28/11/2014 às 05h00
Por Roseli Loturco | Para o Valor, de São Paulo
Investir em eventos, espaços de convivência diferenciados, nichos específicos de atuação, acervos atualizados e parcerias com escolas e universidades têm sido a saída encontrada pelas livrarias de médio porte para concorrer com as grandes redes nacionais e estrangeiras que atuam no país. Apesar do desafio financeiro inicial, a tarefa tem resultado em espaços agradáveis e convidativos, capazes de atrair um público leitor diferenciado e impulsionador de vendas.
Reflexo do fraco desempenho da economia no ano passado e também neste ano, de lá para cá o país ganhou só 22 novas lojas do gênero, totalizando 3.073 unidades, segundo último levantamento da Associação Nacional das Livrarias (ANL). Se a comparação for feita com o ano de 2012, quando o país registrava quase 3,5 mil pontos, houve um retrocesso. Se levarmos em conta que boa parte das cidades brasileiras não tem sequer um livreiro, o quadro do setor piora.
“Há ainda a concorrência com as lojas virtuais, onde as grandes operam mais fortemente e dos livros digitais, alguns só publicados eletronicamente”, avalia Ednilson Xavier Gomes, presidente da ANL e da Livraria Cortez, especializada em ciências humanas e sociais e que se localiza na Zona Oeste da capital paulistana.
Segundo levantamento feito pelo Publish News, site especializado no mercado editorial, o setor livreiro faturou algo em torno de R$ 7, 6 bilhões no ano passado só com as vendas de livros. No entanto, esses espaços vendem muito outros produtos. Algumas lojas chegam a ter 50% de sua receita com artigos eletrônicos, CD, DVD e papelaria. São raros os casos como o da Livraria Martins Fontes de dedicação integral à arte de promover somente a cultura. Com três unidades, sendo uma a badalada unidade da avenida Paulista, Alexandre Martins Fontes confessa que não é fácil concorrer com os poderosos que se organizam em redes.
“Apesar disso, nos últimos 10 anos crescemos 11,6 vezes a nossa receita. Ou um pouco mais do que 1 mil por cento. Temos mais de 100 mil títulos para pronta-entrega só no espaço da Paulista, que conta com mil metros quadrados”, afirma o empresário, que traduz em números os acertos da editora. Para que tudo isso desse certo, Fontes diz que o negócio que começou com o seu pai e dois tios, em 1960, teve que ir se modernizando de quando em quando, mas sem nunca perder o foco na riqueza do acervo.
O fato de possuírem uma editora também ajuda, pois ela trabalha com o chamado fundo de catálogo (não apenas os best sellers). “Isso garante que aqui o leitor irá encontrar os livros difíceis que procura. 10% do nosso acervo estão em língua nativa inglesa, alemã, italiana, francesa, espanhola e asiáticas”, afirma.
A livraria, que realiza mais de 500 lançamentos por ano, inaugurou em 2013 um auditório para debates, clube de leituras, palestras, eventos e apresentações. Outro ponto alto da loja, na opinião de Fontes, é a cafeteria. “Se fechássemos o café, talvez perdêssemos boa parte dos frequentadores assíduos”, diz ele.
A Martins Fontes, que pela primeira fez abriu seu balanço financeiro para uma publicação, fechou 2013 com receita de R$ 17,16 milhões – resultado das duas lojas de São Paulo (a terceira, fica em Santos) mais as vendas on-line. Para 2014, a previsão é de que o faturamento chegue a R$ 20 milhões, sendo que só a unidade Paulista deve representar R$ 11,5 milhões do total.
De olho nas oportunidades do comércio eletrônico, Fontes arrisca dizer que se a sua loja virtual não estiver vendendo o mesmo que a unidade Paulista em alguns anos, é sinal de que não estão trabalhando direito este canal. “Em 2013, o e-commerce atingiu R$ 3,6 milhões e hoje já vende mais do que a unidade da Vila Nova”, afirma Fontes. Para sustentar esta meta de crescimento, está investindo em nova plataforma tecnológica que passará a vender também livros digitais ainda este ano.
Detentora de 2% do mercado livreiro do país, segundo ranking da Publish News, a Livraria da Vila também experimenta o crescimento acelerado de quem apostou no diferencial. Se em um primeiro momento tentou transformar a livraria em um grande ponto de encontro entre os amantes da leitura de biografias, literatura nacional, estrangeira e infanto-juvenil, hoje olha os canais eletrônicos com atenção.
Sairá praticamente do zero nas vendas on-line e investirá mais fortemente na estruturação da loja virtual, onde comercializará também os e-books no ano que vem. “Vejo os novos produtos e canais como uma realidade complementar às lojas e produtos físicos. Ninguém ameaça ninguém, mas se complementam”, afirma Samuel Seibel, dono de uma rede de oito lojas que acredita ter cumprido o formato e propósito de conquistar um público cativo – com acervo de mais de 100 mil títulos, auditório, cafeteria, sofás, atendimento diferenciado, mais de 800 lançamentos por ano e 1,7 mil eventos de interação cultural.
Apesar de não revelar a receita, Seibel diz que cresceu 10% em 2013 e que 2014 tem sido um ano mais difícil por conta da Copa. “Nossa principal unidade na Vila Madalena teve que fechar as portas durante vários jogos”. Mesmo assim, prevê abrir mais uma unidade em 2015. Desta vez, no Shopping Guarulhos.
Valor Econômico – SP