, e as moedas dessas regiões também se desvalorizaram em
relação ao “greenback”, de forma que houve pouco ganho de competitividade
dos produtos brasileiros nessas regiões.
Avaliando o balanço de pagamentos, diversos economistas apontam que a
economia brasileira no longo prazo convive bem com um déficit de conta
corrente da ordem de 2,5% do PIB. Fazendo algumas regressões com dados históricos, meus colegas Daniel Weeks e Ricardo Romano estimaram que a taxa de câmbio deveria convergir para um patamar de R$ 3,30. Essa estimativa é fortemente dependente dos termos de troca, ou seja, da relação de preço entre os itens que o Brasil importa e exporta. Uma piora nos termos
de troca (por exemplo, devido à queda dos preços das commodities) de 10% faria o câmbio de equilíbrio mover-se para algo em torno de R$ 3,50 para atingir o mesmo equilíbrio.
Tratando o câmbio como ativo, no caso do Brasil um fator de enorme relevância é a taxa de juros. Alguns modelos indicam que, para cada 1% de
aumento do diferencial de juros entre o Brasil e os EUA, o real aprecia-se 0,6%. Como o Banco Central pode subir a Selic, haveria uma pressão no sentido de apreciar o real.
É importante adicionar uma outra variável, que ganhou relevância desde 2013: as intervenções do Banco Central por meio dos leilões de swap e linhas.
Segundo estudos dos economistas da PUC Marcos Chamon, Marcio Garcia e Laura Souza, a ação do Banco Central fez com que o real se mantivesse ao longo do programa cerca de 5% mais forte do que indicava a comparação com moedas de outros países emergentes. Na última terça-feira, o Banco Central anunciou o fim da ração diária, mas manteve a rolagem integral do estoque de swaps. Apesar de não marcar o fim efetivo do programa, essa medida aponta para um Banco Central menos intervencionista e uma taxa de câmbio mais limpa.
Resumindo, olhando o conjunto de modelos explanatórios, o PPP indicaria um dólar mais justo ao redor de R$ 3,37; o modelo de conta corrente sugere R$ 3,30, com viés de alta; e a atuação do Banco Central (alta dos juros e redução do programa de swaps) poderia ter um efeito combinado de depreciar adicionalmente o real em cerca de 4% a 5%.
Ou seja, não parece que estejamos numa cotação exagerada. Ao contrário, o real teria mais fatores impulsionando no sentido de desvalorização adicional.
Marcelo Giufrida é CEO da Garde Asset Management.
Email: marcelo.giufrida@gardeam.com.br
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações.
Valor Econômico – SP