25/02/2015 às 05h00
Por Angela Klinke
Todo mundo reparou nos carros dos pelados e dos amantes ávidos. Mas o enredo da escola de samba Mocidade Independente de Padre Miguel, inspirado na música de Paulinho Moska, também queria saber se além do banho na chuva ou de uma orgia, o folião passaria seu último dia de vida num shopping. O carnavalesco Paulo Barros brincou com as marcas de luxo e expôs uma imensa arara de roupas para representar o quanto a proposta poderia ser atraente. Grifes internacionais de moda atenderiam ao seu último suspiro de consumo?
Hoje, os brasileiros passam em média 76 minutos num shopping a cada visita. Só que 60% deles não vão fazer compras. Estão ali para desfrutar do lazer e dos serviços, segundo dados da Abrasce (Associação Brasileira de Shopping Centers). De caixote de compras, o “equipamento” - como gostam de chamar os integrantes da indústria - se transformou num núcleo de conveniência. Até aí, ok. A vocação mudou. Qual seria então o próximo passo nessa, digamos, evolução? “Transformá-los em centros de convivência”, acredita Luiz Alberto Marinho, da consultoria Gouveia de Souza.
Pelo levantamento da Abrasce, um terço dos shoppings no país já faz parte de complexos multiuso, aliado a torres comerciais e/ou residências. Nesse modelo, a frequência estaria “garantida”. A questão é como fazer com que as pessoas passem mais tempo por ali e, ironia, até façam compras sem se sentirem obrigadas a isso. “Ouvi recentemente na NRF (principal encontro do setor de varejo nos EUA) que o futuro vai ser baseado numa coisa antiga: a socialização”, diz Marinho.
Isso significa, em sua concepção, que os shoppings vão cada vez mais criar espaços para as pessoas se encontrarem e desfrutarem uma experiência prazerosa em grupo. Os projetos arquitetônicos precisam conversar com a cidade, com transparências, “permeabilidade”, áreas livres e jardins. É o sentido do compartilhamento, do coletivo, mesmo num espaço delimitado e privado.
“O número de pessoas que ia sozinha aos shoppings caiu de 44%, em 2012, para 40%, em 2014. É um programa para se fazer em família ou com os amigos. Nesse sentido, a indústria brasileira está na vanguarda. Nos Estados Unidos e na China, os shoppings foram pensados só para compras. Nossa adaptação foi bem mais natural”, acredita Glauco Humai, presidente da Abrasce.
O conceito que melhor define a proposta do setor no momento, na concepção de Cláudio Sallum, sócio-fundador da Lumine, é acolhimento. Nos mais de 30 projetos em que está envolvido, no desenvolvimento ou na administração, o desejo é o mesmo. O shopping precisa se parecer com uma sala de estar.
“Eles precisam ser mais acolhedores, com uma arquitetura humanizada e menos corporativa, levando em conta os princípios da hotelaria. Todos os
projetos que estamos trabalhando, por exemplo, preveem os ‘lounges'” , diz.
Para “aquecer” o ambiente, conta Sallum, há o uso frequente de madeira e de iluminação natural. “A praça de alimentação está perdendo aquela cara de refeitório de fábrica para ganhar contornos de restaurante. A ambientação precisa conversar mais com o universo da casa, do doméstico.” E isso, diz Sallum, vale tanto para os shoppings mais sofisticados quanto para os mais populares.
O Shopping Cidade Jardim, no Morumbi, em São Paulo, por exemplo, criou o que chama de “food hall”, onde oferece produtos e pratos num espaço projetado para transmitir “acolhimento” e ter uma “vista espetacular da cidade”. Enquanto no Cantareira Norte Shopping, em Parada de Taipas, São Paulo, que será inaugurado neste ano com desenvolvimento da Lumini, a praça de alimentação terá jardinagem, mesas e cadeiras com “cara de restaurante”. “Quando o foco é a classe A, a linguagem é minimalista.
Quando a proposta é mais popular, as cores são mais valorizadas”, diz Sallum.
Os shoppings precisariam ser lugares que acolhem e inspiram. Para o grupo
australiano Westfield, com 40 shoppings entre EUA, Inglaterra, Nova
Zelândia e Austrália, esse processo passa pela tecnologia. Tanto que há dois
anos montou uma espécie de incubadora em San Francisco, nos EUA, para encontrar soluções de convergência entre o varejo digital e o físico. As propostas apresentadas trazem as ferramentas do mundo virtual usadas para
proporcionar uma trajetória de compra prazerosa e finalizada no mundo físico.
É como se um shopping digital se sobrepusesse ao shopping tradicional, sendo dois lados da mesma moeda. Em uma das soluções, por exemplo, a busca que o consumidor realiza em casa nos sites de várias lojas foram
concentradas no aplicativo do shopping. Ali ele pode navegar pelo estoque da
loja e reservar a peça que deseja, para não perder a viagem indo até o local. A
facilidade se estende ao estacionamento. Logo na entrada há num painel que
mostra em que andares há vagas disponíveis e a exata localização delas. O
aplicativo para refeições permite a escolha do prato e a definição do horário
em que deve estar pronto para ser devorado. Ou entregue no escritório.
A rede Iguatemi acaba de disponibilizar um aplicativo para atender a todos
seus 14 shoppings. Agora, além de acessar o conteúdo do site com
informações de moda e “lifestyle”, o dispositivo amplia os serviços, como, por
exemplo, a reserva de restaurantes e, no próximo mês, o pagamento de
estacionamento. Até agora o serviço mais acessado é o localizador de lojas e a
rota para chegar até o destino.
“A preocupação de que o mundo digital esvaziaria o espaço físico não se
confirmou. É tudo complementar. Nosso objetivo é que o aplicativo seja um
facilitador para que o cliente tenha a melhor experiência de compra”, diz
Aline Zarouk, diretora de marketing do Iguatemi Empresa de Shopping
Centers.
Para Hamui, da Abrase, os shoppings estão sendo protagonistas nessa
convergência digital, “o que vai estimular os lojistas” a fazer o mesmo. No
Natal de 2013, por exemplo, o Westfield Lab, em parceria com o eBay,
instalou telas gigantes de navegação onde era possível comprar cem produtos
das marcas Sony, Tom Shoes e Rebecca Minkoff.
Esta última, uma grife feminina de moda, ampliou o potencial da proposta.
Instalou uma tela em sua loja no Soho, Nova York, onde a consumidora escolhe peça, testa combinações, verifica disponibilidade no estoque, marca as eleitas e pede que sejam separadas no provador indicado como vago.
“Vamos ver muita integração entre os dois universos, muitos modelos surgindo e os shoppings vão ter de se adaptar”, diz Marinho. É o varejo transgênico. Esquindô.
angelaklinke@uol.com.br
Valor Econômico – SP