23/02/2015 05:55
O cenário bucólico combinava pouco com o estilo de vida do empresário Pedro Paulo Diniz até pouco tempo atrás. Um dos seis filhos de Abilio Diniz ex-dono da rede varejista Pão de Açúcar e atual acionista da operação brasileira do supermercadista Carrefour , Pedro Paulo já foi piloto de Fórmula 1 e morou em Mônaco por oito anos, até 2000.
Nesse período, circulava numa Ferrari, frequentava festas no palácio do príncipe e era constantemente fotografado ao lado de beldades. Mas tudo isso ficou no passado. Hoje, de maneira discreta, ele se dedica a fazer prosperar um negócio que não tem nenhum vínculo com a badalação que viveu um dia.
Trata-se da Fazenda da Toca, propriedade de 2 300 hectares em Itirapina, no interior de São Paulo, onde mora desde 2010 com a mulher e dois filhos pequenos, e de onde saem ovos, laticínios e sucos orgânicos. Aos 44 anos, Pedro Paulo fala com desenvoltura sobre técnicas de plantio de manga e tangerina sem o uso de agrotóxicos, a importância da biodiversidade e os problemas relacionados aos transgênicos.
O interesse pelo assunto surgiu há menos de uma década. Vi em 2006 o filme do (ex-vice-presidente americano) Al Gore, sobre o aquecimento global, e aquilo me chacoalhou, diz. Passou então a estudar o tema da sustentabilidade e a pensar o que poderia fazer a respeito.
Cheguei à conclusão de que a agricultura tradicional degrada o meio ambiente e que valia a pena investir tempo e dinheiro para testar um modelo diferente. A empresa hoje exporta polpa de fruta para Alemanha, França e Itália. No Brasil, os produtos estão em 1 700 pontos de venda no estado de São Paulo com a marca Fazenda da Toca.
Na propriedade, também são produzidos iogurtes e sucos orgânicos da Taeq, marca própria do Pão de Açúcar. Em 2015, a Fazenda da Toca deverá faturar 26 milhões de reais e, se tudo der certo, registrar o primeiro lucro. A demanda só cresce, afirma Pedro Paulo. Vendo tudo o que consigo produzir.
Segundo o Ministério do Meio Ambiente, a agricultura brasileira é, há sete anos, a maior consumidora de agrotóxicos do mundo. Por outro lado e há aqui uma grande ironia , o mercado brasileiro de produtos industrializados orgânicos, fabricados com ingredientes que não tiveram contato com agrotóxicos sintéticos e adubos químicos, além de outras características, como o uso de sementes que não são geneticamente modificadas, cresce 25% ao ano desde 2009.
A média mundial é de apenas 6%, segundo a consultoria Euromonitor. Se levarmos em conta outros produtos considerados saudáveis ou seja, com menos ou nada de açúcar, sal e gordura, e mais fibras, vitaminas e nutrientes , a expansão também é impressionante.
Enquanto as vendas de alimentos e bebidas tradicionais cresceram 67% nos últimos cinco anos no país, as de saudáveis aumentaram 98% no mesmo período. É um mercado que movimenta 35 bilhões de dólares ao ano no Brasil. Em 2014, a cifra alçou o país de sexto a quarto maior do mundo, superando Reino Unido e Alemanha.
Alguns fatores ajudam a entender o que está por trás dessa tendência. Os brasileiros se mostram bem mais preocupados com a saúde que a média global, diz Adriano Araújo, diretor-geral da operação brasileira da Dunnhumby, empresa de pesquisa do grupo varejista britânico Tesco.
Num levantamento recente com 18 000 pessoas de 18 países, 79% dos brasileiros disseram que saúde e nutrição são prioridade em sua vida. Esse patamar não passa de 55% no Reino Unido e de 66% nos Estados Unidos. Há que interpretar esses números, porém, com certo ceticismo. Pode existir nas pesquisas uma dissonância entre o que as pessoas declaram e o que, de fato, praticam.
A despeito de tanta disposição em cuidar da saúde, os brasileiros, assim como o resto do mundo, estão ficando obesos. O Ministério da Saúde revelou, em 2013, que 51% da população do país está acima do peso em 2006, a taxa era de 43%.
Feita essa ressalva, é inegável que haja um prato cheio de oportunidades no mercado de produtos saudáveis a ser explorado por empresas, supermercadistas e investidores e eles não têm perdido tempo.
Trata-se ainda de um setor fragmentado, formado por empresas de médio e pequeno porte que crescem rapidamente. Muitas delas nasceram movidas por certa dose de idealismo. É o caso da Jasmine, fabricante de uma gama de produtos orgânicos, que vão de grãos a papinhas de bebê e leite de aveia.
Uma das pioneiras do setor no país, a empresa foi fundada em 1990 pelo casal Christophe e Rosa Allain, em Curitiba, no Paraná. Adeptos da alimentação macrobiótica, que preconiza o consumo de cereais integrais, vegetais e legumes, os dois deram início à Jasmine na garagem de casa, ensacando arroz integral para vendê-lo em pequenas lojas de alimentação natural.
Coisa de hippie? No início, pode ter sido. Mas, desde 2011, a empresa cresceu, em média, 23% ao ano. Em 2014, faturou 150 milhões de reais. Impulsionada pela necessidade de expandir as operações, está de mudança para uma área maior, em Campina Grande do Sul, na região metropolitana da capital paranaense. Pretendemos triplicar a produção de biscoitos, diz Damian Allain, diretor de mercado da empresa e filho do casal de fundadores.
A expansão tornou-se possível com a entrada de capital de gente grande. Em agosto, a Jasmine foi comprada, por um valor não revelado, pela Nutrition et Santé, subsidiária francesa do laboratório farmacêutico japonês Otsuka, que fatura mais de 14 bilhões de dólares por ano. A família Allain foi mantida na operação, mas a área financeira passou a ser gerenciada por uma executiva francesa.
O intercâmbio com a nova sede não parou por aí. No segundo semestre, a Jasmine começará a produzir localmente um biscoito da Nutrition et Santé, criado para suprir um nicho em alta, ainda que ninguém saiba por quanto tempo: o de alimentos sem glúten.
Nos Estados Unidos e na Europa, onde esse mercado está bem mais consolidado, as investidas da indústria e de fundos em negócios promissores de alimentos e bebidas saudáveis começaram há pelo menos duas décadas.
A americana General Mills, um colosso do mercado de alimentos que fatura 18 bilhões de dólares por ano, vem adquirindo marcas de produtos orgânicos para incrementar seu portfólio desde o fim dos anos 90. Em setembro, pagou 820 milhões de dólares para se tornar dona da Annie’s Homegrown, badalada empresa de alimentos orgânicos da Califórnia.
No mesmo caminho, a fabricante americana de sopas Campbell ingressou nesse mercado em 2012, ao comprar uma empresa de sucos naturais. No ano seguinte, arrematou a Plum Organics, produtora de comida orgânica para bebês e crianças.
Lá fora já é comum que, antes de parar nas mãos das grandes, essas empresas recebam capital de investidores. Foi o caso da americana Food Should Taste Good, fabricante de salgadinhos sem glúten, colesterol ou gordura trans, que recebeu investimento do fundo Sherbrooke Capital em 2007 e foi vendida à General Mills em 2012.
Para a indústria, esse é um atalho valioso. Além de levar tempo, criar do zero versões saudáveis de produtos tradicionais pode gerar um ruído na comunicação com os consumidores, afirma o holandês Diederik Vismans, diretor da consultoria Boston Consulting Group.
Segundo ele, a medida pode despertar a atenção dos consumidores para as características não saudáveis do produto original. E também pode ser difícil convencer o cliente de que não se trata apenas de uma maquiagem.
Revista Exame on-line – SP