18/03/2015 05:00
Por Téo Takar
A Bovespa ignorou o mercado externo e fechou em forte alta ontem, impulsionada por compras de investidores estrangeiros. Analistas voltaram a comentar que a bolsa brasileira está atraente do ponto de vista do capital externo, devido à forte desvalorização do real nas últimas semanas, O Ibovespa ajustado pelo dólar está na mínima desde março de 2009. O fluxo de capital externo só não é maior porque muitos investidores têm dúvidas se a queda do real ante o dólar já chegou ao limite. Alguns se sentem inseguros com a instabilidade política e preferem aguardar a aprovação das medidas fiscais no Congresso. Porém, as sinalizações dadas pelo governo nesta semana, em reação às manifestações de domingo, trouxeram algum alívio ao mercado. Relatório do Bank of America Merrill Lynch (BofA) aponta que os estrangeiros estão de olho em oportunidades, esperando o melhor momento para entrar no Brasil. “Vários deles nos perguntam quais fatores poderiam sinalizar um ponto de virada. A maioria ainda vê muitos riscos neste momento, em particular a desvalorização do real em curso”, comentam os analistas David Becker e Carlos Capistran, que assinam o relatório. O Ibovespa fechou em alta de 2,94%, aos 50.285 pontos, com volume de R$ 7,158 bilhões. Entre as principais ações do índice, Petrobras PN (5,08%) liderou os ganhos, seguida por Vale PNA (4,62%), Bradesco PN (3,92%), Itaú PN (2,86%) e Ambev ON (1,05%).
Além de Petrobras, outras ações de estatais também marcaram presença entre as maiores altas: Banco do Brasil ON (5,05%), Eletrobras PNB (3,23%) e Eletrobras ON (2,61%). “A Bovespa barateou bastante em dólar nas últimas semanas. Hoje [ontem] vimos clientes estrangeiros entrando na bolsa. Mas alguns deles estão adiando o fechamento da operação de câmbio, de olho na decisão do Fed [Federal Reserve, o banco central americano]. Se houver alguma surpresa no comunicado, o dólar pode disparar e a compra das ações fica ainda mais vantajosa”, afirma o diretor da corretora Mirae Asset, Pablo Spyer. Enquanto a liquidação de compra de ações ocorre em três dias, o câmbio dos recursos pode ser feito em um dia, o que permite ao estrangeiro “esperar” a decisão do Fed sem perder oportunidades na Bovespa e ainda faturar com o câmbio. Porém, a operação resulta num duplo risco, de câmbio e do mercado de ações. Também circulou nas mesas de operações a expectativa de que a agência de classificação de risco Fitch possa cortar a nota do Brasil em um nível, para “BBB”, último patamar de grau de investimento. O rating do Brasil hoje está dois níveis acima do nível “junk” (especulativo) pela Moody’s e Fitch, e apenas um nível pela S&P. Técnicos da Fitch estão no Brasil nesta semana para conversar com integrantes do governo e analisar os indicadores do país.
“O corte de um degrau não muda muita coisa. Isso já está embutido no preço dos ativos”, comentou um analista. Os analistas do BofA David Becker e Carlos Capistran relatam que, durante visita a investidores europeus na semana passada, gastaram boa parte do tempo discutindo o cenário político brasileiro. Os investidores questionaram sobre o escândalo de corrupção na Petrobras, sobre o Congresso, o risco de impeachment, entre outros pontos. Para os analistas do BofA, a incerteza política continuará elevada pelo menos até que o pacote de medidas fiscais seja aprovado. “O mercado quer mais clareza sobre alguns fatores de risco, como a publicação do balanço auditado da Petrobras.” Eles citaram ainda a expectativa de melhora nas contas fiscais, a aprovação das medidas pelo Congresso, sinais de recuperação na conta corrente do país e a estabilização do real.
“O maior risco parece ser o de um ‘overshooting’ [disparada] da moeda acima do valor justo, em torno dos R$ 3,15. Alguns investidores avaliam que o câmbio precisa se estabilizar primeiro, antes que eles incluam ativos brasileiros em suas carteiras”, afirmaram os analistas do BofA no relatório. O Credit Suisse Hedging Griffo (CSHG) fez uma análise sobre o impacto do dólar sobre as empresas não financeiras que integram o Ibovespa. “Se o Ibovespa ‘ex-bancos’ fosse uma empresa, cerca de 20% do faturamento e de seus custos estariam atrelados ao dólar”, diz o documento. “Em termos de endividamento, a exposição cambial ficaria ao redor de 30%.” A instituição considera que a exposição dessa parcela de empresas do Ibovespa é “relativamente baixa”, tanto do lado da receita quanto dos custos. “Resumidamente, 20% dos lucros da empresa Ibovespa ‘ex-bancos’ se beneficiam da desvalorização do real.” Segundo o CSHG, o Ibovespa é atualmente negociado com uma relação preço/lucro (P/L) de 11 vezes para os próximos 12 meses. Considerando-se o impacto da desvalorização recente do câmbio, a parcela do lucro exposta ao dólar tende a crescer. “Nesse caso, o P/L recuaria para 10,5 vezes.”
Valor Econômico – SP